domingo, 29 de março de 2015

Os Oito Guerreiros (Última Parte: A Grande Batalha)

Alter-egos e a Grande Batalha


- Temos que correr. As coisas estão mesmo a arder!

- Como assim: a arder? Explica isso, pelo amor de Deus.

- Vem comigo, depressa! Conto os detalhes a caminho…

A psicóloga entrou no elevador, seguida pela estagiária e começou a contar-lhe a conversa que havia tido na noite anterior, com Joe, o último personagem da lista mais estranha que ela havia conhecido em toda sua carreira. Acabara de receber um telefonema e tinha que ser rápida.

***

A mulher olhou o homem, que adormecera ao seu lado, com distinta afeição. Ele virou-se para o lado e ela viu, em suas costas nuas, duas pequenas tatuagens, uma de cada lado. Compreendeu, de imediato, porque Phil, sua personalidade favorita, havia mencionado que tinha asas às costas e que esperava voar. Ele, realmente, as tinha...

‘As alucinações também alucinam’, pensou.

Abraçou o corpo desacordado do amante e fechou os olhos…

***

- Eu tenho muitas personalidades diferentes. Somos sete guerreiros que se revezam, conforme a situação se coloca e um oitavo, que é um pacifista e que sempre aparece para completar a cena. Cada um tem um carácter e uma tática distinta, escolhendo seus momentos de se manifestar, conforme a conveniência deles próprios, fazendo de mim um sério caso para estudo de grandes psicanalistas.

Nos primeiros tempos, eu tinha dificuldade em entender o que me acontecia. Lutava contra as manifestações de meus muitos alter-egos* e assim, ficava dias e noites em disputa interna, até que o cansaço me vencesse e eu desistisse de lutar, proporcionando, a algum deles, uma exteriorização qualquer. Com o tempo, aprendi a lidar com todos eles, permitindo que cada um pudesse ter seu tempo e sua oportunidade de se expor. Minha maior dificuldade passou a ser a manutenção de reminiscências do que cada personagem viveu. Muitas vezes tinha lapsos de memória, que duravam muito mais que alguns simples minutos, como era no início. Passei a sentir muito medo de perder o controlo de minhas ações. Numa das ocasiões perdi, mesmo, e fui parar no consultório de uma especialista em multiplicidade e desmembramento de personalidades. Foi uma coincidência e acabou sendo uma das poucas esperanças que me restavam.

***

- Ele é maduro e experiente, para a idade dele. Tem boa cabeça. É extremamente sexy, o corpo é desejável, existe uma boa química entre nós e, além de tudo, sua conversa é agradável, deixando-me muito à vontade, quando estamos juntos. É muito diligente e responsável. Dá-me vontade de ir adiante e avançar, embora saiba que deva ter bastante cuidado. Na verdade, estou entre a cruz e a espada, pois posso estar a meter-me com uma verdadeira bomba-relógio.

- Química? Com todo o respeito e consideração que lhe tenho, química, física ou biologia não são suficientes. É loucura ir adiante com isso, não só pelo profissionalismo e ética, como pelo perigo que pode correr. Quem nos garante que ele não vá fragmentar as personalidades ainda mais?

- Eu sei e tenho que considerar também que estou envolvida demais… Mas estás certa. Tenho que usar a razão e deixar o coração de lado. Ele terá que compreender que a recuperação de sua sanidade e personalidade é mais importante. Mas, e se a cura for justamente essa?

- Não recordo haver lido sobre qualquer caso reportado em que a personalidade dominante tenha-se curvado à uma paixão, mesmo em casos de manipulação mental.

- Tens razão. Preciso manter o foco nele como paciente, não como amante… Oh, Deus!

- Melhor assim, pode acreditar…

***

- Professor, preciso de sua ajuda. É importante. Tenho um paciente bastante complexo e não sei como enfrentar a situação. Preciso de uma luz...

- Pode ser amanhã, por volta das dez da manhã? Tenho um horário vago e podemos conversar.

- Pode sim. Estarei lá.

A psicóloga desligou o telefone e pensou no seu professor e orientador, com o qual havia conversado. Se alguém poderia ajudá-la, naquela hora, ele seria a pessoa certa. Na hora combinada, ela estava na Universidade, para discutir o caso dos oito guerreiros.

O professor ouviu-a e disse-lhe que, talvez, pudesse ajudar. Apresentou-lhe um jornal do Departamento de Pesquisa da Universidade, onde vinha um relatório sobre uma nova droga, para tratamento de pacientes com múltiplas personalidades, que vinha sendo testada com relativo sucesso, em voluntários. Ela ficou interessada em contactá-los e experimentar.

Na sua cabeça, porém, uma coisa inda não estava clara: era Joe, a chave, ou Gabriel, o invólucro original, que tinha que ser tratado e preservado?

O professor disse-lhe que ela saberia, quando a hora chegasse. Ela concordou, embora sentisse que não cabia a si aquela decisão.

Ela lembrou que na noite em que Joe visitou-a e contou-lhe como funcionava o processo.

***

Ela ouvia o homem com muita atenção, enquanto ele explicava-lhe como perceber que todas as personalidades podiam ser controladas pelo pacificador, se ele assim o quisesse, mas ele tinha que estar à frente, para poder fazê-lo. Naquela noite perguntou-lhe se ela queria falar com Phil, já que ele percebia o que estava acontecendo entre eles.

- Como é possível, Joe, que eu possa estar com ele, assim?

- Confia em mim. Queres estar com ele? Tens que ser rápida, antes que seja tarde, pois a batalha está muito próxima. Quando acontecer, não sei como as coisas poderão ser, de alguma maneira, controláveis. Tem que ser já, antes que eu perca o controle.

Ela concordou e, Joe saiu de cena, enquanto ainda segurava as mãos da mulher, que, atónita, tentava absorver todo aquele processo. Levara meses a estudar e não conseguira nada. Agora Joe revelava aquilo que ela não fora capaz. O olhar do homem e sua expressão mudaram ali, na sua frente e ela logo reconheceu aquela ternura, na forma com que ele a olhava.

Ela sentiu-se completamente vulnerável, desimpedida... e apaixonada... perigosamente apaixonada. Com lágrimas nos olhos, disse-lhe:

- Olá, meu querido amigo. Quanto tempo eu não te via. Tive muitas saudades de ti.

- Eu também, mas não é muito fácil estar disponível. Também tive saudades tuas. A coisa está cada vez mais descontrolada. Podemos ter muito pouco tempo juntos.

- Eu não compreendo tudo isso... De que forma esta tal batalha vai acontecer... mas espero que termine, de alguma forma, bem para nós. Estou tão apreensiva.

- Saberás na hora certa. Joe se encarregará de avisar. Não tenhas medo do que possa acontecer. Ele e eu, especialmente, gostamos muito de ti...

Ela olhou-o com os olhos cheios de água. Estava com medo, mas sentia-se vulnerável, ali, em frente daquele homem. Fechou os olhos e suspirou.

Ele aproveitou a oportunidade e beijou-a. Ela não fugiu; não correu; não rejeitou-o. Ao contrário: correspondeu aos carinhos dele de forma aberta e, sem dúvida alguma, com paixão.

Ele foi o amante perfeito. Explorou cada centímetro do corpo dela, cada pedacinho de pele e cada sensação e reação do corpo dela.  Ela sentiu-se especial. Sentiu que estava a ser amada e desejada. Sentiu que, com aquele homem, ela podia ser completa e entregou-se integralmente a ele.

***
- Ele está em perigo. Depressa.

- Ele quem?

- Gabriel. Phil. Joe. Sei lá que nome devo usar... mas ele está em perigo! Temos que correr...

As duas saíram do elevador e entraram no carro, escoltadas pelo segurança, que havia sido requisitado acompanhá-las, e saíram pela avenida, em alta velocidade. Só torciam para não serem  paradas pelo polícia ou pelo trânsito. Não havia tempo a perder.

Quando chegaram à porta do apartamento indicado por Joe, um ou dois segundos de silêncio foi logo interrompido por uma série de outros sons, muito mais assustadores que o próprio silêncio. O som de vidros a quebrarem foi o sinal para se apressarem.

Joe havia dado uma chave à psicóloga, caso fosse necessário, ou se ocorresse uma emergência. Aquela era uma emergência... e das grandes. Ela girou a chave e empurrou a porta.

***

O apartamento estava todo revirado e várias coisas quebradas, como se houvesse tido luta. Haviam também marcas de respingos de sangue, em alguns pontos nas paredes e no tapete. Enquanto olhavam as coisas à volta, a psicóloga pediu à assistente que chamasse a polícia. Só esperava que não tivessem chegado tarde demais. O quarto estava trancado por dentro, por isso pediu ao segurança que forçasse a porta ou a arrombasse e foi o que ele fez.

No quarto-suite, o quadro não era melhor, muito pelo contrário. A janela havia sido arrombada. Lá também haviam sinais de luta e de sangue, mas não viram ninguém. A mulher começou a ficar desesperada. Entrou na casa de banho e gritou. Os dois acudiram-na logo.

O homem que jazia, desacordado no chão, com marcas da batidas na face e em algumas partes dos braços, era conhecido de todos. Gabriel parecia ter levado uma surra das grandes. Eles haviam chegado tarde, mas talvez, não tarde demais. A doutora pediu ajuda e colocaram-na na cama. Com uma toalha molhada, limpou-lhe os ferimentos onde conseguiu. A polícia chegou logo em seguida. O oficial já era conhecido seu e logo reconheceu o rapaz, como o que fora recolhido na rua, completamente perdido, há alguns meses atrás e que havia sido entregue aos cuidados da psicóloga.

- Não esperava por essa, mas não estou surpreso. Esse homem é uma bomba-relógio.

A mulher não concordou, nem discordou. Apenas voltou sua atenção ao homem inconsciente, deitado na cama de casal da suite. Olhou à volta e avaliou o estilo sóbrio e quase minimalista na decoração. Nada de frescuras, nenhum excesso, nada que pudesse parecer desnecessário. Um quarto de dormir, apenas. Nenhuma TV, nenhum computador, nem mesmo um discreto aparelho de som. Tudo isto estava na sala. Na mesinha de cabeceira havia apenas um pequeno abat-jour e um livro.

- O que é aquilo no bolso dele? Parece um papel dobrado.

- E é... tem uma mensagem para si.  

- O computador...

Os quatro entreolharam-se e correram para a sala.

***

Na sala de espera do hospital, um grupo de pessoas esperava o médico vir para dizer como estava o paciente, que havia dado entrada, inconsciente e com sinais de luta, marcados no corpo todo. Quando ele apontou, no fim do corredor, os três levantaram-se, ao mesmo tempo.

- Ainda está inconsciente, mas não há nenhum osso quebrado e as feridas não são profundas demais. Está sob o efeito de sedativo, por ora, porque tivemos que fazer uma pequena cirurgia na cabeça, onde havia uma concussão. Deve ter batido contra qualquer coisa, quando caiu... Havia também um corte no corpo, que pode ter sido feito por uma faca ou coisa similar. Tivemos que suturar. Vai ficar uma bela cicatriz. Mas ele ficará bem. Em pouco tempo podem vê-lo.

- Ótimo. É o que precisamos.

***

- Gabriel. Estás melhor? Consegues falar?

- Olha, não te preocupes. Nós escondemos o espadim. Ninguém vai chegar até ele. Está bem guardado.

O homem olhou o segurança, com olhos de quem não compreendeu bem o que ele dissera.

- Nós vimos a mensagem no teu bolso e também no computador. Eu recebi o arquivo que enviaste para o meu computador pessoal. O que estava lá foi destruído. Foi muito esperto, mas muito arriscado, o que fizeste. Assim a polícia já está atrás de quem te fez isso. Juro que, na minha cabeça, a batalha era com todas aquelas personalidades dentro de ti. Não sabia que corrias perigo, por estares sendo perseguido por um bandido. E ele esteve no consultório, naquela noite... Eu também corria perigo. Por sorte o segurança ainda estava por lá, por isso ele fugiu, antes de ser apanhado... ou de fazer algo contra mim. E tudo por causa do trabalho de investigação de Alex, tua personalidade de repórter. Que caso complicado, homem.

O homem olhou as duas mulheres e o segurança, com uma expressão muito estranha. Parecia que havia lutado muito, num campo de guerra verdadeiro e que agora precisava de um pouco de paz, finalmente.  

- Estou cansado.

- É compreensível. depois do que passaste. Se não fossem todas aquelas personalidades a lutarem juntas contra um inimigo comum, tu não estarias aqui, neste momento. Foi sorte nós chegarmos, pois os nossos ruídos também serviram para afugentar o teu perseguidor. Olha, vamos iniciar o tratamento com aquele medicamento experimental. Vai ficar tudo bem.

Ele não respondeu. Só olhou a mulher e fechou os olhos, lentamente.

***

Meses depois de começar a usar a droga, as coisas estavam bem mais controladas e eles cada vez mais próximos. Gabriel estava completamente ao controlo de sua vida e as pouquíssimas manifestações de outras personalidades foram desaparecendo com o tempo. 

Ele levantou-se e foi ao duche. Poucos minutos depois ela ouviu-o cantar, como já havia ouvido um certo personagem fazê-lo, com extrema competência, no palco de um bar. Ela riu, pois algumas coisas haviam-se mantido intactas.

Ele entrou no quarto, olhou-a com uma expressão diferente, mas que ela já conhecia, de outros tempos. Vestia-se impecavelmente, com uma das camisas brancas favoritas, com as mangas dobradas até um pouco abaixo dos cotovelos e suas elegantes calças jeans, de marca famosa.

- Que bom que mantiveste a voz e a harmonia. Há tempos que não ouvia essa beleza. Algumas coisas, pelo jeito, não se perderam…


- E como poderiam? É meu ganha-pão. Sou, ou não sou, um músico profissional, afinal?

***

*Alterego: (alter= outro; ego=eu) seria igual a outro eu, ou seja, uma outra personalidade que você tem mas que não mostra, ou está oculta em seu inconsciente…

sábado, 21 de março de 2015

Os Oito Guerreiros (Parte 4)

Gahiin

- Doutora, melhor vir até a recepção… com urgência…

A mulher levantou os olhos do computador, onde trabalhava, a fazer anotações sobre o paciente mais complexo que já havia passado por aquele consultório e fixou-os na jovem que entrara, com uma expressão preocupada.

Naquele dia, a psicóloga vestia um blazer azul-marinho, com saia reta até a altura dos joelhos, no mesmo tom. Uma blusa branca de algodão, simples, com gola arredondada, fazia conjunto sóbrio com o terninho e com os sapatos pretos de saltos altos. Tinhas pernas esbeltas e bem proporcionadas. O cabelo estava preso atrás com grampos, num coque, deixando o rosto já maduro, bastante encantador, à mostra, evidenciando-lhe as belas maçãs do rosto. Dir-se-ia que estava quase a chegar à casa dos quarenta, mas a idade caia-lhe muito bem. Era uma mulher bastante atraente. 

Ela já havia-se habituado com as mensagens subliminares no discurso da estagiária. Quando falava daquele jeito, estava com alguma situação difícil de lidar. Ela sabia que estava no horário reservado a Gabriel e que ele já deveria estar sentado à sala de espera. Pousou os óculos de leitura em cima da escrivaninha, levantou-se, aprumou a roupa e seguiu a moça.

Gabriel estava sentado na poltrona, de costas para a janela virada para o centro da cidade. Tinha os olhos um tanto perdidos e assustados e um grande corte, a sangrar, na face esquerda. A mulher aproximou-se, rápida. Não era a primeira vez que aquele homem chegava ao consultório em tal estado de confusão e a sangrar. O ferimento parecia um tanto profundo e requeria cuidado imediato. Ela pediu a caixa de primeiros socorros à secretária e voltou sua atenção ao homem, aflita por saber o que havia acontecido daquela vez.

- Gabriel? O que houve? Foste atacado na rua?

Ele pareceu mais confuso. Olhou-a com aquela expressão estranha, a qual ela já deparara em outras ocasiões. Aquele não era o Gabriel que ela conhecia. Pela expressão vazia no olhar e na face, poderia ser qualquer outro, ainda a tentar manifestar-se. Ela tinha que ir com calma. Limpou o corte, passou um antisséptico e decidiu deixar assim, para que a ferida respirasse um pouco, antes de ser coberta com um curativo. O sangue já havia estancado. Era uma ferida muito precisa, como o corte de uma lâmina. Pela profundidade, havia apenas atingido sua face de raspão, senão era caso para a Emergência de hospital.

- Vamos entrar. Conversamos lá dentro.

Uma vez acomodado confortavelmente na usual poltrona de couro castanho, o homem olhou-a com outros olhos. Ela teve a impressão que mudaram de cor. Aquele pálido azul tinha uns tons cinzentos, naquele momento. Sentiu-se perturbada, mas bem poderia ter sido, apenas, impressão sua, mesmo. Ele pareceu-lhe um completo desconhecido, a tentar compreender como chegara ali. Ela tomou coragem e perguntou.

- Gabriel? Está tudo bem agora? Como foi que te cortaste deste jeito?

Ele não sorriu. Permaneceu muito sério e com voz muito grave, falou.

- Eu não sei ao certo. Lembro muito pouco de como cheguei cá.

- Feche os olhos, então, e relaxe. Tente recordar o que aconteceu.

O homem fechou os olhos. Por uns instantes manteve o cenho franzido, depois, como se uma porta abrisse em sua memória, mudou a expressão do rosto e começou a falar.

- Sei que venho de muito distante, de além-mar, onde os campos são tão vastos quanto a coragem dos guerreiros que derrotei. Eu nasci um lutador e, as coisas que aprendi no meu percurso de vida, sempre levaram-me a batalhar pela sobrevivência. Não sei porque vim parar nesta terra, mas é a terceira vez que lembro-me de aqui estar. O nome, pelo qual me conhecem, nesta dimensão, é Gahiin. Sou filho da Terra e à ela tenho dedicado minha luta. Sou amante do vento e das tempestades e, por isto, viver ao extremo e em estado de constante risco, é uma das muitas particularidades, exclusivamente minhas. Sou muito aficionado de desportos radicais e altas velocidades, que nunca me assustaram. Ao contrário, sou viciado em adrenalina. Muitas vezes costumo partir em aventuras de preparação, por dias a fio, no meio do mato, no rio, no mar ou nas montanhas. Minha força, resistência e coragem serão características extremamente úteis, quando a grande hora chegar.

A mulher quase não conseguiu fechar a boca, de tão surpresa. Fora pega desprevenida.

(Mais um personagem? Como era, de alguma maneira, possível? Já eram sete e pouca luz ainda via, no grande mistério, que era aquele homem.)

Ela olhou aquele que era o dono do corpo, Gabriel, com uma alguma piedade. Gahiin parecia ser um homem vigoroso, dominador e independente. Não tinha aquele charme imediato de Phil, mas era um homem muito forte, com certeza. O rapaz percebeu que ela tentava absorver aquela informação, com certa dificuldade. Ao invés de tentar acalmá-la, como se lesse seus pensamentos, apenas resolveu dizer o que sabia ser de alguma importância, naquele momento.

- Quantos de nós já conheces? Sete? Então falta-te apenas conhecer Joe. Talvez ele te entregue a chave daquilo que procuras. Ele, na verdade, é a própria chave. A chave do mistério é Joe. Não é Gabriel, como tu poderias pensar…

Os olhos da mulher arregalaram-se quando o homem levantou-se, estendeu-lhe a mão, e saiu do consultório, sem dizer mais nada.

Mesmo sendo uma pessoa bastante estável, ela sentiu uma espécie de vertigem. Teve que apoiar-se na secretária, para não perder o equilíbrio e cair ali mesmo.

Como iria encontrar o tal Joe? Se até aquele momento ainda não havia-se manifestado, quando iria, finalmente, fazê-lo?

(Oito personalidades? Oito tipos diferentes? Oito guerreiros, na verdade! E, pelo jeito, oito grandes lutadores… Aquilo era, realmente, muito assustador!)

Joe

 - Doutora, Gabriel já não vem à consulta há mais de duas semanas. Será que aconteceu algo?

- Vamos ver Phil, assim que acabarmos aqui, hoje. Depois daquele encontro com Gahiin, uma coisa ficou muito clara. É bem provável que tenhamos problema... e logo. Ele é a única pessoa que pode nos dizer algo, já que tem um programa de manifestação mais ou menos previsível. Se não fosse ele...

A frase ficou assim, meio dita, meio pensada. Os pensamentos da psicóloga foram além do profissional. Ela queria desvendar o grande mistério. Queria curar o paciente, por quem tinha grande consideração. Precisava da ajuda de Phil, para chegar a Gabriel, mas havia mais. Muito mais. Ela tentava não pensar muito em outra coisa, mas sentia uma atração muito forte por Phil. Por que sentia aquilo por aquele personagem específico e não por outra pessoa, ou mesmo por Gabriel, a personalidade oficial, ela não conseguiria dizer, mas sabia que sentia. E não era um simples interesse.

A mulher balançou a cabeça, como se recusasse pensar mais naquilo. Precisava manter o profissionalismo, a qualquer preço. Havia um perigo iminente para seu paciente e ela tinha responsabilidade sobre o que poderia acontecer-lhe. Aquela história já era complicada demais e intrincada demais, para que ela perdesse tempo precioso a pensar nela, ou na sua tola atração.

Ela tinha que concentrar-se nas prioridades. Gabriel era a prioridade, mas, segundo Gahiin, Joe era a chave.

(Por onde andaria o tal Joe?)

***

- Já faz algum tempo que Phil não aparece. Ele cancelou algumas apresentações. Disse que precisava viajar por uns dias e quando estivesse de volta, avisava. A voz parecia diferente, mas devia ser porque ele disse também que não estava muito bem.

- Quanto tempo faz isto?

- Um pouco mais de duas semanas... talvez três.

- Se o vires, ou se ele entrar em contacto, por favor, peça-lhe para ligar-me. É muito importante.

O rapaz já havia visto as duas por lá, bem mais que algumas vezes e também sabia que eram conhecidas de Phil. Acenou a cabeça, em sinal positivo e voltou a atender os outros clientes. O bar estava em ritmo acelerado, como usualmente, naquele horário.

Duas, talvez três semanas... deve ter sido desde que o paciente estivera no consultório com um ferimento na face. Talvez por aquele motivo não havia aparecido. Não queria ser visto com um corte daqueles na face, assim à mostra. Poderia levantar suspeitas e uma série de perguntas muito difíceis de responder.

(Quem poderia ter feito aquilo? Quem poderia fazer mal a um homem tão doce, como Gabriel, ou tão atraente como Phil?)

***

Algumas noites depois, na quarta-feira, a psicóloga estava ainda no consultório, tentando juntar todas as peças do puzzle que tinha em mãos. Era tarde, a secretária já havia saído e ela tinha tudo fechado e as luzes apagadas, exceto a de sua escrivaninha, onde procurava, no meio das anotações, descobrir alguma luz, algum detalhe deixado nas conversas entre ela e os personagens, mas não conseguira muita coisa.

O segurança já havia passado e perguntado se ela precisava de alguma coisa. Ela havia dito que ia sair em poucos minutos, por isso não precisava de mais nada. Ele verificou as portas e janelas e despediu-se. Ela ouviu-o sair e o barulho do elevador a movimentar-se. Estava sozinha. Precisava concentrar-se. Talvez houvesse mais algo que ela não estivesse percebendo na história.

(Batalhas. Grandes batalhas.  Que diabos de batalhas? E Joe... Onde estava Joe?)

Ouviu novamente o barulho do elevador. A porta abriu-se. Passos. O segurança, um homem que tinha um apreço muito grande por ela, devia estar preocupado. Sem levantar a cabeça, ela falou.

- Já disse que estou bem. Não se preocupe, pois vou sair em minutos. Podes fechar tudo. Boa noite.

- Ok. Boa noite.

O homem saiu, usando o elevador. Ela respirou aliviada. Precisava mesmo terminar aquilo.

Pouquíssimos minutos depois, ouviu a porta do elevador novamente. Ela sorriu, vencida. O segurança mesmo estava preocupado com ela e, talvez, tivesse razão. Considerou que, provavelmente, fosse mesmo melhor que acabasse o trabalho em casa. Assim teria mais tranquilidade e não precisava preocupar o pobre homem. Além do mais estaria em sua própria casa, segura e confortável, sem os sapatos e a roupa de trabalho... Àquela hora já estaria de pantufas e pijamas...

- Ok. Ok. Já vou sair...

A mulher desligou o computador, marcou as anotações que tinha num pequeno caderno de apontamentos, fechou-o, guardou-o e levantou-se, pronta para sair.

- Vamos. Já vi que não ficas em paz, se eu estiver sozinha aqui, assim tão tarde.

- Não fico mesmo. A sua segurança é muito importante para mim.

- Obrigada. Às vezes penso que sou mimada demais, sem achar que mereço toda essa atenção. Mas, não precisava subir três vezes para verificar se eu estava bem.

- Merece sim. Mas eu só subi duas vezes...

- Devo mesmo estar cansada. Tive a impressão que foram três, mas devo ter-me enganado.

Ele não sorriu. Acompanhou-a até o carro, esperou que ela partisse e, só então, tomou seu caminho, a pé, para casa. Manter a doutora a salvo, era responsabilidade sua. Não podia deixar de sentir-se incomodado em deixá-la trabalhar sozinha, sem que ele tivesse a certeza que estava bem. Mas foi para casa intrigado com a confusão que ela fez...

Não percebeu, porém, que a poucos metros dali, um carro partiu, saindo na mesma direção que o outro.

***
Deitada, com os pés esticados sobre a cama e com o computador no colo, a mulher lia as notas tiradas nas avaliações sobre seus pacientes. Estava mais concentrada em um, especificamente, tentando juntar os detalhes de cada personalidade com a qual já havia cruzado até ali. Já passava das onze da noite, por isso decidiu que ia parar e dormir, finalmente. Seu dia havido sido bem longo e ela desejava uma merecida noite de sono. Arrumou as coisas e deitou-se.

Embora tentasse relaxar e adormecer, seus pensamentos voltavam sempre para o mesmo ponto: Joe. A chave...

Foi então que a campainha tocou.

- Não é possível! À esta hora. Quem poderá ser?

Mesmo sabendo que não era a hora mais adequada, foi até a porta. Às vezes as emergências aparecem nas horas mais impróprias. Ela, sendo a doutora, sabia bem... Levantou-se e foi até a porta. Espiou pelo olho mágico e quase não acreditou no que viu. Abriu a porta, com um puxão forte, tamanha a surpresa que teve.

***

- Soube que andavas à minha procura, mas não pude aparecer logo. Tive que segui-la, depois que saiu do consultório, mas não queria ser visto por ninguém, por isso demorei a subir. Precisamos mesmo conversar. É mais que hora...

- Mas, como...?

- Calma, doutora. Não vou fazer-lhe mal. Todos sabem quem eu sou. Eu sou um pacifista e não lhe represento nenhum perigo. Eu apareço quando os guerreiros estão em conflito ou cansados demais para lutarem. Chamam-me Joe – um nome comum para um homem comum.

- Finalmente, Joe. Tenho ouvido falar muito de ti, ultimamente. Preciso de sua ajuda, ou teremos um grande problema num futuro muito próximo. Todos anunciam-me que está por advir uma grande batalha. É sobre ela que devemos conversar. Como ninguém quis antecipar-me detalhes, tenho estado cada vez mais apreensiva.

- OK. Vou dar-lhe todos os pormenores do que eu sei e da grande batalha. Também de como podemos enfrentar o conflito, mas é melhor sentar-se...

A psicóloga olhou o homem que acabara de entrar com um misto de curiosidade, apreensão e uma grande ansiedade. Ele tinha uma cicatriz na face esquerda, visível a quem olhasse com cuidado, mas nada assustador. Sua expressão passava-lhe uma tranquilidade inexplicável.

Ela suspirou e sentou-se. Era a hora da verdade... finalmente!


***

domingo, 8 de março de 2015

Os Oito Guerreiros (Parte 3)

Rael


- Sei que ele é um homem excepcionalmente atraente, carismático e sedutor, mas asas nas costas, foi forçar demais a barra... Pegou pesado demais…

- Pois foi, mas quem sabe o significado seja outro. Na próxima vez, vou tentar obter mais detalhes. Não há como convencer-se a respeito de uma história mirabolante destas, sem ficar a pensar… e muito… a respeito das palavras e do que está por trás delas, mas enfim, em casos como este, nunca se sabe…

- Pena. Pareceu-me tão equilibrado.

- Mas o dono do corpo é Gabriel. Não esqueçamos disso…

As duas mulheres, uma terapeuta experiente e uma estudante de psicologia, que fazia sua tese de mestrado na clínica da outra, funcionando às vezes como recepcionista, secretária e ajudante, discutiam o estranho encontro entre o terceiro personagem contido, por assim dizer, no mesmo recipiente humano. Haviam esquecido, quase completamente, que Phil havia mencionado um outro nome, que poderia ser bem mais perigoso que os outros.

(Quem, afinal, seria Rael?)

***

-Olha para mim.

- Achas que este tipo de atitude ou o teu tom de voz, assim direto e agressivo, vai intimidar-me, de alguma forma? Não deves, mesmo, conhecer-me. Nem tu, nem nenhum dos outros vai conseguir nada com este tipo de coerção. A tua hostilidade não vai ajudar em nada a resolver este caso.

- Ajudar? Quem disse que eu preciso de ajuda? Sei muito bem cuidar de mim e sei, também, que os outros são fracos. Se eles curvam-se a ti, podes perder a esperança comigo. Eu não costumo curvar-me perante ninguém.

- Que és tu, afinal, que a arrogância domina com tanta firmeza?

- Meu nome é Rael e sou um rebelde. Não luto por ninguém, mas por mim. Minha pátria é onde meus pés pisam, naquele momento e nunca fiquei em nenhum lugar o tempo suficiente para criar raízes. Não me apego nem às coisas, nem às pessoas. Minhas experiências com elas não foram felizes, no passado e, por isso, mantenho-me longe, numa constante e interminável viagem. Sou um assassino a soldo. Meu sangue frio é umas das características mais marcantes do meu currículo e, posso dizer, com certeza, uma mais-valia poderosa.

A mulher sentiu um desconfortável arrepio a subir-lhe a espinha. O músico estava certo: ele era mais perigoso que todos os outros personagens. Assassino a soldo era caso para a polícia. Quanto daquela loucura era imaginada e quanto era verdadeira, ela ainda não sabia, mas tinha certeza que agir com cautela, nunca era demais. A prudência era necessária a qualquer hora.

Quando fora abordada pelo homem, na rua, a mulher percebera que estava diante de um homem com inteligência rara e com astúcia de raposa. Ele aparecera poucas semanas após a conversa com Phil e abordara-a na saída da clínica. Seu aspecto desleixado, com a barba por fazer, as roupas sujas e os cabelos desalinhados, não a assustaram tanto quanto seu discurso de agora. A terapeuta sabia que podia correr perigo. Por que razão Rael entrara no jogo, ela ainda não sabia, mas bem podia ser um lance estratégico a ser considerado.

- Tenho que ir agora. Uma batalha pode vencer a guerra, se for bem preparada e eu tenho que estar pronto. A propósito, já falaste com Thomas? Ele pode ser um grande aliado, se souberes levá-lo. Quem sabe não tenhas mais sorte…

- Thomas?

Os olhos da mulher arregalaram. A situação complicava cada vez mais. Ela começava a sentir medo.

- É. Thomas… é este o nome…

Thorben / Thomas


Ela encontrou Gabriel sentado à janela, num café, perto do consultório. Ele parecia distante, pensativo e um tanto preocupado. Seu olhar parecia estar a muitas milhas dali.

- Não esperava encontrar-te aqui…

- Não estás a trabalhar? Ainda não é hora de folga, ou é?

Ela riu. Era a pausa para um merecido café, a meio da tarde. Ao explicar, ele respondeu, simplesmente:

- Ah… Descanso para os guerreiros, então…

Seu sorriso foi um tanto pálido. Algo deixava-o preocupado e ela conhecia bem aquele olhar, assim longínquo e angustiado. Mesmo em sua hora de folga e sabendo que não era dia de terapia, resolveu manter conversa e perguntar-lhe.

- O que é que te preocupa, Gabriel? Pareces distante e sorumbático. Até mesmo teus ombros parecem mais arcados.

- Pode não ser nada, mas tenho lapsos de memória cada vez mais longos. Antes até conseguia lembrar de algumas coisas, como se estivesse em um sonho, mas, agora, passam-se horas em negro, numa escuridão total. Devo estar a enlouquecer…

- Vamos ao consultório. Podemos conversar melhor lá.

- Não tenho muito tempo agora. Também preciso voltar ao trabalho, mas se tiveres um tempo à noite, passo por lá. Sei que não é meu dia de terapia, por isso compreendo que tenhas de verificar.

Ela pensou uma pequena fração de segundo e ripostou, sem titubear:

- Tenho tempo, sim. Venha às oito.

Uma mulher como ela não podia perder uma oportunidade daquelas. Sentia-se mais como uma detetive, que como psicóloga. Parecia uma especialista em traçar perfis perigosos. Mal podia esperar pela noite, quando ia tentar obter mais informações para ajudar a desvendar o grande mistério.

***

- Gabriel, tenho receio que estejas em perigo. Esta confusão mental, esses lapsos de memória… tudo isso contribui para um colapso iminente. Os outros falam em batalha. Que batalha é essa? Consegues resgatar alguma coisa a este respeito? Começo a temer pela tua vida…

- Acho que não deves temer por mim. Tenho certeza que não corro perigo. Os outros estarão preparados, quando chegar a hora da tal batalha…

- Preparados? Como assim, preparados, Gabriel? Nunca falaste assim…

O rapaz, que havia chegado às oito em ponto, olhou para a terapeuta e sorriu. Aquele sorriso, porém, pareceu-lhe estranho, pois ele tinha o cenho franzido e olhava por trás de sobrancelhas cerradas.

- Tens toda a razão. Gabriel trouxe-me até aqui, mas não ficou. Meu nome é Thorben, em homenagem ao deus nórdico do trovão. Talvez eu seja assim chamado, pela minha destreza com o martelo e por aparentar menos força que realmente tenho. Aqui, nesta terra, prefiro ser chamado por Thomas. É muito mais prático. Sou um ferreiro, uma profissão que já foi bastante útil, mas que agora já não serve para nada, por isso , especializei-me em Metalurgia, para poder usar meus conhecimentos e minhas habilidades, com mais rigor. As armas que já fabriquei estão muito bem escondidas. Elas serão úteis muito em breve. Mantenho minha ira controlada, exceto quando meu limite é excedido. Quando isso acontece, ninguém me segura, assim como não se consegue segurar a força dos relâmpagos e dos trovões. Na hora certa, saberei fazer uso desta característica. Por ora, tenho que ter os olhos e os ouvidos em constante estado de alerta.

Àquela altura, a mulher já estava mais que perturbada. Nunca havia conhecido tantos personagens estranhos como aqueles… ainda mais dentro do mesmo corpo. Parecia eu estava dentro de um estranho filme de horror psico-mitológico.

- E isto não te deixa cansado?

- Não de todo. Tudo isso faz parte do processo. É um bom exercício, afinal. Pena que eu não seja tão bom observador quanto Alex.

(- Oh, não! Outro não!)

O rapaz percebeu o pânico na face da mulher e sorriu. Deu-lhe um tapinha na mão, tentando tranquilizá-la.

- Não se preocupe. Alex não é perigoso. Aliás, é bem amigável.

Alex


O pub da esquina estava lotado no happy hour de sexta-feira. A psicóloga e a estagiária entraram depois que o expediente terminara, um pouco mais cedo que o habitual, dispostas a encontrarem Phil. Passaram-se alguns dias, desde a conversa com Gabriel e Thomas e o único cuja presença podia ser mais ou menos prevista era Phil, pelo cronograma de apresentações no bar.

- Gabriel é uma graça de pessoa, por quem tenho uma grande empatia, mas este homem a tocar e cantar… e daquele jeito... mexe mesmo comigo.

A estagiária soltou um risinho matreiro e tocou no braço da psicóloga. Sem dizer nada, a mulher mais velha concordou intimamente. O que ela sentia pelo rapaz também era especial. Quase desejava que Phil fosse o verdadeiro personagem, dono do corpo e a personalidade que dominasse as outras. Além de tocar e cantar, com uma destreza excepcional, vestia-se com uma elegância irrepreensível e era dono de um sorriso encantador.

Ela adorava conversar com ele, embora soubesse que era apenas uma ilusão. Se conseguisse curar Gabriel, Phil desapareceria para sempre. Ela sentia-se em conflito. Por um lado queria livrar Gabriel daquele suplício, daqueles blackouts e da iminência de um colapso nervoso. Por outro lado, sentia-se loucamente atraída por Phil, o homem que emanava um charme fora do comum e que dava-lhe, além de um grande desafio e boa conversa, a sensação de estar mais viva. Artistas tem este poder: até mesmo os mais tímidos podem fazer-nos apreciar a beleza, de maneira única e de sentirmo-nos muito mais vivos.

- Olá, moças. Pelo que vejo ganhei duas fiéis fãs.

As duas mulheres sorriram de uma maneira tão espontânea e aberta, diante daquela declaração, que ele sentiu-se, mesmo, bastante especial.

- Nós apreciamos a tua música, Phil. É mesmo de manter-se fidelidade. Devias gravar um disco…

- Que exagero. Quem iria comprar um disco meu?

- Nós!!!

As duas responderam em uníssono e os três riram ao mesmo tempo. Era bom demais dar umas risadas em boa companhia. Quase podia-se esquecer o grande problema que aquelas três pessoas deviam enfrentar, em um tempo que parecia-se aproximar, cada vez mais, em velocidade acelerada.

- Alex, tenho um trabalho para ti. É super importante!

O estranho havia aparecido do nada e dirigia-se ao músico, que conversava com duas mulheres. Os três viraram-se ao mesmo tempo, mostrando certa surpresa, mas o outro parecia saber com quem falava.

- Faz tempo que não te via. Por onde tens andado? Procurei-te por todo o lado. Tenho um trabalho muito importante para fazeres.

- Desculpa, mas não sei com quem pensas que estás a falar. O meu nome é Phil e sou um músico de bar. Aliás, meu intervalo acabou. Preciso voltar ao palco.

O rapaz virou-se, beijou as faces das duas mulheres e voltou ao palco, para tocar e cantar mais um punhado de músicas. O homem, que ficara sem saber o que dizer, dirigiu-se às duas mulheres.

- Que estranho. Eu tenho certeza que aquele é Alex. Não pode ser outra pessoa.

As duas entreolharam-se. A psicóloga já ouvira falar aquele nome anteriormente e não gostou do que viu e ouviu, ali, naquele momento.  

- Quem é Alex?

- Aquele homem é um dos melhores repórteres que eu conheço. Tem a percepção mais aguçada que eu já vi. Quando entra em um ambiente, basta uma olhada geral e já tem assunto para longas conversas, baseado no que pode observar. Além de ser um bom ouvinte é, também, um bom juiz e um excelente repórter. O uso de suas capacidades pode mudar o rumo dos acontecimentos, dependendo de como usa as informações que passam-lhe pelas mãos… ou pelos olhos…

(- Ai, meu Deus do céu!)

As duas ficaram a olhar, sem dizer nada, para o homem que tocava, eximiamente, uma canção conhecida, no pequeno palco do bar. Um sentimento comum passou pelas duas, num arrepio, como se fosse partilhado, sem ser mencionado, em alta voz… 

...E o sentimento era medo!

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