- Não esperava por isto.
- Nem fales nada. Isto é de
loucos!
- Não consegui dizer tudo que vi, na
frente deles. Pareceu-me absurdo e obscuro demais.
- Mas temos que lhes dizer. Não é
justo guardarmos este… segredo, por assim dizer… se é que podemos chamar assim.
- Deixa-me pensar. Temos que ter
cuidado. Vão-nos questionar por que não dissemos nada… ou vão-nos chamar de
loucos.
- O tempo está correndo. Temos que
ser rápidos. Se o que viste, for…
O rapaz hesitou, por um momento.
- O perigo se aproxima rapidamente.
Mesmo assim, vou ter que fazer uma pesquisa mais aprofundada, para ver se
descubro mais algum detalhe. Nunca levei o assunto muito a sério.
***
- Mitologia? Vocês pensam que eu
sou estúpida? Todos sabem que os mitos sempre foram invenção dos homens, para
explicar o que não compreendem. Não posso aceitar uma asneira destas. Eu sou
uma cientista. Vocês também!
- Sabemos que é difícil. Nós
também custamos a acreditar, mas…
- Vocês fumaram alguma coisa?
Estão sob o efeito de drogas?
Os dois riram, meio sem jeito. Sabiam que a mulher tinha razão. Quem
poderia acreditar numa conversa daquelas?
***
- O que vamos fazer?
- Não sei. O que nós poderemos
fazer, afinal? A história toda é muito absurda e nem sabemos se não foi um
delírio, somente.
- E se estivermos errados?
- É possível que estejamos… É bem
possível que estejamos…
O rapaz olhou o amigo com uma expressão,
que revelava sua frustração e uma dúvida, aliada ao medo de que o que mais
temiam fosse, na verdade, acontecer.
- E se não estivermos?
- Então temos que ter um plano.
Nós sabemos que ninguém vai-nos apoiar, seguir ou proteger. Nem a nós, nem a ela…
***
- Mitologia… quem diria… dois
malucos!
Ela sorriu, como se achasse a ideia realmente absurda, mas algo em sua
mente dizia, firmemente, que não era.
Ela sentiu-se sonolenta. Passava de sua hora de deitar. Como de costume,
havia arranjado a louça do jantar, que mal havia tocado, desligara o computador
e apagara todas as luzes do apartamento. Na casa de banho, olhara-se no
espelho, por um período mais longo que fazia, normalmente.
Seus olhos pareciam cansados e avermelhados. Ela havia chorado, mas não
de tristeza. Havia uma certa nostalgia em sua alma. Tanta coisa a fazer e tão
pouco tempo…
A mulher entrou no quarto e abriu a gaveta da cômoda. Sentia-se cansada.
Algumas das muitas caixas de medicamentos estavam praticamente vazias. Outras
estavam intocadas. Ela fechou a gaveta, sem tocar em nenhum daqueles
comprimidos, como vinha fazendo na última semana, depois que havia tido a
conversa com os dois jovens cientistas.
Vestiu o pijama de uma malha fina de algodão e deitou-se, calmamente.
O apartamento de dois quartos pareceu-lhe, de repente, um imenso
deserto. Apagou a luz da cômoda e fechou os olhos…
***
O rapaz, extremamente atraente, aproximou-se. Ela já o conhecia, de
outras ocasiões. Ele estendeu-lhe a mão, num gesto convidativo e gentil, que a
mulher aceitou, como se fossem amigos, de longa data.
Pela primeira vez, porém, dirigiu-lhe a palavra, pois nunca se sentiu
encorajada para tal. Ele sempre lhe pareceu distante, intocável, de imenso
poder.
- Vais-me dizer quem és, afinal?
- Tu sabes quem eu sou. Meu nome é Hypnos, o guardião dos sonhos.
- Eu não acredito em deuses, nem me curvo em idolatrias, por nenhum ser
vivo.
- Não esperava que o fizesses, apesar de não ser considerado um ser vivo.
Ela quase riu. Esperou. Ele simplesmente olhou, profundamente, em seus
olhos escuros.
- Para onde vais-me levar?
- Por que perguntas o que já sabes? Ele está à nossa espera.
- Quero ir à praia… ver o mar.
- É lá que ele está…
Ela tremeu. Havia uma apreensão natural, em seu peito.
- Não te preocupes, ele é gentil e pacífico. Tenha calma. Não há o que
temer…
Ele estava sentado no murete, ao sol. Tão atraente quanto seu irmão gémeo,
o rapaz parecia mais à vontade, quando ela se aproximou. Ele sorriu. Ela, não.
- Este é meu irmão gémeo, Thanatos. Ele te conduzirá, daqui por diante. É
a ele que caberá levar-te adiante, nesta viagem. Já não
haverá sofrimento, mas não há volta. A passagem será tranquila e pacífica.
O rapaz estendeu-lhe a mão.
- Estás pronta?
- Não.
- Estás, sim. Vamos.
E eles seguiram pela imensa praia deserta, lado a lado e em silêncio…
***
- Ele ouviu a conversa entre os gêmeos Hypnos, o sonho... e Thanatos, a morte pacífica... e achou que se tratava dele… e se
apavorou.
- Será? Achas que foi isto mesmo que aconteceu?
- Não tenho certeza, obviamente, e acho que nunca saberemos…
***