sábado, 25 de fevereiro de 2017

Revisitando Dragões (Parte final: A Batalha)


O sol nasceu como que por encanto. Não que fosse uma coisa inesperada, mas a tensão do momento, pareceu fazer os guardiães esquecerem que o nascer do dia não era a coisa mais natural do mundo. Era como se tivessem tido um lapso de tempo entre a espera e aquele momento, quando um verdadeiro caos se instalou no laranjal.

 A chegada do guerreiro de negro e seu fiel dragão causou uma correria geral.

 Os sete dragões alinharam-se à volta do grande animal pardo, quando este pousou. Era parte da estratégia de distração, mostrar-se mais suscetível, para que sua contraparte estivesse mais liberta, para trazer o terceiro elemento para a batalha, que estava apenas a iniciar-se.

Em seu caminho, porém, o guerreiro encontrava um pai protetor e disposto a tudo para ter o filho do seu lado e um velho cavaleiro, disposto a sacrificar a vida para derrotar o senhor de todo o mal.

 Os dois homens acorreram, tentando impedir a ação do guerreiro inimigo, quando perceberam que ele veio para libertar seu protegido e fazê-lo cumprir sua missão, antes de voltar para o gélido norte.

A investida do guerreiro loiro, entretanto, foi tão violenta, que os homens foram jogados para o lado, como se fossem crianças desajeitadas, quando ele abriu seu caminho para a entrada da caverna, onde seu pupilo estava preso ainda.

A espada do senhor de todo o mal partiu a porta da caverna com um golpe só. O rapaz saiu imediatamente e, apanhando sua própria espada, que estava do lado de fora, tomou lugar ao lado de seu senhor, numa batalha que teria um inevitável e único final.

Por mais que estivessem em vantagem de número, o pai e o amigo estavam, todavia, em evidente desvantagem, tanto pela força e violência dos ataques, quanto pelo treinamento que os dois guerreiros possuíam, bem diferente deles.

Os dragões avançaram contra o pardo, tentando imobilizar seus movimentos, mas sabiam o quão perigoso e poderoso aquele animal era, pois além de ser superior em tamanho e força, era também mais bem preparado que eles, em batalhas contra homens e animais, desde há muito tempo. 

O caçador e o velho retomaram suas posições e a verdadeira luta começou. Nem um nem outro podia antecipar a força com que seus contendores iam atacá-los, mas não foi pouca e, por conseguinte, difícil de segurar por muito tempo. Viram, logo, que estavam em desvantagem e aquela consciência deixou-os, de certa forma, amedrontados.

Os adversários perceberam a fraqueza e, mesmo sem falarem nada, usaram suas forças e habilidades contra os dois homens, que foram derrubados com facilidade.

O tirano ocupou-se do pai do rapaz, enquanto aquele estava a lutar contra o velho cavaleiro. As forças eram praticamente incomparáveis, mas a resistência e o instinto de sobrevivência eram maiores que eles podiam imaginar, por isso tentavam, pelo menos, defender-se. Mas o velho não tinha mais a mesma força de antes e caiu.

O dragão verde-azulado foi em socorro do velho.

O dragão pardo, usando sua habilidade e vigor, logo conseguiu libertar-se, aproveitando a oportunidade e a quebra do círculo de força que os sete mantinham, quando estavam juntos.

Ao chegar perto, o verde-azulado empurrou o rapaz de cima de seu amigo, com uma violência a que ele não era acostumado, de modo a livrar o velho da ponta da espada do outro.

O rapaz caiu de frente, com sua arma na mão. Mesmo com o golpe violento, ele apenas ficou meio atordoado, mas não o suficiente para sentir-se derrotado. Era forte e robusto, muito bem treinado e disposto.

Quando tentou levantar-se, porém, ele sentiu a pressão da garra no seu braço e não teve dúvidas. Agarrou a espada com muita força e desferiu um golpe na pata do dragão, que ficou seriamente ferida, esguichando sangue em grande volume. O guerreiro levantou-se rapidamente, disposto a acabar com o animal, que urrava de dor.

O dragão verde-azulado estava com os olhos arregalados a olhar a cena, de longe, tão surpreso quanto o velho, que erguia-se do chão, um tanto desajeitado.

O guerreiro negro vinha correndo em sua direção com a espada em punho, soltando imprecativos em alta voz, ao ver o dragão pardo seriamente ferido, por engano, quando tentava ajudar o jovem protegido. O homem na armadura negra avançou contra o rapaz, com todo seu ódio afluindo para a arma em suas duas mãos.

O rapaz tentou afastar-se, mas não foi bem-sucedido. O outro foi muito rápido. O impacto foi grande e ele perdeu o equilíbrio, caindo de costas no chão, tentando, com sua espada e com toda a sua força, segurar a ira de seu tutor. Espada contra espada, ele sentiu que começava a perder espaço e a sentir a lâmina afiada quase a tocar-lhe a pele.

O homem estava irascível. O dragão era parte dele e feri-lo seria o mesmo que ferir ao senhor dele. O rapaz nem conseguia dizer nada, apenas tentava conter a força extraordinária do homem, mesmo sabendo que ia perder.

No meio do esforço descomunal que fazia para conter a ira do seu tutor, o rapaz balbuciou o que pode, tentando redimir-se.  

- Eu sinto muito! Pensei que fosse o outro dragão…

- Tua missão era destruir os dragões… aqueles sete dragões! Eliminá-los completamente! Não era para ferir o grande dragão pardo, rapaz estúpido!

 - Eu sinto muito!

 De repente, o homem, que estava com o rosto muito próximo do rapaz, impelindo a espada contra seu pescoço, arregalou os olhos e afrouxou a força que estava fazendo. O rapaz empurrou-o para o lado e levantou-se, deixando o outro a cair pesadamente sobre o solo.

 De pé, o pai olhava os dois, com o cajado firmemente seguro em suas mãos, após haver batido com aquele na cabeça do guerreiro de negro, seu poderoso inimigo e tutor do filho que, então, mostrava-se completamente confuso, como se não compreendesse perfeitamente o que acabara de acontecer.

Mas o guerreiro de negro não era um páreo fácil, nem desistia sem conseguir o que queria. Rapidamente levantou-se e, com a espada em riste, avançou contra o pai e o filho.

Ambos prepararam-se, quase sem ter muito tempo para voltar a reagir, antes que a arma do homem loiro cortasse o ar com velocidade e violência, atingindo o cajado e a espada, ao mesmo tempo, destruindo o primeiro e fragmentando o metal da segunda, como se fosse feito de material extremamente frágil. O rapaz ficou sem ação. O pai caiu de lado, ao ser empurrado com os pés, pelo homem tomado de fúria combativa.

Sem o cajado e sem poder defender-se propriamente, o homem, mesmo assim, partiu para cima do guerreiro loiro, que desviou-se facilmente, deixando o outro a abraçar o ar e perder o equilíbrio. O senhor de todo o mal voltou-se e partiu para cima do rapaz, que já havia levantado, mas estava desarmado. Ao aproximar-se, ouviu um grito atrás de si e viu que o velho trazia uma espada em sua mão e atirava ao rapaz, que agarrou-a com destreza de um bom e bem treinado guerreiro.

O ato foi apenas em tempo suficiente para defender-se, ainda que mal defendido. O rapaz e seu tutor lutavam um contra o outro com violência, mas o primeiro sabia que estava em desvantagem. Quando aproximaram-se a forçar as espadas, uma contra a outra, o rapaz falou:

- Por que lutamos? Estamos ambos do mesmo lado.

 - Nunca estivemos do mesmo lado! Eu usei-te para conseguir o que queria, mas tu não foste destro suficiente para cumprir a missão e, ainda assim, feriste o dragão errado.

 - Mas não foi de propósito!

O guerreiro de negro empurrou o rapaz e voltou à carga com mais violência, tentando atingir e exterminar seu concorrente.

O jovem estava confuso. Fez o que pode para satisfazer os desígnios de seu tutor, foi-lhe fiel e um exímio aluno e, via-se sendo atacado pelo mesmo, como se fosse um inimigo.

O velho, percebendo o perigo, acudiu o pai do rapaz. Ambos partiram para cima do senhor de todo o mal, juntos e dispostos a morrer para salvar o filho e amigo. Com a atenção desviada da luta contra seu pupilo, o guerreiro loiro voltou-se à sua própria defesa, mas percebendo que os atacantes vinham sem armas, tratou de avançar contra os dois, derrubando-os imediatamente, um sobre o outro, e posicionando a espada no pescoço do caçador, de modo que se trespassasse um, atingiria o que estava por baixo. O rapaz percebeu que tinha que fazer algo e partiu para cima, mas o homem gritou:

- Se chegares mais perto, eu mato os dois. Eu posso morrer, mas, antes, eles vão comigo. 

 O rapaz parou a meio caminho. Tinha que fazer algo, mas estava em desvantagem. Não estava sendo bem recebido do lado de seu tutor e estava sendo defendido pelo seu pai e o velho amigo, os quais haviam abandonado a busca, há muito tempo atrás, deixando-o à mercê do inimigo e senhor de todo o mal.

Sentia-se só, abandonado e enganado, mas algo queimava seu peito, com o calor de um estranho fogo. A espada em sua mão tremeu. O amuleto pendurado em seu pescoço e tocando seu jovem peito ardia como se estivesse fervente. O rapaz, então, parou e percebeu que os dragões haviam-se aproximado.

O grande dragão pardo, ferido gravemente, não conseguia ter forças para atacar. Alguns dos dragões, incluindo o verde-azulado, mantinham a vigília sobre a fera ferida. 

Os três dragões mais jovens, o negro, o dourado e o albino colocaram-se à volta do grupo, mas sem mostrar quaisquer formas de ameaça.

O dragão negro fez um sinal com a cabeça, olhando o rapaz. Este não percebeu imediatamente o gesto, mantendo os olhos firmes nos animais e nos homens, que formavam um grupo bizarro à sua frente. O amuleto queimava sua pele. Ele passou a mão no peito e sentiu-se estranhamente diferente. Olhou todos, aproximou-se dos três homens e falou, baixando a espada e deixando-a cair aos seus pés.

- Deixa-os ir. Eu me entrego no lugar deles. Vou lutar ao teu lado até os fins dos meus dias, mas deixa-os viver! Tens a minha palavra de honra.

O guerreiro ficou tão surpreso quanto o pai e o velho amigo.

O dragão negro acedeu com a cabeça. Ele sabia por qual razão o rapaz havia tomado aquela atitude. Era necessário ter muita força de espírito e caráter para tomar uma decisão daquelas, no meio daquela confusão de personagens, de sentimentos e de atitudes contraditórias.

O rapaz baixou os braços e aproximou-se. O guerreiro de negro ainda hesitou um pouco e então, levantando-se lentamente, mostrou que aceitava a oferta.

 Os dois homens levantaram-se e tentaram, ainda, defender aquela atitude com um ataque ao senhor de todo o mal, mas o rapaz gritou com eles e disse-lhes:

- Eu dei minha palavra. E ela foi dada em troca das vossas vidas. Não vou voltar atrás. Ajudem-me a acudir o dragão pardo, que está ferido. Nós partimos assim que ele recuperar suas forças.

Seu tutor, mesmo estando entre estar desconfiado e acreditar na honra do rapaz, afastou-se, mantendo-se de frente, enquanto o grupo acudia a fera ensanguentada. O pobre dragão estava com a pata bastante cortada e precisou de um torniquete e umas bandagens, mas a não ser por um certa fraqueza causada pela perda de sangue, não estava impedido de voar.

Os dois guerreiros passaram a noite a vigiar, para terem certeza que não iam ser surpreendidos e prepararam-se para partir ao amanhecer, sem se despedir de ninguém.

O dragão negro, entretanto, aproximou-se do rapaz e fez um aceno com a cabeça, numa demonstração de afeto e de aceitação daquele destino, mas, ao mesmo tempo de apoio. De uma forma muito discreta, transmitia a mensagem de que estava disponível, se necessário fosse.

O rapaz passou a mão à volta do pescoço e retirou o amuleto que ali estava pendurado e estendeu-o ao dragão, mas este não aceitou, empurrando a mão do rapaz de volta ao seu pescoço. Este percebeu o que a animal quis traduzir.

O amuleto era seu por direito. Era o único vínculo que ficaria vivo entre os dois lados – o bem e o mal – a lembrar que não há um lado sem o outro e que mesmo o mal precisa do bem para equilibrar-se no Universo.

O rapaz repôs o amuleto à volta do pescoço e foi de encontro ao seu mentor e ao dragão pardo, que estava pronto a partir. Deu uma última olhada para trás e fez um aceno com a cabeça, que foi repetido pelo jovem dragão negro.

 Quando o pai e o velho amigo despertaram, o trio já ia alto no céu, viajando contra a luz do sol da manhã.

Um aperto nos corações dos dois foi, também, compartilhado pelos sete dragões.

Todos os personagens sentiram que aquele não era um fim definitivo, mas sabiam que aquela decisão tinha consequências graves no futuro de todos.

Lá longe, no alto do azul cerúleo da manhã, sobre as costas largas do dragão pardo, o rapaz mantinha seus olhos à frente, tentando não deixar que aquelas lágrimas que inundavam seus olhos, sua mente e seu coração, fossem percebidas pelo seu mentor, que sentara-se no dorso do grande animal, um pouco à sua frente.

A viagem para o extremo norte ia ser longa. Também ia ser muito fria, como o coração do senhor de todo o mal…

O guerreiro loiro esboçou um leve sorriso. Havia ganho mais uma batalha. Aquela era uma das mais importantes que ele travara, mas a guerra não estava terminada…

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Azul




Se for Azul,

Que eu seja Céu!