sábado, 1 de dezembro de 2018

Obliviar (Parte 2: A Volta)


- É impossível!

- Leia outra vez. Tente ler nas entrelinhas. É pequeno, a superfície é reflectora e não pode ser detectado pelos telescópios, até o momento em que estava muito perto, mas também muito rápido para ser seguido pelas câmaras dos satélites… Olhe a figura. Não achas que…?

- Pode parar! Não acho nada! Aquilo não pode ter vindo de um planeta alienígena…

- Mas pode ter vindo do nosso planeta, duma outra era, muito adiante do nosso tempo, não pode?

- Começas a confundir-me.

- Estou a tentar achar um jeito, uma teoria, uma resposta, uma saída…

- Tu sabes que eu não sou um cientista. Quantas vezes preciso lembrar-te disso?

- Tu és feito do melhor material genético que já houve… que há… que haverá… Nunca pensei que isso iria ser tão difícil de ser colocado numa conversa.

- Não tente. Desista.

 - Pensa comigo. Tente pensar como um cientista. Tu sobreviveste porque tu és um dos seres mais preparados e habilitados. Usa teu cérebro da maneira mais prática que houver.

- Eu sobrevivi, porque fui enviado ao passado, uns pouquíssimos segundos antes da explosão. E eu não fui o único, como vocês já sabem.

- Pensa comigo! Por favor?

Aquele homem de pele pálida olhou muito seriamente para os dois jovens soldados e falou o que passava na sua mente.

- Na era de onde eu vim não havia aquele tipo de transportes. Nós viajávamos usando terminais de transporte tempo-espaço, que eram mais eficientes. O único veículo que eu conheci foi aquele que me trouxe para cá, quando o planeta explodiu. Era antiquado, mas eficiente para o propósito, pois não usava os terminais e não seria detectado pelo sistema, nem colocaria em causa a operação que o homem, que destruiu o planeta, planeou. Foi enviado ao passado através de uma fenda deliberadamente aberta no tempo, por ele, no momento da explosão. A cápsula nunca poderia ser comparada ao vosso “Oumuamua”. Este poderia ter vindo do passado, não do futuro e deve provavelmente estar a viajar por centenas, talvez até milhares de anos.

- Então tu concordas que tenha vindo de outro planeta.

- Eu não concordo, nem discordo. Nós temos muito pouca informação sobre ele, quase nada além de teorias, para tirar conclusões. Se nem os cientistas mais especializados conseguem ter certeza de nada, imagina se eu ia poder. O que é certo, e que eu quis dizer foi que não veio do mesmo tempo e espaço de onde eu vim…

O homem de pele pálida encarou os dois jovens soldados. Seus olhos mostravam uma tristeza nostálgica profunda, quando concluiu a frase.

- …E para onde eu nunca vou poder voltar. A única forma de entrar em contacto com o futuro seria se alguém de lá quisesse entrar em contacto com o passado. Não há outra forma. E nós sabemos que isso já não é mais possível.

***

- Eu te disse para parar com esta besteira.

- Eu sei. Mas era uma hipótese a ser considerada. E agora?

- Agora voltamos para nossas vidas, como sempre. Deixemos o passado lá onde ele pertence.

- Talvez haja ainda uma forma…

- Não recomeces!

Os dois se olharam. O rapaz de óculos tinha uma expressão distante e um leve sorriso a esboçar-se, discretamente, na face jovem e jovial.

***

- O quê? Por que tu ainda queres voltar para lá? Ainda não basta disto?

- Eu tenho que voltar lá. Eu gostaria que tu viesses comigo, se não te importares.

- Claro que eu me importo, mas vou contigo, sim. Aquela área ainda é proibida. Sabes muito bem disso. Só espero que não entremos numa fria.

- Ninguém vai saber que estivemos lá, de toda forma.

- Bom, é melhor termos cuidado, mesmo assim. Tenho certeza que está sendo monitorizada de alguma forma.

- Vai dar tudo certo.

- Ah. Tá…

***

O rapaz de óculos parecia estar tão distante, no meio da desolação daquele campo imenso em que se tornou a vila, onde moravam, antes da grande explosão. Seus olhos estavam cheios de lágrimas de nostalgia.

O outro olhava à volta, não tão absorto, mas também envolvido em suas memórias de infância, quando brincavam da redondeza até o riacho, ou subiam a montanha e acampavam por lá, nas férias de verão.

Era estranho estarem ali, no meio do que havia sido seus lares, contemplando o vazio e o deserto que a terra havia-se transformado. A montanha virara um monte, apenas, com uma enorme cratera, aberta onde havia sido a base nuclear, agora completamente soterrada e inactiva. A desolação do local mostrava que havia, ainda, actividade radioactiva, o que impedia qualquer coisa de crescer por ali. Os soldados haviam tomado as precauções, mas sabiam que não podiam ficar no local por muito pouco tempo, por razões mais que óbvias.

- Temos que ir. Já não há nada que ainda possamos ver. Como era de se esperar, não sobrou nada para contar a história…foi-se tudo…

- OK. Vamos embora. Podíamos ir até a montanha, antes de irmos de vez?

- Para quê?

- Foi lá que tudo aconteceu. Acho que preciso ir até lá e resolver isso tudo na minha cabeça. Sinto que nem tudo foi-se…ainda…

- Eu não gosto disso, mas OK. Se é para ir, vamos logo. Temos que nos apressar.

Subiram pela antiga estrada que levava à base, até quase a cratera, quando uma grande fenda na estrada os impediu de passar. Os dois saltaram do Jeep e começaram a caminhar, tentando contornar a grande rachadura e achar um lugar onde pudessem atravessar. A fenda ainda era muito profunda e larga. Eles teriam que saltar para o outro lado, onde a distância não fosse tão grande.

Quase no topo, a sudeste da base principal, onde os dois lados do barranco pareciam mais próximos, o rapaz de óculos tomou impulso e saltou para o outro lado. O amigo fez o mesmo. Chegaram à borda da cratera, que era profunda e tinha diâmetro de, pelo menos, uns oitenta metros. A base estava totalmente soterrada. Não havia vestígio aparente do que havia sido antes, para quem desconhecesse o local, mas não para eles.

- Não há mais nada aqui, como vês. Nem parece o que já foi, há tempos. Está tudo soterrado em baixo desta terra estéril, assim como o passado. Temos que ir embora. É arriscado ficar muito tempo aqui.

O rapaz de óculos deu um longo suspiro.

- OK. Vamos.

Os dois começaram a descer, até onde haviam saltado. O primeiro fez impulso e saltou. Quando seus pés bateram firmes no chão, do outro lado, sentiu que a terra tremeu sob eles. Olhou para trás e viu a cara de pavor do rapaz de óculos.

- Salta! Depressa!

Ele saltou, mas quando tocou o outro lado, a terra tremeu novamente e a fenda cedeu um pouco. Ele perdeu o equilíbrio e começou a escorregar para dentro da enorme rachadura, lentamente, junto com a terra seca e solta, sem poder agarrar-se a nada.

- Oh, não! Não outra vez!

- Aguenta firme. Tenta achar uma raiz, ou coisa que o valha, para agarrar-te, que eu vou buscar o gancho e a corda do Jeep.

O rapaz de óculos não respondeu. Apenas olhou para baixo, tentando localizar qualquer coisa que o fizesse parar de descer, mas a fenda parecia abrir uma enorme boca e tentar engoli-lo lentamente.

Ele não gritou. Tentou parar, usando os dedos das mãos e os pés, mas não conseguiu mais que esfolar-se todo. Ele avistou o que parecia ser o resto de uma tubulação metálica e tentou dirigir sua rota para aquela saída. Seu corpo escorregava mais rápido e ele virou-se, tomou impulso e saltou sobre o tal tubo.

Foi, então, que aquilo, que era apenas um pedaço do que poderia ter sido um velho encanamento, desprendeu-se da parede de terra seca e começou a cair, junto com ele, para o fundo escuro do largo buraco.

***

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