domingo, 28 de junho de 2020
O Menino no Sótão
Embora ainda fosse dia, havia apenas uma fraca luz vindo
de um ponto no sótão, como percebi, de pé, junto à base da escada. Eu nunca havia
tido autorização para subir aqueles degraus e ir lá em cima… nem acompanhado,
muito menos por conta própria...
Agora, já não precisava mais da permissão de ninguém. Eu
tinha que encarar aquela situação e queria fazê-lo… o quanto antes…
A escada, de dois lances, era de madeira escura e sem qualquer
polimento. Os velhos degraus, tão pouco utilizados nos últimos tempos, rangeram,
como se a reclamar, quando pisei neles. Murmurei, para mim mesmo:
- Não
olhe para trás...
O sótão não estava tão desorganizado quanto eu pensei que
estaria. Estava empoeirado, mas não sujo. Eu mal notei que havia uma pequena
janela quadrada, voltada para o sul. A luz do final da tarde filtrava-se
através do vidro empoeirado. Algumas caixas e um velho triciclo de metal,
quebrado, com um assento de madeira gasto e manchado, estavam no meio do
caminho. Vi uma cadeira de balanço junto à parede oposta à janela. Alguns móveis
velhos estavam empilhados num canto mal iluminado. Em cima deles havia uma
caixa de madeira marrom-escura com enfeites de pinos de metal, de cabeças
arredondadas, dispostos ao longo da periferia da tampa.
Quando eu olhei, ele estava sentado no chão, no outro
extremo, brincando com alguns minúsculos carros de brinquedo, quase no escuro.
A maioria daqueles carrinhos já não tinha mais rodas. Ele estava com os pés
descalços, vestindo um velho pijama de algodão estampado. Não olhou diretamente
para mim, no início, como se não tivesse notado minha presença. Seu cabelo
encaracolado era castanho claro, quase loiro, cortado bem curto. A boca, bem
proporcionada, de um tom carmesim, mostrava dois pequenos pontos vermelhos, mais
escuros, claramente evidentes, no centro do lábio inferior. Aqueles olhos
castanho-esverdeados, muito curiosos e um tanto tristes, me notaram,
finalmente.
Ele sorriu, timidamente, quando cheguei mais perto.
- Estás
bem?
Ele balançou a cabeça, afirmativamente.
- Posso
sentar aí, ao teu lado?
- Pode,
mas vais sujar as roupas.
- Não tem
importância.
- OK,
então. É uma pena. Meus carrinhos estão todos quebrados.
Sentei-me ao lado dele e examinei um daqueles brinquedos que
estavam no chão. Senti vontade de chorar e ele percebeu, mas me recuperei
rápido o suficiente.
-
Quantos anos tu tens?
- Cinco.
- O que
estás fazendo aqui em cima, sozinho?
- Gosto
de brincar sozinho e, além disso, estava esperando por ti. Podes brincar um
pouquinho comigo?
- Sim.
Pelo tempo que quiseres.
Ele abriu um sorriso largo e satisfeito, mostrando seus
pequenos dentes, bem feitinhos. Pareceu-me ser um miúdo ‘duro na queda’.
- Tu
gostas da cadeira de balanço?
- Sim,
mas toma cuidado. Está quebrada. Vai desmontar-se toda.
Eu verifiquei e notei que as peças não estavam bem encaixadas,
nos lugares certos. Devia ter sido abandonada e esquecida ali em cima. Tentei o
meu melhor para reparar e, finalmente, sentei-me nela. O encosto e o assento,
de palha trançada, fizeram um ruído característico, provavelmente devido à
falta de uso. Ainda era uma cadeira bem forte, pelo que percebi.
- Queres
sentar aqui comigo?
Ele veio mais para perto e eu o levantei do chão e sentei-o
na minha perna esquerda. Ele sorriu e deitou a cabeça no meu peito, ainda entretido
com um de seus carrinhos de brinquedo.
O som monótono e suave da velha cadeira, a balançar, e
meus braços em torno de seu minúsculo corpo, eram como um convite para adormecer.
Ele fechou os olhos. Eu podia sentir que ele relaxava e deixou o brinquedo cair
da sua mãozinha, no meu colo. Parecia estar confortável e sentindo-se protegido
e amado. Eu o abracei mais firmemente e beijei suavemente o topo de sua cabeça.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Meu coração estava
transbordando.
Levantei-me em silêncio e desci, cuidadosamente, com ele
nos braços e deitei-o em uma cama de solteiro, de colchão duro de palha, que
havia no quarto abaixo da escada. Sentei-me na beirada de madeira escura,
tentando não perturbar seu sono tranquilo. Seu rosto estava muito sereno.
Acariciei seu cabelo fino e macio. Ele respirou fundo, descontraído, quase
sorrindo, como se estivesse tendo um sonho bom.
Levantei-me e saí do quarto, deixando o menino em sua
cama. Votei-me e olhei para ele, da porta.
Ele, agora, sorria. Seu sorriso era espontâneo e
tranquilo, naquele rostinho inocente, em seu sonho feliz... Ele era, na
verdade, um menino bem bonito. Deduzi que seria um belo homem, no futuro.
Respirei fundo e abri os olhos. Aquela minha jornada, ao
passado, acabava ali. Senti uma satisfação enorme por haver conseguido fazê-la,
daquele jeito.
***
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quarta-feira, 24 de junho de 2020
The Boy in the Attic
Although it was still day, there was only a
faint light coming from a point in the attic and seen from the base of the
staircase. I had not been allowed to climb those steps up there ever before.
I did not need permission anymore, from
anyone, anyway. I had to face it and I wanted to do it.
The two flight of stairs were dark and
unpolished. The old unused wooden treads and risers creaked when I stepped on
them. I mumbled.
- Don’t look back...
The attic was not as messy as I thought it
would be. It was dusty, but not dirty. I hardly noticed there was a small
square window, facing the south. Light was being filtered through its dusty
glass. Some boxes and an old broken metal tricycle with a stained wooden seat were
on the way. I saw a rocking chair by the wall opposite to the window. Old
furniture were piled up at the poorly lightened corner end. On top of them
there was a dark brown wooden box with metal pin decorations all around its
lid.
He was sitting there on the floor, at the
far end, playing with some tiny toy cars, almost in the dark. Most of those
small cars had no wheels anymore. He was barefoot, wearing old homemade stamped
cotton pyjamas. He did not look directly at me at first, as if he did not
notice me at all. His curly hair was light brown, almost blond, cut very short.
The lips were cherry red and the two little dark red spots on the lower lip
were clearly evident. Those very curious sad-looking hazel eyes noticed me
finally.
He smiled shyly when I walked closer.
- Are you ok?
He nodded affirmatively.
- Can I sit there
by your side?
- You’re gonna
dirt your clothes.
- I don’t care.
- Ok, then. It’s a
shame. My cars are all broken.
I sat by his side and took one of those
toys in my hand. I felt like crying and he noticed it, but I recovered quickly
enough.
- How old are you?
- Five.
- What are you doing
here on your own?
- I like playing
alone and besides I was waiting for you. Will you play with me? For a while?
- Yes. For as long
as you want me to.
He opened a broad satisfied grin, showing
his small well-built teeth. He looked like a tough little one.
- Do you like the
rocking chair?
- Yes, but… you
must be careful. It is broken. It might fall apart.
I checked it and noticed the parts were not
well fixed in their right places, so I tried my best to repair and finally sat
in it. The woven straw chair cringed a bit. It was still a good strong chair.
- Would you like to
come here with me?
He walked up to me and I picked him up and
let him sit on my left leg. He smiled and lay his head on my chest, still
playing with one of his toy cars.
The slow, soft rocking sound of the old
chair and my arms around his tiny body were like an invitation to fall asleep.
He closed his eyes. I could feel he relaxed and his toy fell down from his hand
to my lap. He seemed to be feeling comfortable and loved. I hugged him tighter
and softly kissed the top of his head.
My eyes were wet. My heart was overflowing.
I quietly got up and went downstairs with
him in my arms and carefully placed him in a single bed with a hard mattress
there was in the room below the stairs. I sat on the dark wooden edge, trying
not to disturb his peaceful sleep. His face was very serene. I stroked his soft
thin hair. He took a deeper relaxed breath, almost smiling, as if contented
with a dream he was having.
I got up and walked off the room, leaving the
boy in his bed. I looked back at him from the door.
He was still smiling and his grin was
spontaneous in his sweet happy dream… He was quite a good-looking little one.
He would be a handsome man in the future.
I took a deep breath and opened my eyes. My
journey to the past was over… I was happy I made it.
***
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domingo, 21 de junho de 2020
sexta-feira, 12 de junho de 2020
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