O terminal de transporte ficava na outra extremidade do edifício, onde os cientistas haviam-se reunido inicialmente. Qualquer indivíduo que lá chegasse e não tivesse uma espécie de chip de dentificação implantado num ponto atrás da orelha direita, ou um respectivo código de barras impresso na pele, na mesma região, era automaticamente transferido para a sala de segregação. Uma vez segregado, o transeunte deveria ser devidamente identificado, reconhecido e transferido para a correspondente unidade. Ironicamente, a área onde ficava a sala de segregação chamava-se ‘Limbo’, por ser utilizada com a funcionalidade de suspender, temporariamente – ou não -, a transferência do passageiro captivo que estivesse sem a identificação, para o próximo nível.
O grupo chegou
ao terminal poucos minutos após sair da sala onde haviam-se encontrado com o
chefe do Conselho. O técnico aguardava-os à entrada para levá-los logo ao seu
destino. Ao entrar, alguns dos cientistas mais jovens tiveram um choque.
Envolto por um
forte campo magnético circundado por um facho de luz branca, que vinha de uma
fonte no teto, bem no centro da sala de segregação do ‘Limbo’, estava uma espécie aparentemente desconhecida de humanoide.
Com boa parte do corpo coberto de pelos escuros, a criatura parecia ser uma
anomalia genética. Os pelos no alto e à volta da cabeça eram mais longos e
estavam desgrenhados e sujos. A pele tinha características humanas, mas parecia
mais espessa e escura que as dos cientistas a observarem o estranho. Os olhos
eram verdes; profundamente verdes. Havia neles uma certa loucura selvagem,
claramente estampada. Ele estava aparentemente imobilizado pelo campo magnético
à sua volta, mas não escondia uma agressividade manifesta pelos músculos visivelmente
desenvolvidos e tensos.
- Já conseguiram comunicação com ele?
O técnico - um
homem jovem e alto – respondeu, prontamente e sem titubear, ao chefe do
Conselho.
- Ainda não. Ele expressa-se em uma espécie de linguagem
que o tradutor automático não consegue distinguir. Já tentamos todas as
variantes possíveis e não obtivemos nenhuma solução clara. O pouco que
conseguimos não faz muito sentido, por isso acreditamos que deva ser uma língua
ou muito nova ou muito antiga.
- E se for um dialeto?
- O tradutor não consegue distinguir nenhum dialeto
conhecido… Já não temos alternativas viáveis…
- Acredito que temos, sim.
O chefe do Conselho
olhou o homenzinho de frente e com uma expressão preocupada. Os olhos quase
transparentes pareciam desafiá-lo.
- Ah, não. Não temos. Esta hipótese nem pode ser
cogitada. Não mesmo…
- É nossa única alternativa… ou então mandá-lo de
volta.
Desta vez o
técnico quase entrou em pânico.
- Mandá-lo de volta para onde, senhor? Nem sabemos de
onde veio… nem de quando…
O rosto do
chefe do Conselho não escondeu o assombro que aquela declaração causou-lhe. Ao
ver-se observado, o humanoide recomeçou a emitir os sons, que vinha repetindo
sem parar, desde que fora apreendido, numa língua completamente irreconhecível.
- Ele sempre repete esta mesma fala, no mesmo tom
desesperado e agressivo. Parece querer dizer-nos algo importante ou
transmitir-nos uma mensagem qualquer… um aviso ou uma súplica...
O homenzinho
sabia que não ia ser fácil convencer o chefe do Conselho. Olhou-o novamente com
aquela expressão inquiridora em seus pálidos olhos azuis. Mas o chefe já não
tinha paciência.
- Continuem a tentar. Reconfigurem o tradutor. Façam
algo diferente. Tem de haver uma maneira…
O homem
virou-se e saiu apressado, não sem antes olhar novamente para dentro da sala de
segregação. Seu olhar cruzou com o do ser envolto pelo campo de luz e ele
sentiu uma súbita dor no estômago. Precisava descansar. Aquele não era um bom sinal.
O grupo de
cientistas olhou para o homenzinho de olhos azuis, que abanou a cabeça, num
gesto de impotência diante de uma autoridade maior que a sua. O brado do
intruso, vindo de dentro da sala protegida por um material transparente e
resistente começou a deixá-lo muito mais nervoso que já estivera. Não
compreendia porque seu superior não concordava com sua alternativa. Ele já
havia visto olhos como os daquele humanoide antes e sabia que havia uma forma
muito rápida de resolver aquela situação. O homem contemplou a cabine e seu
desesperado prisioneiro, que o olhava com aparência cada vez mais insana. Ele ainda
não sabia se o pobre coitado gritava imprecações ou se tentava passar alguma
mensagem…
- Procedam com a higienização.
Um tubo
transparente desceu do teto, à volta do humanoide, quase que imediatamente à
ordem do cientista. A sessão de higienização começara. Após a queima total dos
pelos, por um processo químico limpo, transformando-os em uma cinza a cobrir o
corpo, segue-se uma nuvem de spray húmido
e morno que faz a parte de depuração e remoção da cinza e, por fim, uma
aspiração completa o processo.
Quando o tubo
sobe, o humanoide está bastante diferente. De pé, sem a cobertura de pelos e
sem a sujeira, parecia-se muito com os cientistas a observarem-no com
curiosidade, com algumas óbvias exceções. Era mais alto, mais musculoso, tinha
o formato da cabeça um tanto diferente - um pouco menor que nos novos humanos -
mas era humano, com certeza. Havia uma marca impressa na pele do braço, onde os
bíceps mostravam-se firmes e desenvolvidos. Aquela tatuagem, agora visível, não
passou despercebida ao cientista.
O homem de
olhos azuis escondeu um leve sorriso, ao olhar o homem de pé à sua frente,
completamente desnudo e desprotegido e soube que estava certo ao propor a
alternativa para o enigma da linguagem.
- Chamem o
chefe do Conselho, de volta, com urgência…. Ou melhor: deixem que eu mesmo vou
até ele!
***
- Ainda tem dúvida? Temos que trazer Leona até aqui,
com urgência. Por mais que tentais evitar, somente ela pode trazer alguma luz à
esta questão. Embora queirais mantê-la longe disto, não há como negar que somente
ela pode nos ajudar neste momento. Se há uma chave, não há dúvida que ela a
possui.
- Pois bem. Façamos o que deve ser feito. Mas que
fique bem claro que eu não gosto nada disso.
Os olhos do
chefe do Conselho não esconderam a grande preocupação que ele sentiu naquele
momento, mas o cientista estava certo. Não era prudente esperar mais, diante da
evidência relatada por seu subordinado.
***
Leona
chegou-se à frente, para observar melhor o homem dentro da cabine. Ela usava
uma veste inteira, de uma peça só, quase justa ao corpo, que cobria-lhe da
cabeça aos pés. Um capuz cobria-lhe a cabeça, deixando à mostra muito pouco da
face bastante diferente daqueles cientistas, ansiosos por saber se ela
conseguia mesmo decifrar o mistério. Seus grandes olhos, profundamente verdes,
não pareceram reconhecer aquele ser, mas quando ele levantou a cabeça e avistou-a,
sua expressão mudou completamente.
O homem, ao
vê-la, jogou-se contra campo de força, gritando algo que parecia-se com a
pronúncia do nome dela. O embate contra o campo de força foi tão violento, que
o homem foi jogado para trás, caindo sobre suas costas, quase nocauteado.
Aquela reação assustou-a imensamente, fazendo com que desse um passo para trás,
em resposta involuntária. Ele, porém, levantou-se, ainda
meio tonto e começou a falar a frase que já havia repetido tantas vezes, mas
que não fizera nenhum efeito... pelo menos até aquele momento.
Leona falou
devagar, tentando mostra-se calma, mas seus grandes olhos eram expressivos
demais.
- Ele fala num dialeto muito antigo. Havia muito que
eu não ouvia nada parecido.
- E o que diz?
Ela olhou o
chefe do Conselho com um ar muito grave, depois baixou o olhar, como se
estivesse constrangida. Sua voz parecia, agora, muito tênue, num tom grave,
baixo - quase um sussurro - muito diferente daquele que havia usado antes. Evitando
olhar o homem de frente, ela passou a informação. Ele teve que fazer um esforço
enorme para compreender bem o que ela dizia, mas a mensagem era bem clara.
- Ele disse: devolvam minha irmã!
***
Escrever esta segunda parte deu-me um grande prazer. O vício de escrever está mesmo em mim...
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