O vilarejo tinha poucos habitantes e vivia, basicamente, dos resultados das colheitas de suas plantações, especialmente, culturas de milho e trigo, que estendiam-se por vários hectares de terra fértil. Também plantavam horticulturas de época, porém em menor escala. Era raro serem visitados por outros, que não os intermediários, que vinham buscar as safras, distribuídas pela cooperativa local e que acontecia segundo um calendário pré-estabelecido.
A base, estrategicamente localizada num raio de mais de cinquenta
quilômetros do povoado, para que as idas e vindas do exército fossem muito bem
camufladas, mesmo durante a fase de construção, começara as atividades como um genuíno
acampamento militar. Rapidamente evoluiu para uma sofisticada base de testes e
experiências secretas, muitas delas sustentadas por fundos de pesquisas, alimentados
por grandes empresas civis e públicas, direcionados para a área nuclear. A base
já não era unicamente militar, pois os investidores, com interesses
tecnológicos, tinham calendários definidos e precisavam de um cumprimento
bastante rigoroso aos mesmos. Os pesquisadores eram grandes cientistas procedentes
de uma incubadora de um grupo de Universidades e, convenientemente, recrutados
pelo exército.
Um tremor de terra, incomum naquela região, chamou a
atenção dos habitantes da pequena localidade. Os agricultores pensaram que a
hipótese de um terremoto estava fora de cogitação, quando o primeiro tremor foi
sentido. Ficaram em alerta, sem deixar o trabalho, mas quando o segundo sismo
ribombou, bem mais forte que o primeiro, saíram em desabalada corrida, de volta
para suas casas.
Não estavam preparados, de maneira alguma, porém, para
o que viria a seguir.
***
A cavidade abrira tão rapidamente, com tanta violência
e de uma forma tão ampla, que seria impossível, para qualquer criatura,
agarrar-se a algo, enquanto caía para dentro do enorme abismo, que se formava desgovernadamente.
Era como uma grande cascata de terra, cujas areias levavam, junto com elas,
tudo o que podiam, enquanto escorregavam pelas bordas de um imenso poço, que
aumentava de tamanho e profundidade, com velocidade vertiginosa.
- Depressa! Agarra a alça da mochila e não larga até eu dizer…
Como não havia forma de suster a queda, agarraram-se às
alças da mochila, para poderem ficar juntos.
Separados, eles teriam menos condições de
sobrevivência, se conseguissem escapar daquela. O rapaz de óculos passou o
braço numa das alças. O outro repetiu o gesto, enquanto os dois continuavam a
ser engolidos pela ávida cratera.
Alguns metros abaixo, porém, um espesso tubo de metal,
que estendia-se através do diâmetro do poço, reteve a queda,
deixando-os pendurados, cada um de um lado, a balançar no vazio. O impacto contra
o tubo fez os óculos caírem no meio do buraco, que aumentava de profundidade
com muita rapidez.
O outro rapaz viu que abaixo deles havia um grande corredor
de concreto, que estava quebrado, mas que parecia firme. Tinham que ser rápidos
e tentar saltar até lá, antes que o cano vergasse e quebrasse.
- Olha para baixo. Temos que balançar e tentar cair naquele corredor. Achas
que consegues?
- Não!
- Faz impulso para a frente e balança o corpo. Salta, quando eu disser.
- Não!
- Se não pulares, vais morrer. Pula! Agora!
Os dois saltaram. Sem enxergar bem, já que ficara sem
os óculos, o rapaz não largou a mochila, em nenhum momento, colocando-a contra
o peito, quando viu que ia bater contra o chão de concreto. Na queda, as pernas
não aguentaram o impacto e ele tombou sobre o lado ferido, que ainda sangrava, perdendo
a consciência.
O outro aproximou-se e examinou o ferimento.
Felizmente a bala passara de raspão, mas havia bastante sangue na camisa do
amigo. Na mochila, havia uma caixinha com uns band-aids de vários tamanhos, que ele usou para cobrir o ferimento,
depois de limpar com a camisa e um pouco de água, que ainda restava, numa
garrafinha de plástico. Usou um curativo maior sobre o outro menor, amarrou uma
bandagem, que fez com um pedaço de sua própria t-shirt, por cima do curativo, para manter uma certa pressão… e era
o que podia fazer. Esperava que aquilo resolvesse por ora.
Puxou o amigo para longe da abertura, aprumou-o num
canto, contra a parede e olhou à volta.
O túnel era longo e amplo, parecendo estar construído
em espiral, porque as paredes eram curvas e aparentemente subiam ou desciam,
embora bastante subtilmente. Haviam galerias laterais e um sistema de
ventilação centralizado, que tinha aberturas para o exterior, para renovação de
ar.
- O que aconteceu?
- Tu desmaiaste. Fiz um curativo no ferimento, para tentar estancar o
sangue. Agora, descansa um pouco, que eu vou procurar uma saída.
- Não. Eu vou junto. Não quero ficar aqui sozinho.
- Tens certeza?
***
Os dois subiam pelo túnel de ligação aos corredores,
quando a terceira explosão ocorreu. Ouviram um som atrás deles, como se algo
viesse arrastando, em velocidade acelerada. Quando viram o que era,
apressaram-se a correr pelo túnel, na direção oposta. Uma das galerias havia
quebrado e grandes massas de terra vinham, como numa avalanche, a persegui-los.
Ele entraram numa conduta de ar, mas esta balançou e rompeu.
Os rapazes caíram dentro de uma grande sala,
totalmente vedada do exterior, com grossas paredes de concreto armado. Havia
uma porta em cada lado. Por cima deles veio a avalanche de terra, a cair,
descontrolada. Os dois correram e encostaram-se num vão perto de uma das
portas. A terra caiu e soterrou grande parte do lugar.
Em seguida, o lugar todo estremeceu e as luzes, que
ainda haviam nas laterais da sala, estouraram ao mesmo tempo. Ficou tudo às
escuras. Eles não se moveram por uns longos segundos, tentando ouvir tudo o que
se passava à volta.
De repente, com um som estranho, muito ténue, como de
contactos metálicos sendo acionados pela passagem da corrente elétrica, uma luz
vermelha acendeu, meio incerta de ficar ativa, por muito tempo, acima da cabeça
deles. Eles olharam na direção da luz e viram a palavra escrita, em branco, sob
fundo vermelho: SAÍDA.
Foi naquele momento que o lugar começou a estremecer
todo, primeiro como uma vibração crescente, depois com mais violência. Por fim,
parecia que a sala toda ia desabar por cima deles. O som era ensurdecedor.
Aquilo durou apenas alguns minutos, mas as estruturas, todas, começaram a
balançar de uma maneira tão violenta, que a parede por trás deles rompeu-se, ao
lado da porta trancada. As vigas de sustentação por cima deles arrebentaram e o teto veio
abaixo. Um dos rapazes esgueirou-se pela fenda na parede e puxou o outro atrás
dele. A avalanche selou o lugar onde estavam e a fenda desapareceu, soterrando
completamente a antecâmara, onde haviam estado apenas uns segundos antes. Ao
dar uns poucos passos à frente, na escuridão, não viram que o chão também havia
cedido e havia uma grande fissura aberta no chão, por onde os dois caíram,
inadvertidamente.
***
- Que lugar é esse? Parece um bunker…
- Não sei... Mas temos que sair daqui, depressa. Temos que tentar achar uma
saída, porque não sabemos se haverá ar suficiente. Estamos muito soterrados.
Tem que haver uma saída qualquer deste lugar.
- Parece que há uma abertura naquela direção. Vejo uma claridade. Pode ser
uma saída. Vamos tentar chegar até lá…
A tal abertura nada mais era que uma grande rachadura
numa das paredes, por onde passaram com alguma dificuldade, mas que, afinal, levou-os
para o outro lado. No outro lado havia uma longa galeria, que parecia não ter
fim e que parecia ter sido pouco afetada pelas explosões. Algumas luzes de
emergência, nas laterais, ainda estavam acesas, embora fracas.
- Acho que ouvi um ruído. Parece que há algo ou alguém. Vamos…
- Não. Pode ser perigoso. Melhor termos cuidado. Se for outro daqueles
guardas, estaremos em perigo…
Mas já era tarde demais. O rapaz que perdera os óculos
já havia aberto uma pesada porta metálica, no final de um corredor mal
iluminado e espiava para dentro, quando o outro aproximou-se e viu o que
passava lá dentro.
***