sábado, 30 de maio de 2015

Rota de Fuga (Parte 1)


O sol de verão castigava a cabeça daquele jovem robusto, de tez muito clara e cabelos quase loiros, vestido com uma farda em tecido estampado com padrões abstratos, em vários tons de cáqui e verde. O suor escorria-lhe pela face arredondada, barbeada às pressas, fazendo-a avermelhar.

Era começo da tarde e ele desejava um banho frio, urgentemente. Seu desejo, porém, só seria possível bem mais tarde, após anoitecer e ele terminar o turno. Passava dias e dias naquele lugar, a caminhar de um lado para o outro, sem muito o que fazer, a não ser vigiar o local.

Ele odiava o calor. Odiava aquela roupa abotoada até a altura do peito, quase no pescoço. Odiava ter que usar aquela t-shirt branca por baixo da farda. Ele, simplesmente, odiava estar ali, ao sol, a transpirar, numa função com muito pouca ação e que não exigia nada dele, além de muita paciência.

Aprendera a observar os mais ínfimos movimentos ao longo da área, distraindo-se da aborrecida tarefa que tinha de executar todos os dias, o dia todo. Seus olhos treinados percebiam as mínimas atividades dos pequenos predadores da região, que vinham sempre a busca de alguma comida ou em perseguição de algum roedor, réptil ou mesmo insetos.

Um movimento incomum, num canto, perto de um dos rolos de arame farpado que cercavam o lugar, que ele tinha vigiar e proteger, chamou-lhe a atenção. Primeiro, pensou que fosse um coelho ou um pássaro, mas um pequeno reflexo, quase imperceptível, fê-lo desconfiar que poderia haver algo mais, daquela vez.

Se aquele reflexo fosse de alguma superfície de vidro polido, poderia ser de alguém, que estivesse escondido, a espreitar. Aquela era uma área que de segurança nacional, cuja entrada era proibida a civis. Ele puxou a arma do coldre, destravou o gatilho e começou a caminhar na direção do brilho.


- Acho que ele nos viu. Corre!

- Mas que diabos foi aquilo? Ele atirou em nós?

- Não faça perguntas tolas. Claro que são tiros. Ele é o guarda, afinal… Agora, corre!

O som dos tiros e as balas, a passarem perto dos dois rapazes e ricochetearem nas paredes de concreto, dava-lhes mais que motivos suficientes para correrem o mais rápido que pudessem, sem olhar para trás. Se não o fizessem, perderiam segundos preciosos na fuga. Haviam invadido terreno proibido e sabiam que, se fossem capturados, não seriam poupados.

O tal guarda não parecia nem um pouco interessado em capturá-los. Estava mais predisposto a abatê-los de vez e acabar com a possibilidade de ter a base invadida por intrusos curiosos, como aqueles dois rapazes irresponsáveis e intrometidos. Ele fora treinado para o combate e as saídas estratégicas, não para perseguir adolescentes em fase escolar, vestidos com calções e t-shirts coloridas.

Se a base fosse descoberta, eles iriam ter que explicar muita coisa. Ao mesmo tempo, matar civis poderia gerar um conflito ainda maior. A solução era eliminar, completamente, quaisquer vestígios que pudessem colocar a operação em risco.

Ele odiava correr, especialmente atrás de intrusos. Já bastava ter que ficar de pé o dia todo, debaixo daquele sol de verão, vestido com farda e botas, sentindo o corpo a ferver e agora ainda tinha que correr atrás dos rapazes, debaixo daquele calor infernal.

Ele execrava aquilo tudo: a maldita operação, a maldita base "secreta" e, agora, os malditos adolescentes.

Ele adorava, entretanto, ter uma hipótese de poder atirar em alguém… já que havia sido treinado para aquilo e nunca tivera oportunidade para tal.

A base fora edificada no meio do nada, entre algures e nenhures. Era uma estrutura praticamente invisível, tanto vista de cima, quanto da estrada. Estava construída no topo de um monte, numa cratera escavada com o fim de ficar longe da vista de curiosos. A maior parte das operações ficava na parte subterrânea. Quanto mais estratégico e importante o sector, mais profunda era a área. Era como um arranha-céu invertido.

O povoado mais próximo devia ficar a mais de cinquenta quilômetros daquele lugar. Os rapazes descobriram o local, por acaso, quando ouviram e seguiram o som de um helicóptero, enquanto acampavam no meio da mata.

Logo chegaram a uma área, cercada por centenas de metros de arame farpado, enrolados em espirais, ao longo da grande construção, que por fora, parecia nada mais que um vasto campo de concreto.

Adolescência e curiosidade andam sempre de mãos dadas. As consequências daquela perigosa e displicente  parceria nem sempre eram boas. Era aquele o caso.

Os dois rapazes fugiam, sem olhar para trás, tentando sair do campo de visão do atirador. O guarda era alguns anos mais velho que eles e tinha porte físico bem mais avantajado, além de haver sido treinado militarmente. Com uma arma na mão, colocava, obviamente, os dois em desvantagem.

Eles só tinham uma alternativa: correr… ou então, morrer… e nenhum dos dois tinha intenção de morrer tão cedo. Ainda tinham planos para a escola, carreira, mulheres, futuro.

Morrer não era uma opção. Não mesmo!

Se chegassem de volta à mata, ainda teriam alguma hipótese, pois seriam alvos menos limpos, mas tinham que correr mais e torcer para não serem atingidos até lá.

- Por ali. Depressa!

Uma outra bala passou zunindo. O rapaz, cujos óculos haviam denunciado a presença dos dois ao guarda, sentiu uma dor estranha no lado esquerdo e suas pernas fraquejaram, descontroladas. Tentou continuar correndo, mas, apesar de a adrenalina estar circulando em alta velocidade em seu sangue, ele caiu. A ausência do som dos passos próximo de si, fez o outro rapaz virar-se, para ajudar o amigo, mas já era tarde demais.

O guarda estava de pé, com a arma em punho, a apontar para os dois. O rapaz ferido fechou os olhos. O outro não falou nada. Ficou, somente, a olhar para aquele jovem, de faces avermelhadas, que não demonstrou qualquer emoção, quando firmou o dedo no gatilho e começou a apertá-lo.

Um estrondo ecoou na cabeça do rapaz que estava agachado junto ao amigo caído. Ele mantinha os olhos fixos na arma, que, de repente, passou a apontar em outra direção…

O chão havia estremecido com tanta violência, que o guarda perdera o equilíbrio. O rapaz ainda conseguiu ver a estranha expressão na face do outro, quando uma rachadura abriu-se na terra, engolindo-o, bem ali, à frente deles. O rapaz puxou o amigo pelos braços e viu que ferimento em seu lado esquerdo sangrava. Para sua surpresa, os olhos do outro abriram, revelando uma expressão bastante confusa, como se não percebesse o que havia acontecido, apenas poucos segundos antes.

- Consegues caminhar? Temos que fugir, antes que seja tarde demais…

- Acho que sim.

O chão estremeceu uma outra vez, com mais violência que anteriormente. A cavidade começou a alastrar-se, não só em diâmetro, mas rompendo estranhas fendas, que corriam, como braços, em todas as direções e em velocidade incontrolada. Boa parte do campo, onde estavam, ia afundando rapidamente, amplificando ainda mais o perigo.

- Vamos embora. Rápido!

O rapaz ferido, apoiado pelo outro, levantou-se, ainda com um pouco de dificuldade, mas conseguiu caminhar. A terra tremeu por baixo deles. Eles viram a cratera ceder e as fendas abrirem, como se fossem perigosos tentáculos, que cresciam, como se estivessem em busca de suas impotentes presas.

Os dois começaram a correr, tentando ser, ainda, mais rápidos que antes.

Em poucos segundos, porém, o chão faltou-lhes completamente e eles foram sugados para dentro da cratera, sem conseguirem agarrar-se a nada, enquanto a terra os engolia rapidamente…


***

3 comentários:

  1. Uma nova história, que desenvolve-se em uma direção bastante perigosa...

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  2. Um história bela e dramática e que revela um final fora do comum o que na minha opinião a torna ainda mais bela pelo inesperado, para alem de muito bem escrita.

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    1. Ainda tem mais aventuras, mas obrigado pelos comentários. Vou tentar manter o nível na segunda parte.

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