sábado, 26 de janeiro de 2013

Da Imagem no Espelho... (Parte 3)


A manhã trouxe-me menos conforto que eu esperava. Por precaução, ao sair da minha pequena ‘cela de reclusão’, evitei olhar-me não somente nos espelhos. Desviei-me de todas as possíveis fontes de reflexos da casa, caminhando de cabeça - e olhos - baixos, na direcção do quarto. 

Já com a porta trancada, telefonei à diarista para que viesse urgentemente, mesmo não sendo seu dia de fazer a limpeza do apartamento. Ela aceitou, meio contra sua vontade e quando entrou, não questionou o motivo da colcha estar amontoada sobre os cacos de vidro, ainda ao chão, quando eu podia ter facilmente recolhido os mesmos. Ela sabia que eu não costumava deixar as coisas fora do lugar.

Seu olhar de surpresa, misturado com uma certa irritação, mudou para preocupação, assim que viu-me encolher na cama, enquanto ela recolhia, com uma vassoura e uma pá, os resquícios da guerra travada na noite anterior. 

Por prevenção, solicitei à mulher que também cobrisse todos os espelhos da casa com lençóis e toalhas e que mantivesse as cortinas do apartamento totalmente cerradas.

Ela olhou-me séria e cumpriu a tarefa, sem mais perguntas. Seu olhar, porém, buscava respostas que eu não estava preparado, nem disposto a dar. Quando paguei-lhe o serviço e dei-lhe uma quantia extra, pedindo que só voltasse quando a chamasse novamente, examinou-me com certa estranheza e perguntou se eu estava bem. Deve ter detectado um pouco da loucura que estampava-se na minha face. Eu, todavia, não queria correr riscos desnecessários. 

Despachei-a, com um pouco convincente ‘está-tudo-bem-sim-não-se-preocupe’ e voltei a trancar-me no quarto.

Sem o grande espelho pendurado na parede oposta à cama, eu estava - momentaneamente - livre das visitas dominadoras da noite. Aquele estratagema devia funcionar, por uns tempos, até que pudesse pensar em algo mais efectivo… 

Precisava de alguma pequena trégua para organizar minhas ideias e pensar em uma forma de resolver aquele dilema. Minha opressora, com certeza, não devia estar disposta a dar-me alguma paz, para que eu pudesse usar aquele intervalo a preparar-me para um combate contra ela.

Para facilitar minha vida, tomei algumas decisões desesperadas. Usei a máquina de cortar cabelos, deixando-os extremamente curtos, de modo a não precisar penteá-los. Também evitei barbear-me, não por relaxamento, mas por necessidade. Defendia-me, com aqueles paliativos, de todas as formas do uso de qualquer espelho da casa. Se fosse necessário, até tomar banho com as luzes apagadas, não ia constituir-se nenhum grande drama.

Mas nem tudo haveria de ser tão linear como eu pensara. As coberturas colocadas pela empregada apresentavam algumas falhas, como eu já devia ter desconfiado desde o início. As pequenas aberturas deixadas passaram a ser parte do meu martírio diário, pois tinha pouca coragem de aproximar-me dos espelhos, tampos de vidro ou das vidraças, distribuídos ao longo do apartamento, quando ia de um lado a outro.

Minha pior surpresa foi quando abri a porta do banheiro e vi que a protecção colocada sobre o espelho, que revestia meia parede, havia caído sobre a pia. Senti minha respiração acelerar e fui invadido por uma onda de pânico. 

Numa passada rápida de olhos, examinei-me a mim mesmo e vi que não apresentava um aspecto melhor, aparentando estar cada vez mais doentio. Acossado, drenado e sem energia, já não sabia o que fazer. Eu vinha definhando em velocidade deveras acelerada. Por sorte, minha mente ainda estava sóbria o suficiente, para perceber o grande erro que cometera, intempestivamente, mesmo que o reconhecimento não representasse nenhum alívio naquele momento.

Antes mesmo que eu recolocasse a cobertura sobre o meu reflexo, senti sua presença por perto e não fiquei surpreso ao vê-la recostada na esquadria da porta. Seu corpo nu, esguio e extremamente pálido, parecia fatigado e macilento. Seus cabelos negros, caindo em desalinho sobre o rosto - que escondia de mim, com a cabeça levemente abaixada - já não tinham o brilho de antes. Pareciam desmazelados, um tanto ensebados e sujos, como se ela tivesse perdido todo o cuidado com sua anteriormente bela aparência física. A mulher, dantes tão sensual, já não tinha o frescor e o encanto sem igual que apresentava quando a vi reflectida no elevador - o que de certa forma me surpreendeu - mas não por completo. 

Eu, sinceramente, não esperava que fosse desleixar-se de seu tão nobre aspecto físico… o mesmo aspecto que fez-me ficar tão fascinado por ela.

Aparentemente minha estratégia estava, de alguma forma, a funcionar, afinal. Embora eu não me sentisse mais forte, ela também não tinha por onde alimentar-se de energia, se não conseguisse aproximar-se o suficiente da fonte… 

Sua fúria, contudo, parecia haver aumentado, provavelmente por perder parte do completo controlo que ela tinha sobre mim. 

Aquela havia sido uma das poucas vezes em que me deixara olhá-la, por tempo suficiente de perceber que ela esboçou aquele sorriso sarcástico que eu conhecia. Com as duas mãos, puxou os cabelos um pouco para trás, de modo a deixar seus olhos bem à vista, fixando-os nos meus. Suas pupilas encolheram. Eu senti um arrepio percorrer-me o corpo todo e desviei o olhar, enquanto tentava, apressada e desajeitadamente, recolocar um lençol sobre a superfície reflectora. Tinha medo que ela se adiantasse e que eu ficasse encurralado outra vez...

Meus olhos procuraram, rapidamente, algo suficientemente sólido, que pudesse ser usado, em caso de emergência. O grande frasco de vidro sobre a mesa da pia, contendo chumaços de algodão, devia servir ao propósito. Se algo desse errado – ou sentisse que ela fosse atacar-me, já estava preparado para quebrar mais um espelho. Seria outra atitude desesperada, mas efectiva, pelo menos momentaneamente. 

Uma força, que de alguma forma controlava a minha vontade, fez-me tornar a observar a cena que se desenrolava dentro do espelho. A imagem do animal gravemente ferido me olhava ameaçadoramente, daquele mundo paralelo, que se apresentava numa estranha tela cinematográfica, disposta na parede do meu próprio banheiro. Sem mover-se, pois sabia ler-me muito bem, ela fez, então, questão de pronunciar a palavra… devagar e de modo a não deixar dúvida nenhuma sobre suas verdadeiras intenções…

- Vingança!
 
Uma sombra passou-me pelo semblante e ela sorriu ao perceber. Sua cartada era poderosa. Uma mão cheia… 

Aquela mulher sentia o cheiro do medo que atormentava-me a mente e fazia questão de deixar claro que sabia perfeitamente como jogar. Ela me conhecia muito bem. Para falar a verdade, até bem demais… 

Senti-me totalmente oprimido por sua presença envenenada. O pânico bloqueou-me o raciocínio e comandou meu cérebro imediatamente. Tomado por uma onda de terror e desespero, lancei o pesado frasco contra o espelho, com violência além do normal. O som do embate do vidro contra o vidro encheu-me os ouvidos, com uma explosão. Eu senti uma lufada de ar passar por mim. Tive a impressão de ouvir seus passos pela casa…

Antes mesmo de certificar-me que todos os cacos haviam caído, apaguei as luzes, rapidamente, fechei a porta do banheiro e tranquei-me no quarto. 

Uma brisa, causada pela porta a fechar-se, moveu a cortina que cobria a janela do quarto. Meu olhar fora atraído, quase magneticamente, pelo reflexo na brecha do vidro espelhado da janela. Aquela criatura horrenda estava lá, totalmente a postos e, apesar de bastante mirrada, parecia sentir-se mais poderosa e intimidadora que nunca – tal qual uma serpente pronta a dar um bote. Senti-me agrilhoado pela minha própria opção, tomada há um tempo atrás e que parecia naquele momento haver sido uma eternidade extremamente aflitiva. 

Ela soltou uma risadinha ameaçadora. Sabia que tinha um trunfo na manga… Enquanto me sentisse perseguido, mortificado e amedrontado, ela tinha uma chance contra mim.

Eu estava, definitivamente, à beira de um colapso… desesperado demais para sair daquela situação, com a devida coerência… Tinha certeza que estava tendo uma crise de pânico – um forte ataque de agorafobia – que me mantinha preso dentro de minha própria casa, já que o mundo lá fora era feito de metal e vidro reflector - onde eu jamais voltaria a sentir-me seguro outra vez. Sabia que se tentasse sair pela porta afora, seria atacado, com certeza, antes de chegar ao hall de entrada do prédio. 

Estava cada vez mais difícil pensar em um fim para aquele suplício mental – pelo menos naquele momento. Minha razão precisava, de todas as formas, trabalhar em alta velocidade, mas minha mente – já cansada e atormentada demais – não conseguia acompanhar…

Eu só consegui apressar-me a fechar bem as cortinas, de modo a proteger-me da superfície reflectora da janela. Ao assegurar que resguardava-me do reflexo e da força do olhar daquela criatura, um lampejo súbito acendeu uma pequena chama de esperança na minha alma já quase completamente admoestada. 

Dei-me conta que eu ainda poderia ter uma saída, se fosse rápido e esperto o suficiente. 

Eu esperava que ela não contasse com nenhuma surpresa da minha parte, nem tivesse tempo de penetrar no meu pensamento… pelo menos até eu dar cabo do desatinado plano, que nascia naquele momento, na minha mente atormentada. 

Fui até a sala de estar e abri as duas alas das cortinas que cobriam a grande janela. Ela prontamente apareceu ao fundo. Afastei-me o suficiente e, sem dar nenhum tempo para que percebesse minhas verdadeiras intenções, corri e joguei-me de cabeça e ombros contra a vidraça, em direcção ao grande vazio que havia entre o quinto andar e o chão lá em baixo. 

Ainda consegui ver a expressão de surpresa em seu rosto, reflectida nos grandes pedaços de vidro espelhado, que esfacelavam-se contra meu corpo. Pasma e sem ação, ela exprimia um inesperado assombro e um completo e impotente horror. 

Eu me libertava dela, finalmente, sem emitir um som, sem sentir qualquer traço de medo. Agora era eu quem sorria, vitorioso, vendo o piso de cimento gasto da calçada aproximar-se rapidamente de meus olhos. Mergulhara contra a morte certa e já me sentia aliviado… Ela perdia a guerra, afinal… 

Não sei se foi impressão minha ou não, mas pareceu-me ainda tê-la ouvido gritar, à distância, enquanto eu caía: “Mas eu sou feita de ti”… 

Uma forte e súbita pontada de dor cingiu-me o corpo e, então, tudo ficou escuro… Seguiu-se então, uma paz extraordinariamente silenciosa…

***

Um flash de luz muito brilhante atingiu-me o rosto. Meu primeiro pensamento foi que eu havia morrido e ido parar num mundo excepcionalmente iluminado e quase silencioso. Pisquei os olhos bem devagar. O tal mundo não era tão silencioso, afinal. Havia um bip intermitente que me incomodava. Minha visão começou a acostumar-se com o excesso de luz e pude mover um pouco a cabeça para o lado. Percebi então que havia sido apenas um raio de sol, que entrava por um espaço aberto entre as persianas e agora desenhava uma estreita faixa de luz contra a parede branca, na cabeceira de uma cama de tubos metálicos, também pintados de branco, onde eu estava deitado. 

Que lugar era aquele, afinal?

Eu estava confuso. Ao olhar à volta, percebi que não reconhecia aquele aposento onde me encontrava. Ao focar melhor minha visão sobre meu corpo, notei largas bandagens em volta do meu tórax, facto que me trouxe mais próximo da realidade. Quase automaticamente, passei a mão à cabeça e senti que boa parte dela também estava coberta de gaze. 

Ainda tentei sentar-me, mas uma não desconhecida e aguda dor no corpo impediu-me de fazê-lo, completamente. Senti uma gota de suor escorrer-me da fronte, pelo rosto, até pingar ao meu lado, no travesseiro. O esforço talvez houvesse sido demasiado... 

Foi quando vi que havia uma sonda introduzida na veia do meu braço, que o bip começou a tocar mais rapidamente…

Uma jovem mulher loira, vestida de branco, com olhos incrivelmente azuis, exibindo uma expressão adoravelmente doce no rosto, olhou-me com complacência e pediu-me que não me esforçasse demais.

- Fique calmo, disse-me ela. 

- Como eu vim parar aqui? Minha voz estava irreconhecível. Baixa e rouca, quase um sussurro, saindo com um grande esforço...

- O senhor é um homem de sorte. Esteve em coma por muitos meses. Ninguém pensava que ia sobreviver. Sofreu uma queda muito grave. Partiu muitos ossos, mas por algum milagre não foi a cabeça que bateu primeiro contra o chão e conseguiu-se recuperar o que se pode. Os médicos neurologistas vão gostar de saber que acordou. Acredito que o ortopedista também - acrescentou, com uma risadinha… o senhor sabe como aconteceu o acidente? Tem um processo de investigação correndo. A polícia veio várias vezes, mas acabaram desistindo. Já não veem. Um investigador pediu que o avisássemos se… e quando… voltasse a si.

- Investigador de polícia? Por quê?

- Não sei dizer ao certo. Deve ser por causa do tal processo. Eu sou somente uma enfermeira, o senhor sabe… Eles são óptimos para fazer muitas perguntas, mas nos informam muito pouco…

- Sei… Veio mais alguém?

- Só um agente de seguros. Que eu tenha conhecimento, mais ninguém. A esta altura, eles vão ter uma surpresa ao saber que voltou a si. 

-Oh, não, por favor. Não os chame…

- Sinto muito, senhor. São ordens estritas. Eu tenho que reportar. O seu caso deu muito o que falar por aqui. Não é possível fingir que nada mudou… é um milagre o senhor estar vivo e consciente novamente.

Fechei os olhos com força. Aquilo devia ser um pesadelo. A jovem enfermeira deve ter lido nas entrelinhas e disse que ia deixar-me descansar. No que pareceu-me cerca de alguns instantes depois, apenas, abri os olhos novamente e vi um homem de meia-idade e outro mais jovem conversando em voz baixa, ao lado da cama onde eu estava deitado, ainda sem poder mover-me propriamente. O efeito dos analgésicos devia ser forte, pois não tinha muita noção do tempo em que estive com os olhos cerrados. Pareciam minutos, mas poderiam ter sido muito mais…

- O senhor sabe como aconteceu o acidente? 

Déjà-vu. A mesma pergunta outra vez. Ou fala-se a mesma língua repetidamente por aqui, ou perdi completamente a noção de realidade. Será que minha mente está a pregar-me peças? 

O homem mais maduro iniciava a interlocução. Devia ser o tal investigador. Avaliei-o, calmamente e com cuidado. Percebi que estava trajando um blazer de tweed cinza e calças num tom mais escuro… grafite, provavelmente… mas na minha concepção a camisa deveria ser branca, não aquele tom esquisito de salmão. Deve ter sido sugestão da mulher, pensei. Vi uma grossa aliança no dedo anelar da mão esquerda. Provavelmente escolha dela também… As mulheres optam por comprar alianças grossas… pesadas… decerto para marcar bem a posse sobre os maridos, frente às outras… Como é que ainda penso nestas coisas, numa situação destas? Quase ri de mim mesmo.

- Não estou muito certo, disse eu com a voz estranha, que parecia vir da garganta de outra pessoa.

- Pense… Havia mais alguém no apartamento junto consigo? Alguém que o pudesse haver empurrado?

Eu tentei rir, mas minha cabeça doeu. Era isso, então? Tentativa de assassinato, de suicídio ou um terrível acidente… Por isso a polícia estava envolvida…

- Não havia ninguém comigo. Por que alguém iria querer me matar? Eu vivo sozinho e não tenho ninguém por mim. Esta suspeita é ridícula.
 
- O senhor tentou suicídio?

- Esta é mais ridícula ainda, investigador. Eu tenho uma vida apática e pouco colorida, mas não vejo razão para tentativa de dar cabo da única coisa que é minha, por direito. Não, eu não tentei matar-me, tampouco… Foi um acidente. Um infeliz acidente. Eu devo ter tropeçado e caído contra a janela. Não lembro bem…

- Eu não mencionei a queda contra a janela, senhor. Quer dizer que lembra-se de haver caído?

- Não consigo recordar direito. O que me vem à memória parece estar muito envolvido em uma espessa nuvem de dúvidas e incertezas – imagens desconexas, que não consigo juntar em algo coerente. Mas esta investigação não faz sentido. Arquivem isto… não há caso de polícia aqui… pelo amor de Deus… quando muito, foi um infeliz acidente.

- O senhor tem seguro de vida, mas não tem beneficiários. O valor do prémio é considerável…

Desta vez foi o homem mais moço que falou, com voz baixa. Devia ser o técnico da Seguradora.

- E onde isso nos leva? Se eu morresse, ninguém seria favorecido, não é mesmo? Mas eu estou vivo… ou não estou, afinal?

Eu estava ficando exaltado e irritado. O bip começou a ficar mais rápido. A enfermeira pediu que eles se apressassem para que eu pudesse descansar. Já havia tido muita agitação para o mesmo dia.

- Pelo visto não leva a lugar nenhum... mesmo….

O rapaz pareceu desapontado. Viu-se num beco sem saída…

Fechei os olhos. Eles desistiram, não muitos segundos depois, despachados pela jovem enfermeira que insistia que saíssem. Adormeci em seguida… um sono pesado, recheado de flashes estranhos de memórias desconexas, sob o pesado efeito dos medicamentos a gotejar, sem parar, nas minhas veias do braço já bastante perfuradas.

Passei uns tempos entre sonhos, pesadelos e uma sonolenta realidade. As semanas correram vagarosas naquela branca cama de hospital. Minhas visitas ficavam limitadas às enfermeiras e ortopedista, ao investigador de polícia e ao jovem agente de seguros. 

Estas foram espaçando cada vez mais e por fim, apenas a enfermeira de olhos azuis ainda me dispensava alguma atenção, além do ortopedista e, por fim, também de um fisioterapeuta.

Para meu alívio, havia sido esquecido, de vez, por meus não desejados visitantes usuais, que provavelmente resolveram arquivar o caso. 

Minha recuperação fora surpreendente, de acordo com os médicos, embora eu ainda sentisse algumas dores pelo corpo. Ser escravo dos analgésicos, apesar de aquilo começar a ser cada vez mais esporádico, não me preocupava. Ainda não havia podido levantar-me sem supervisão completa, mas esperava que não fosse demorar muito até voltar a ter uma vida razoavelmente normal. Quando o fiz e consegui dar uns passos, sozinho, meu andar já não era o mesmo, mas era um grande progresso – um verdadeiro milagre.

Deixei o hospital numa ensolarada manhã de sexta-feira. O apartamento estava quase do mesmo jeito que outrora. A janela destruída havia sido reposta e não havia sinais evidentes do acidente. A diarista havia estado lá, a limpar e preparar o ambiente, por minha solicitação. 

Voltar ao lar, todavia, causou-me uma certa estranheza. Estivera longe dali por muito tempo e aquilo era como recomeçar minha vida... 

Respirei fundo e percorri, vagarosa e silenciosamente, o corredor na direcção da suite. 

Já sentado na grande cama, no bem-vindo sossego do quarto, ponderei sobre minha sorte e concluí que era bom estar vivo, afinal de contas. Eu me sentia como um sobrevivente.

Estava um pouco cansado, pois não havia dormido suficientemente na noite anterior, ansioso que estava pelo dia que viria a seguir. Precisava urgente de uma boa, longa e confortável duche de água morna, coisa que não fazia, por minha inteira conta, há muito tempo. Aproveitei a ocasião e dirigi-me imediatamente ao banheiro.

Antes de entrar no chuveiro, porém, olhei-me no espelho - este, também reposto -, avaliando as grandes e profundas olheiras que me decoravam a abatida face. Não houve grande surpresa ao despir-me e observar meu corpo reflectido. O tempo de convalescença, depois de acordar do coma, preenchera um pouco meu aspecto, mas não a ponto de engordar. Apesar de bastante magro, ainda, eu estava fisicamente bem. Minha pele apresentava-se extremamente pálida, marcada por uma série de cicatrizes feitas por densos arranhões paralelos, impressas profundamente em boa parte do peito e do abdómen…

Desviei os olhos, um tanto consternado e entrei no duche. A água morna encheu-me de satisfação e fez-me relembrar de lances passados. Aquilo havia sido um descomunal - e terrivelmente longo - pesadelo. Felizmente acabara. Meu plano havia dado certo, apesar de não contar, na verdade, que eu fosse, afinal, sobreviver. Minha intenção primeira era matar-me a mim mesmo e livrar-me dela, de uma vez por todas…

Sequei-me, cuidadosamente. Ainda passei os dedos sobre as várias cicatrizes desenhadas na pele. As antigas marcaram-me a fase de loucura e desatino que me controlou por tempos. As novas registavam sinais de uma grande batalha, que estava, finalmente, vencida. Balancei a cabeça, com uma certa melancolia, pendurei a toalha no toalheiro e saí, calmamente. 

Ao cruzar a soleira do banheiro, pareceu-me ouvir uma risada… histérica… velha conhecida minha… 

Parei a meio caminho - meio desacreditando que realmente a ouvira, meio sentindo-me ainda desconfiado - … Um arrepio percorreu-me o corpo todo…

Não… deve ter sido somente impressão minha, mesmo… pensei, sem muita certeza de haver-me convencido e, sem virar-me, continuei a caminhar para o quarto, evitando - de todas as formas - voltar a olhar para qualquer espelho.

Ao sentar-me na cama, senti algo roçar-me suavemente a pele da face. Levantei os olhos e contemplei a imagem no espelho do quarto, pendurado na parede à minha frente.

Ao meu lado, sorrindo, havia uma jovem mulher loira, com olhos incrivelmente azuis, exibindo uma expressão adoravelmente doce no rosto e com o corpo estonteantemente sensual, coberta apenas por um finíssimo e transparente véu negro…



domingo, 20 de janeiro de 2013

Mirrored soul


I look in the mirror

And see your deep green eyes

Slowly haze into mine …

Your life reflected

Into my past,

Your emotions reflected

Into my heart,

Your pain reflected

In my soul,

Like life repeating itself

In the life of one other,

Who has so much still

To live ahead…

Your heart,

Which yearns

- So much

And for so long -

For a moment of peace

And silence,

Becomes, then, one

With my own heart

And with my own silence…

And your soul,

For an obvious reason,

Becomes one with my soul…

And from that moment in time

You, too,

Become one

With me…

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Da Imagem No Espelho... (Parte 2)


Deitado no quarto, a olhar para o escuro à minha frente, eu tentava assimilar o que se passara, de modo a resolver, aceitar ou mesmo livrar-me daquela situação a que fora envolvido, mas não via como chegar a nenhuma saída. Eu estava aborrecido e intrigado com os estranhos incidentes da noite anterior. Meu peito ainda ardia bastante. Os músculos do pescoço estavam rijos e formigavam, numa sensação muitíssimo desconfortável, quase a queimar.

Passei a mão no rosto e senti, ainda a latejar, o calor da bofetada merecida que levei e aquilo me fez sentir vergonha, muita raiva e, por incrível que pudesse parecer, uma vontade de rir daquilo tudo, numa mistura de sentimentos que se contradiziam naquele momento.

Um pensamento bizarro passou-me pela mente e eu não cheguei a estranhar tê-lo deixado formar-se completamente. Estaria eu a gostar do inusitado encontro com aquela estranha mulher que, surgindo do nada, resolvera seduzir-me, saciar-me e, ao mesmo tempo, assustar-me com uma ameaça à minha liberdade de escolha?

‘Não. Não podia ser.’

Sacudi a cabeça, como se aquela atitude pudesse desfazer o pensamento amalucadamente conclusivo que acabara de ter.

‘Estava realmente esgotado. Devia ser isso’.

Ainda tentei organizar as ideias, procurar uma explicação, uma forma de enfrentar minha desvairada aparição, mas o cansaço venceu-me o propósito e acabei adormecendo em pouco tempo, sem que alguma resolução acendesse uma luz à qual pudesse me apegar.

Ao acordar, na manhã seguinte, se não fossem as marcas dos arranhões ainda a decorar a pele do meu peito e tórax, teria deixado o incidente passar em branco. Acreditava que os afazeres do dia ocupariam minha cabeça e em pouco tempo tudo seria esquecido. A realidade e a rotina quase me enganaram.

À noite, já recostado confortavelmente em grandes travesseiros, na cama king size, eu folheava uma revista, pois não tivera paciência para assistir TV e não conseguia concentrar-me suficientemente para ler algum livro. Estava praticamente preparado para dormir o sono dos justos. O ‘abat-jour’ sobre o criado mudo ainda estava aceso, mas as demais luzes do apartamento estavam apagadas e a música no computador devidamente desligada.

Por algum inexplicável motivo, meu olhar desviou-se para o espelho. A cena era, de uma maneira única, completamente fascinante. Como numa janela para outro mundo, eu via a mim próprio recostado na cama, mas não estava só. Uma mulher morena, bela como somente ela podia ser, entrava em cena e aproximava-se, aconchegando-se ao meu lado. Vi-a abrir um sorriso, naquela sua maneira encantadora e, achegando-se mais, beijar-me a face. Seu beijo era suave como um leve sopro sobre a minha pele. Não escondi o prazer que senti, com um baixo gemido e fechei os olhos, por um momento.

Ela, então, tomou as rédeas do meu controlo, meu desejo e minha vontade. Percebia que eu gostava do que me fazia, mesmo que eu o quisesse negar. O espelho dava-lhe vida e minha aceitação estimulava-lhe a ousadia. Ela foi paciente, atrevida e uma verdadeira mestra na arte da sedução... até além do que eu podia esperar.

Admiti secretamente que aquela novidade me atraía e ela aproveitou-se da nem-tão-pequena brecha que abria em minha sanidade. Parecia ler minha mente com precisão e sua arte garantia um crescendo de sensações no meu corpo.

Eu sabia, com certeza, que aquela aparição estranha, que me visitava e, sem pedir permissão, tomava posse do meu prazer e da minha vontade, desmantelando - entretanto -completamente a minha coerência, fazia-me um certo bem e trazia-me um invulgar conforto.

Não sabia, entretanto, se era a aventura, o gosto pelo desconhecido, o inusitado da situação ou a loucura que se apossava de mim, que a fazia sentir-se bem-vinda para invadir minha noite, uma vez mais e para bagunçar, completamente, minha parca, mas ainda resguardada, saúde mental.

Eu caía num abismo perigosamente sombrio, voluntariamente. Aquela demência parecia competir bravamente contra minha razão, levando já uma vantagem de mais de um corpo inteiro e tomava conta, a largos passos, da minha tão preservada sobriedade…

A partir dali, deixei-me levar pelas visitas nocturnas da mulher morena. Passei a ter duas vidas separadas. Uma no silêncio do apartamento, em que apreciava a dilecta companhia de minha linda, trigueira e sensual abantesma e outra, da porta para fora, quando enfrentava um mundo real, sem muita graça e sem coloração definida, além de uma tonalidade levemente desbotada e monocromática de luz e sombra sépia... e pelo meu entendimento, pouca luz e muita sombra…

Eu já havia vivido sozinho por demasiado tempo, com minhas – não poucas - manias e neuras, algumas vezes criando novas e outras aferrando-me às antigas, transformando minha tranquila vida de outrora num exercício de puro distúrbio obsessivo compulsivo. Havia experimentado, até então, uma vida comum e sem grandes emoções. Minha rotina era absolutamente previsível. Por trás daquela aparente insipidez, entretanto, tinha um extremo cuidado com meu corpo e havia assumido atitudes cada dia mais hedonistas, narcisistas e egocêntricas, que alguma vez havia tido. Do lado de fora, o que fazia era vestir uma couraça protectora, afastando influências não desejadas à minha existência, sabendo que era o único a prezar pelo meu próprio bem e pela minha privacidade.

Dei-me conta que não tinha com quem dividisse minhas preocupações, caso algo ruim me acontecesse, mas também não tinha com quem celebrar minhas vitórias e alegrias, se eu porventura as tivesse.

A concha onde me refugiava era bastante sólida e resistente e, embora não fosse desmedida, tinha um enorme espelho pendurado numa parede vazia, numa ampla sala de estar, onde me examinava com cuidado e com olhos excessivamente perfeccionistas.

O espelho, todavia, tinha seu próprio segredo… vivo e vívido demais para ser ignorado. Era como um universo separado, uma outra dimensão, um filme que desenrolava-se lá dentro, no qual eu era um dos dois - únicos - personagens. Da minha parte, eu, com certeza, não estava determinado a colocar rédeas naquele mundo secreto de prazeres.

Passadas algumas semanas daquela loucura, minha obsessão estava cada vez mais acentuada e eu deixava os dias passarem quase em branco, rotineira e desinteressadamente. Recebi uma reprimenda do chefe pela pouca consistência e capricho no trabalho que fazia e pela falta de comprometimento que eu passara a ter nos últimos tempos. Fingi ficar aborrecido com aquilo e prometi ser mais cuidadoso.

Mentia para ele e, para mim, fazia de conta que acreditava no que dizia, mas resolvi tomar mais cuidado, para não perder o emprego, que era o único que eu tinha e que ainda sustentava minha vidinha insossa.

Minhas noites, entretanto, passaram a ser cada vez mais quentes e já não havia mais censura para o meu desejo, que assumia proporções nunca dantes atingidas. Eu me deixava levar pela sensualidade impudente de uma personagem que tomava cada vez mais tempo e espaço dentro da minha vida. Algumas vezes, nem me preocupava em alimentar-me direito, pela urgência que sentia em buscar aquele prazer libertino. Estava, irremediável e decididamente, viciado….

Certo dia, como passara a ser rotina aos funcionários de mais de quarenta anos de idade, fui chamado ao consultório do médico que atendia a empresa. Eu sabia que aquele tipo de consultas não levava à muita coisa, pelo tipo de Plano de Saúde que tinha. Fui tranquilo ao apontamento marcado para o final do expediente. Ao chamar-me, o médico levantou uma sobrancelha, como quem desconfia de algo. Não me intimidei e entrei no consultório, respondi às perguntas regulares, sobrevivi bem aos exames habituais e saí com uma lista de outros a fazer, para apresentar os resultados uma semana depois.

Passado aquele tempo e já com os papéis em mãos, voltei a sentar-me em frente ao homem vestido de branco, que trazia um auscultador sempre pendurado no pescoço, como se fosse uma medalha de honra ao mérito. Ele examinou cuidadosamente os documentos mais que uma vez. Levantando o sobrolho - um tique que eu aprendera a perceber, como sinal de desaprovação - ele pigarreou e disse-me que, sinceramente, esperava um resultado diferente.

- Diferente em quê?

Minha pergunta fora ingénua. Ele deu um longo suspiro.

- Esse seu aspecto físico actual pareceu-me esconder um grave problema a nível glandular ou algo como diabetes, mas os resultados estão perfeitamente normais. Eu estou preocupado…

- Não percebi por que, doutor…

- O senhor está muito magro e pálido. Parece-me bastante adoentado. Vou solicitar uma bateria mais completa…

Eu não o deixei acabar a frase. As suspeitas eram absurdas e somente eu sabia a verdadeira razão. Até então eu não havia me dado conta do que o médico chamara-me à atenção. Muito pálido e magro… logo eu, que sempre fui tão saudável... Do que ele suspeitava, afinal?

- Eu nunca estive melhor! Sinto-me rejuvenescido e bastante activo fisicamente. Nem me questione como me sinto sexualmente, doutor… Nunca estive melhor!

Ele olhou-me meio incrédulo. Acomodando-se melhor na cadeira, colocou as mãos cruzadas sobre a mesa e falou baixo, mas firmemente.

- Não é o que me parece, nem o que seu chefe me disse. O seu trabalho está aquém do esperado e sua apatia cada vez maior. Foi o que me foi pedido que verificasse, pelo menos a nível físico. Se não há um problema físico, existe algo que o incomoda psicologicamente?

E agora? Digo algo... ou mantenho a farsa? Se disser a verdade, ele vai mandar-me ao manicómio, com toda a certeza…

- É somente uma fase, doutor. O stress do trabalho tem-me afectado… e o calor não ajuda, tampouco.

Menti descaradamente. Olhei-o sério e com firmeza, como um grande actor. Queria que ele desistisse, mas o sobrolho continuava levantado. Resolvi que precisava dar uma cartada decisiva.

- Vamos fazer um acordo. Eu prometo que vou alimentar-me melhor, tomar umas vitaminas, andar ao sol e caprichar no trabalho. Em um mês, volto aqui e conversamos sobre minha saúde. Que tal?

Ele desistiu. Colocando as duas mãos abertas sobre a mesa, disse-me, com um tom impaciente o suficiente para me deixar em alerta:

- Feito! Mas não pense que isso vai passar em branco. Vou receitar umas vitaminas e um fortificante…

- Remédio para crianças, doutor?

Ele não sorriu da minha ironia. Apenas rabiscou umas garatujas no bloco próprio, entregou-me a prescrição e levantou-se, adiantando a mão para despedir-se. O apontamento estava terminado, para meu alívio. Saí o mais rápido que pude, sem estender-me mais em qualquer tentativa de conversa.

O consultório ficava no décimo segundo andar. Ao entrar no elevador, olhei-me com atenção no espelho do mesmo. Incrível como a maioria dos elevadores modernos tem um espelho, pelo menos, como parede…

Pela primeira vez em algum tempo e por um momento consideravelmente longo, prestei atenção ao que via em mim. Perguntei-me, silenciosamente, há quanto tempo olhava sem realmente ver… O médico tinha razão. Eu estava pálido e muito emagrecido, parecendo adoentado. Não foi à toa que ele mandou-me fazer tantos exames. Aquele homem que eu via em mim, anteriormente, quando tinha uma preocupação extrema com o corpo, havia-se transformado em uma descorada imagem, com aparência nada saudável. Eu estava drenado de energia, sem o viço de outrora nos cabelos e na pele e apresentando profundas olheiras escuras, para meu próprio assombro…

Minha avaliação e surpresa foram interrompidas pela chegada ao andar térreo, quando a porta abriu-se e algumas pessoas me olharam, esperando que eu saísse, para que pudessem entrar. Ao caminhar para fora, pareceu-me haver ouvido uma risada feminina conhecida…

Não foi preciso uma análise crítica muito detalhada, para dar-me conta que minha vitalidade só podia ser drenada pelas tais visitas nocturnas. Enquanto eu parecia cada vez mais debilitado, ela parecia mais deslumbrante cada vez que a via. Alimentava-se do meu vigor, com certeza – uma energia que eu cedia-lhe gratuita e voluntariamente e, ainda, com o maior prazer.

Mas meu aspecto visual incomodara-me, não somente pelo acordo que fizera com o médico, mas pelo susto que levara ao enxergar-me, como deveria, depois de tanto tempo. Era como se uma venda houvesse sido retirada de meus olhos. Eu reconhecia, naquela hora, que precisava tomar uma atitude séria… e tinha que ser urgentemente.

Naquela mesma noite alguma coisa mudou. Não senti o prazer de sempre em nosso encontro. Pelo espelho pendurado na parede do quarto, vi que ela estava estonteante, linda, viçosa e ousada, mas eu apenas reagi fisicamente – preocupado que ainda estava pelo abrir de olhos que havia tido logo após a consulta médica.

Ela percebeu a diferença no meu comportamento e perguntou-me se havia algo errado. Disse-lhe apenas que estava muito cansado. Adormeci, pesadamente, sem dar-lhe muito mais conta do que se passava.

Sonhei que alimentava, com meu próprio sangue, uma fonte de energia ligada ao corpo de um monstro em forma de mulher. Parecia um filme de horror de terceira categoria, em preto e branco, numa abominável e estranha versão de um Frankenstein feminino. O sonho incomodou-me a noite inteira, especialmente, quando mostrou-me que a tal fonte de energia secava rapidamente, ao alimentar a pujança do monstro, que levantava-se da mesa de experiências e atacava seu criador enfraquecido…

Foi quando ouvi as gargalhadas histéricas dela ecoarem nas paredes da casa, que acordei em alvoroço, suando muito. Confesso, sem vergonha de admiti-lo, que senti medo.

Eu, particularmente, não acredito no poder destrutivo nem torturante dos pesadelos. Todavia, um homem tem que saber perceber seus próprios mecanismos mentais de comunicação subconsciente e os sonhos fazem parte destes. Se era um reflexo do meu desespero, desejo de atenção ou uma latente psicose, eu não tinha certeza, mas aquilo começava a afectar-me o equilíbrio e o controlo.

Tentei voltar a dormir, mas demorei a pegar no sono outra vez, numa madrugada que pareceu interminável e cheia de reflexões preocupantes sobre o meu futuro. Ao desvendar a mensagem, quase por acaso, percebi que aquela havia sido bastante clara…

Na manhã seguinte, ao ficar de frente ao espelho para barbear-me, avaliando meu aspecto cada vez mais decrépito, vi que ela aproximou-se e recostou a cabeça sobre meu ombro, olhando-me com seus olhos de triunfo e desejo. Franzi a testa, mostrando uma certa irritação, ainda pensando no sonho que tivera, mas ela disse, com voz baixa e melosa, muito próxima de meu ouvido:

- Vamos lá. Não fique assim. Nós nos damos tão bem… Tu sabes quem eu sou. Posso não ter um corpo fisicamente palpável e ser somente uma imagem no espelho, mas tu sabes que meu único prazer é te dar prazer… Tu me vês como tu queres. Sou o mais real reflexo de um desejo teu. Eu sou parte de ti…aquela mais obscura e secreta que há… Eu sou totalmente feita de ti… e para ti...

A sintaxe engraçada me fez rir e ela aproveitou-se da deixa.

Passou-me os lábios no pescoço, provocante. Fechei os olhos, sentindo um conhecido calafrio percorrer-me a pele. Ela me controlava e sabia perfeitamente como fazê-lo. Passou o braço pela minha cintura e puxou-me de encontro a ela. Beijou-me com volúpia. Meu corpo respondeu imediatamente ao contacto com o dela. Ela me conduziu ao chuveiro, onde usou todos os seus talentos de sedução, deixando-me quase sem fôlego e sem determinação para sair de onde estávamos. Exercia novamente uma cruel e lúbrica soberania sobre minha vontade e minhas reacções – todas elas, tanto as voluntárias quanto as involuntárias.

Fechei os olhos e passei apenas a usufruir das sensações que meu corpo enviava ao cérebro que, por sua vez, passava a um estranho estado de consciência, entre delírio e realidade e que culminava em um prazer espasmódico e fisicamente descontrolado.

Atrasei-me, obviamente, para o trabalho, o que colocou-me em situação bastante delicada novamente. Ao invés de uma de suas costumeiras broncas, o chefe perguntou-me o que estava acontecendo comigo, dizendo-se preocupado com a conversa que tivera com o médico a meu respeito.

‘Aquele dedo-duro’, pensei comigo mesmo. Aleguei-lhe, então, que precisava de descanso e que seria adequado tirar uns dias de folga. Sob o pretexto que precisava mesmo cuidar da saúde, pedi férias ao meu superior hierárquico. Ele concordou que era a melhor solução por ora.

Na visita daquela noite, eu disse-lhe que não a queria. Menti-lhe que não estava disposto. Estava cansado, preocupado e um tanto irritado. Lutei contra meus próprios desejos e minha total ausência de controlo. Senti que suas mãos estavam-se bastante frias, enquanto brincavam em meu corpo. Embora estivesse decidido a resistir… pelo menos o máximo que eu pudesse ou conseguisse, meu corpo traiu-me, com uma clara evidência a olhos... e todo o resto... nus.

Aquela mulher não era nada tola e sabia quando tinha uma disputa vencida. Com as pernas abertas e ajoelhando-se à minha volta, alojou-se sobre meu corpo, provocantemente. Pelo reflexo, vi sua belíssima face transmutar-se com uma expressão de puro deboche, que exibiu, por sentir-se senhora absoluta da ocasião. Então, deu uma gargalhada estranhamente insana.

Foi aquele toque de crueldade pouco subtil que me fez comportar contrariamente às reacções evidentes de meu corpo. A batalha não estava perdida… ainda…

Daquela vez, ao invés de sentir prazer, eu senti um misto de pânico e repulsa… e ela notou imediatamente, quando evitei sua tentativa de beijo.

Quando sentiu que eu manifestara uma pouco disfarçada ojeriza pela sua presença, seu toque frio e sua estranha performance, sua cólera aflorou e ela transformou-se num animal ferido e portanto, fustigado e perigoso. Ainda visualizei, pela imagem no espelho, a mulher levantar a mão direita, com suas unhas afiadas em riste…

Ao vê-la preparar-se para atacar-me, saltei da cama e, com um gesto rápido e ao mesmo tempo desesperado, passei a mão no ‘abat-jour’ ainda aceso e joguei-o contra o espelho. O candeeiro soltou-se da tomada,  atingiu e partiu o alvo em muitas dezenas de pedaços. O som do vidro a espatifar-se contra o piso do quarto não me deteve. Instintivamente, mesmo envolto em quase completa escuridão, corri para o único cómodo onde não havia espelhos na casa: a cozinha.

Ofegante e ainda sem acender a luz, fiquei a ouvir, atento e com os nervos à flor da pele, os estranhos sons na casa.

Outra gargalhada histérica ecoou em alto e bom som pelas paredes. Passos, sons de unhas a arranhar o vidro, respiração arquejante, risadinhas intimidadoras… a casa parecia ter ganho vida contra mim.

Empurrei a porta da cozinha e tranquei-me lá dentro. Ela deu um grito esquisito e então tudo ficou em silêncio… um silêncio torturante e ameaçador, ao mesmo tempo.

Acocorado a um canto, alojei-me no escuro aposento - atormentado e assustado demais que estava, para sair dali. Meu cansaço, entretanto, abria brechas em minha vigília, de vez em quando e eu cochilava, para em seguida acordar-me em sobressalto, com a impressão de estar sendo atacado. Esperava que o amanhecer trouxesse um pouco mais de segurança, de modo que pudesse sair da minha reclusa cela.

Eu estava sitiado em meu próprio território – minha valiosa zona de conforto – ou o que meu apartamento havia sido até então…

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Vida



Se for sol,
Que eu seja calor;
Se for chuva,
Que eu seja rio;
Se for vento,
Que eu seja uma pluma,
Que se deixe levar;
E se for terra,
Que eu seja, somente,
Uma pequena semente…

sábado, 29 de dezembro de 2012

Milagres...


…E ao ouvir tua voz,
Assim tão familiar e,
Ao mesmo tempo,
Tão além 
Do meu campo
De visão,
Do calor do meu corpo
E do meu abraço,
Minha própria voz me falta
E meu coração se alvoraça,
Como um bando de pardais
A levantar voo,
Numa morna tarde
De Verão.
Minha emoção assenhora-se
Da minha razão 
E flui,
Livre
E arrebatada,
Para além de meus olhos,
Como um rio
Que, serpenteando
Por verdes vales,
Vai desaguar
Nos braços
Do oceano…
E enquanto, assim,
Tão distante de ti,
E suspenso
Entre o delírio,
A saudade
E o desejo
De te rever,
Sinto,
Por vezes,
Que já nem pertenço
- Mais -
A mim somente…
Só então compreendo
Que, enquanto eu contemplava
Asas nascidas
Em costas alheias,
Não percebia
Que era o teu carinho
- E tão-somente ele -
Que permitia a mim
O milagre
- Único -
De tirar os pés do chão
E alçar meu próprio
Voo…

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Pride of Lions - An Adventure in the Bush


The Reserve open top truck stopped in the middle of the open savannah in the twilight of a mild November Tuesday. As the afternoon light turned slowly down to dusk the most daring wild animals started coming round for their daily hunting routine.

A little black-backed jackal was the first one coming closer to the truck and we just kept silent as the animal approached quietly, almost curiously. That was normal practice in the bush: to be as quiet as possible, so to allow the local fauna to live their own lives as near to normality as possible, without any human interference. To my surprise, the canid was smaller than I thought it would be, from my admitted poor knowledge taken from reading encyclopaedias or watching the Natural Science channel on TV. It was alone or so it seemed to us. I thought they hunted in packs, so I assumed that one was the leader and it was ahead of the group, so to signalize with a characteristic yelp when sighting signs of prey.

A sudden click followed by an indistinct sequence of short sentences in the ranger handheld transceiver scared the shy jackal away. A message was coming through. From our part, we had to make a good effort to try and apprehend the meaning of the radio communication exchanged. For a moment it seemed to me I was playing a role in one of those American films where the park rangers had a radio conversation between them and no one around would understand a word.


Not so many hours before, we parked the white Volkswagen Jetta by one of the rustic huts at the Nature Reserve situated almost at the borderline between South Africa and Botswana. It was a long drive from Johannesburg to the Reserve, but we were on holidays, anyway. Two couples travelling together and staying for a week in the bush, seeking a little rest and some contact with the nature. That was what we were. While we unpacked the trunk full of groceries and bags, we heard peculiar noises around the cabin where we were going to stay for about a week.

- Baboons, the host said. Careful with them, as they can easily attack you in search of food in the house. Lock the doors and windows, or else... well, you know...

We exchanged funny looks, trying to hide our concerns. The sentence did not really need to be completed. We certainly knew the consequences, from previous occasional advices.

It was early still, but we noticed the closer it got to the end of the day, the wilder and louder the noises became.

It was tradition to leave the lodge on a game drive by the end of the afternoon when the sun was sliding down the sky and the air was thus becoming fresher. When the daylight was waning, the wildlife would naturally be more effusive. The reason was that with lower temperatures and less light, the heat of the animals looking for food would go up. The preys would eventually go out of their hidings and so would the predators.

Large groups of springboks, gazelles, zebras and wildebeests, small families of giraffes and warthogs, heavy herds of buffalos and wild elephants had been spotted in some of our previous visits to the reserves.

In some instances we had experienced unusual encounters with wild animals in the country bush environment. South African wildlife is always very rich and vivid. Once in the wild, people are supposed to respect the animals, being in silence and staying away from their way, so they can live their lives in safety and as normal as possible. Most of them are used to the presence of cars and trucks stopped on specific sighting spots or the roads in the parks. People are advised and warned not to open their windows or doors or walk out in the bush, as wild animals are natural hunters and humans can be easy preys to lions, hyenas, baboons or any other hungry animal... Although most of the animals do not attack vehicles, baboons are always travelling in groups and use to jump onto or sit on top of them and try to find their way in. If they come inside, trouble is certainly one of the sad consequences, as they usually bite, scratch and might even kill, if opportunity allows it...

On one of the occasions, we had to drive away from an infuriated elephant which thought we were on the way threatening the safety of its family, mainly the very young ones. The larger member of the Big Five - a group of animals in danger of extinction - stopped in the middle of the road, turned to us and flapped its big ears, signalling that we should move away immediately. We were overwhelmed. As it did not see any reaction from us, it rushed against the car in order to eliminate the menace away from the group it was leading. It was then we learned elephants can be very dangerous if they feel their safety is being put in danger. They do not have natural enemies, as no other wild animal is strong enough to win a fight against them. Being big in the bush has its advantages. Men, however, are the only “animals” who would hunt them and could endanger the species.


Another click brought our attention back to the radio resting on top of the panel. The other rangers we had met some minutes before in the middle of the bush were asking assistance to follow a pride of lions they wanted to monitor the migration route in the park.

The truck made its way through the middle of the dry vegetation and we had to duck many times when it passed through the sharp thorns of the bushes. The driver, a ranger in his mid-thirties, with pale freckled skin and blond-ginger hair, seemed excited to help in spite of the bad mood his young wife at his side on the front seat expressed for the long time being waiting for him in the savannah late afternoon. Sitting on the back seats, two couples of young tourists, eager for a nice time in the South African bush and the taste for some mild adventure, become suddenly thrilled.

While we were on our way to the meeting spot, the radio kept on clicking and incomprehensible messages were exchanged between the group of rangers and our host. When we reached the clearing, there was an obvious excitement in the air. Although the tone of voice was very low, they were exhilarating.

A recently dead young ‘springbok‘ was bleeding in the fork of an almost dry tree. We could hear the sound of lions around us, attracted by the smell of fresh blood. The lights were out and dope loaded hunting rifles were directed to the tree bait.

There was a heavy silence in the air, but the atmosphere was a mix of expectancy and curiosity...

I was almost holding my breath, trying not to be the one who would give our position away to the beasts. We had to stand against the wind, so the pride could not detect our presence in the dark. The huge savage cats roared around. They were not surely only two or three.


We did not really feel in danger, as there were many weapons pointed around, but I kept myself very quiet sitting on the truck back seat. Two of the lions reached the dead gazelle but we waited for more to come. They were trying to drag the buck off of the tree fork.

A shot targeted to a large and strong female made her fall immediately, scaring the other animal away. The lioness still fought a bit, trying to move but the dope was strong and although a bit stubborn, the beast was rendered.

We immediately jumped out of the lorry and came around. The sound of the other lions roaring close to us made my spine chill. The vehicle lights were on now. One of the rangers told us not to touch the animal with bare hands, as they could carry too many unknown diseases. Rubber gloves were distributed so people could pat the sleeping animal.

I refrained from doing so, staying at the back of the group. I was definitely inappropriately dressed for a hunt. Besides the grey Bermuda shorts and a pale green t-shirt, I was wearing rubber soled flip-flops and, fortunately, a navy-blue nylon jacket.

The night was becoming colder and I longed for fire to heat me up a bit, but that would have to wait for long, I supposed. I did not pronounce my secret wish; just kept on looking at the people in silent curiosity and awe. There was a very sharp and long thorn coming up the rubber sole of my flip flops through the middle of my toes but I did not react, nor moved, nor talked. I slowly took it off and put the improper beach sandal back down underneath my right foot, without a word.

We heard the sound of the other savage creatures coming closer to where we were, roaring loudly, to announce their presence around us. Powerful flash lights were lit so we could stay safer for a moment and would have the lioness rolled over a large rectangular piece of canvas. Six men were needed to lift the enormous female up to the back of one of the trucks.

As soon as it was placed on, we heard a second shot. One of the guys put a young male down with a straight shot and we all held our breaths before we could run closer to the animal. The dart was still on its back leg when the strength left the huge feline and it slowly fell down on its side. It was approximately three years old and weighed more than two-hundred kilograms, said one of the men. That was indeed a nice strong male lion, an exceptionally beautiful specimen, although still smooth and without the sign of a mane around his head. That one male was more difficult to be placed on the truck where the other female was already.

Time passed by very quickly in the excitement of the night. Lights went out again as we heard the proximity of more members of the “panthera leo” family and they were not just but a few. We were back on the truck, a little safer and away from where the already torn bleeding gazelle was placed. When three more young lions were down, the others went away, not without protesting. The growls of the beasts were still too close to make us feel safe in the middle of the bush at that time of the evening.

The first two lions were carried out to another point in a smaller truck, where a group of rangers was already awaiting with their own paraphernalia, ready to take blood samples to be analyzed and categorized. We were left four of them to pack and take them later to the meeting point where they all were by then.

- Can you join in and help us with the other animals? We will need all the aid we can get, but you are free to say no if you do not feel comfortable in doing so. It is your call.

The ranger was serious. It was not a plea, but I knew he would not invite me if they did not have all that need of human force to assist them move the lions.

- Of course I help... I said, trying to be as casual as possible and hide my own excitement.

Greg, a friend of ours – who came with us from Johannesburg -was smaller and leaner than me and said yes. I would never say no. Besides that, I was thrilled enough to take my part in that play.

We were not in number enough to manage the situation without help anyway. The girls were sent back to the lodge. We did not want to put them in danger and we intended to be brief and go back as early as possible to have a well deserved supper with them.

Six men moving lions from the dusty ground to the trucks in a piece of canvas was not the only task we had to carry out. The more difficult part was to place them up into the dumping bed.

One by one, four young lions were placed on the open trunk, but our muscles started showing signs of stress as time went by. The last one was definitely harder to lift but we managed to put it lying perpendicular to the other three ones. There would be no place for us to be but in the back where the lions were already laying. When we climbed on the truck, the only places left for me and two of the guys were standing with our feet almost underneath the drowsy beasts. The last one had the mouth placed very close to by ankles and we could smell its bad breath from where we were standing.

The truck went ahead in the middle of the bush not respecting anything. Time definitely urged. The roads were practically inexistent and the lorry had to make its own to reach the path closer to the electric fence. We had to be as quick as we could and the driver was aware of the urgency of the situation. We did not know how much longer we could keep the animals put to sleep still cataleptic. When we reached the dusty road we felt a bump on the back.

One of the tires went flat. We jumped off as hastily as a flashing lightning. To my sense of time, it was the quickest change of tires I had ever experienced in my life. The guys did not have time to spend and we could be putting ourselves in danger. My ears were attentive to any movement or sound around us. We knew we might have been followed by wild angry lions in search of their feline buddies. We were no hunters, but they did not know that. We were humans and were keeping the members of their family as hostages, thus we were nothing more than natural enemies.

One of the guys pulled my arm when he saw me coming closer to the electric fence.

- Careful, he said. This can put a big man down.

I think he was trying to tell me I had no chance. I knew I was a small man compared to that huge South African man wearing the khaki ranger uniform and who was making me feel even smaller than I already was.

Back to the truck in about five minutes or so, we followed the sandy trail by the fence. The driver turned right again into the bush and drove hastily and carelessly to the middle of a clearing where he spotted some lights on. The night was fresh, moony and starred but those were undeniably artificial lights. I was afraid another tire would go flat, but that was not the overall fear in the group of men on board of that dark green lorry. I kind of felt a deep relief when I saw the lights ahead, where the other rangers were waiting for us. We were the last ones to arrive.

One lion was lying on the dry grass already. They were taking blood samples with what looked like a huge syringe and marking its back leg with hot iron, the way they use to do with cattle in a farm. The beast moved a bit and one of the guys ran to bring another injection of dope to keep the group at safe. How long it was there it was not really important, but we knew that we had to be quick. I was given a pair of rubber gloves by one of the veterinarian rangers.

Besides Greg, I was the other weakest ring of their chain. When we moved the first lion off the back of the truck I was told to hold its head firmly and aligned so not to let it break the neck if a sudden movement would make it fall to the side. I did not say no. Just took my position and embraced the huge heavy weighted head against my chest.

One by one the lions were carefully placed on the dry grass, one close to the other.

Next easy task for me was to rub a kind of ointment on the hot iron burned mark on the leg of the animals. The intention was to prevent infection and more unnecessary pain to the animals.

Greg had to be sitting on top of the “Daktari-like” van flashing the spotlight in all directions so to keep the wild animals off of the clearing where we were working at. We knew we could have been followed by the main pride.

Each lion was marked with a different symbol and two full syringes of blood were taken from their strong bodies. A nickname was given to each of them, noted in a pad, associated with the hot iron burned mark created by the rangers. I noticed two of them, a man and a girl, were veterinarians. After drenching the balm into the second back leg, my glove was torn, but I did no complain. Just knew I could not touch back any part of my body so to avoid any risk of infection. There was neither water nor food for us and I did not feel like peeing, so I was safe, for the moment.

One of the guys told Greg to keep the lights flashing around as he heard the sound of lions announcing they were coming closer. One of the animals growled and moved. My blood froze. We had to let it go. It was already marked and we had the blood samples stored. We’d better let it go.

I knew that time would come eventually but I expected we had it all set before the lions started waking up. That was not the case whatsoever. It started moving, trying to stand up in its still weak sluggish legs. But as I learned from cats, all felines are amazing animals; strong and persistent, they would never give up. The beast eventually got back on its four legs and looked at us.

The group was all alert, but the danger was imminent. I took a careful look around. There were no trees to climb up. All we had were the trucks and dry sharp thorn bushes. We had nowhere to run neither time enough to do so, if we were attacked.

A ranger climbed up on top of the van where Greg was holding the light with all his attention at the young male lion and quickly directed the strong beam to the animal eyes. The beast growled, stopped and then one of the guys shouted while another one shot the air to scare the lion, which protested, but did not move away. Maybe it was not strong enough and wanted to make us believe he was not as scared as we were. Maybe it was the real pride of the group – a leader of a sort.

The loud characteristic thud of the gunshot made the pride around the clearing react immediately. We heard the sound of roaring lions all around us and they did not seem to be pleased at all.

Our own beast was still staring at us, challenging the group of men to step ahead, as if we could or would dare. No one did. Neither did the big cat. Tension was heavy in the air when a second shot was heard and a third one soon after that. The beast objected with a snarl and turned around, running away from us to the opposite side into the dark night. It seemed the other members of the pride received the returning member with welcoming satisfaction as we heard the characteristic howls when it probably regrouped with the other ones.

By our feet we still had six lions almost waking up from an induced sleep. The burned marks on their members would not be welcome if they were sore by the time the wild animals woke up. We had to be quick.

Two more samples, hot iron cattle burning marks and some pad notes were taken on the last two young lions. The huge female which had taken the second shot of dope was still asleep in spite of the last dose being considerably smaller than the first one. Many attentive eyes were being kept around and I was quick to rub the ointment in the wounds. By that time the rubber glove was nothing but a faint version of the ones I got when we arrived at the clearing, but no one cared about it anyway.

One of the first lions which still drowsed on the dry vegetation was already moving its ear, breathing faster and slowly waking up. From our part, we started packing our things as quickly as possible. The flashlight was like police car lights flashing frantically all around the place. Greg was nervous... and so was everyone. Only the necessary instruments were still at hand when we finished the work on a most amazingly strong cat. Most of the guys were already ready to leave the spot when I put the protective balm onto the very last animal leg.

One by one the trucks left. We were last.

When I climbed the truck and took my seat on the back, it was long past midnight. I took a look around to where the lions were laying and saw the effect of the doping being over on most of them. The ranger said we should not wait any longer as the lights were not enough to keep the rest of pride away from the marked animals. That was evident when I looked ahead to the dark bush being illuminated by the truck lights and saw a pair of yellowish eyes flashing in our direction.

- Time to go, guys.

It was only then that I realized I was starving and feeling cold. The ranger came back to real life when I mentioned the simple facts of normal existence of mortals and said:

- We are going to be in big trouble for being so late and the girls are probably mad at us. They were supposed to have the supper prepared and be waiting for us a long time ago.

I have to confess that was not my first concern. I needed a bath, some clean clothes and a good hot meal. My stomach growled loudly. The truck was on the way to the lodge.


We were eager to tell the girls our adventures of the night and I imagined ourselves sitting around a campfire, eating a good coal roasted piece of meat and drinking some nice red and dry South African wine.

Little knew I that things were not as simple and straight forward as I wanted them to be. The girls had had their own adventure in the meantime.


When they arrived at the main house and dropped the hostess home, a wild elephant came too close to their truck and stopped at its back, impeding them to go backwards. For most of the people they are cute animals, but for those who had to run away from angry ones in the middle of the bush in another occasion, elephants were scary and violent contenders. Once they are angry, they would attack and step on anything they would find on their way. One would not want to stand on their path of destruction.

Afraid of the enormous danger standing behind the truck the girls had to wait in almost complete silence before they finally drove away to the hut. When the elephant was eventually gone, almost an hour had passed, but they were safe. With a sigh of relief, they headed to the bungalow where we were staying, some meters away from the main house. At that time of the night it would be dangerous to walk without someone to protect them, so they had to take the truck anyway.

Interesting fact was that no one in the house noticed the incident until they were told next morning.

A servant, who was designated to light the fire - so they could prepare the food on the ‘braai’ built on the outer area the hut, was patiently waiting for them to come. He lit the fire when they arrived and went away without saying many words. We learned some of them could not verbalize in English, so they would not try, particularly to strangers.

The meat was placed on the grill and not surprisingly the animals around immediately smelled the appealing scent of cooking meat. Monkeys started to get closer and making their presence be noticed by emitting loud scaring growls. Afraid of the attack of the wild monkeys, the girls ran inside the hut quarters. The meat was left unattended. The baboons made louder and wilder noises, as they came closer to the food. Feeling guilty for having lost a not started battle against the animals, in spite of their fear, the girls went out again, collected the still uncooked meat and locked themselves inside. Once in safety against the predators, they longed for us to be back in a little while, but that did not happen so soon.


By the time we arrived at the cottage, tired, worn out, starving and dirty, we were told there was no supper ready. They stated, with funny faces, the only thing we had to eat was bread and butter.

A bit disappointed, but not feeling strong or willing enough to complain, we decided to ask for details only after a good warm disinfecting shower and that was what we did. Showered and with clean clothes on I longed for a good hot meal but had to be satisfied with a roll of bread and butter, which was good enough for the time, but it was inadequate to the ones who expected at least some coal grilled meat.

It was the girls’ time to tell us what had happened that prevented them to wait for us with our evening meal ready. So, they told us all about their own incidental adventure.


We heard them with full attention, sometimes making comments, but feeling a bit guilty for not being there to support them. In the end and after some laughs, however, we realized that some bread rolls with simple butter spread on top was a very welcome meal at the end of the day anyway.

A proper “braai” would have to wait until the next day. At least the meat would have been marinated enough, thought I, on my way to bed, antecipating the taste of the meal and longing to tell them everything about our own adventure in the bush...