domingo, 25 de fevereiro de 2018

Pelo Litoral (Parte 4)


- Voltou a sangrar? 

- Sim. Eu devia ter apertado a bandagem mais forte. 

- Temos que dar um jeito nisso, mas sem levantar suspeitas. Se formos a um pronto-socorro, eles vão chamar a polícia. 

- Não há necessidade. É uma questão de tempo. Foi só um raspão. 

- Por sorte. Mas se infecionar, não teremos alternativa. 

- Não nos preocupemos com isso, agora. Vai ficar tudo bem. 

O rapaz de óculos assentiu, preocupado. Não era apenas um raspão. A bala havia entrado e saído, felizmente, sem atingir nenhum órgão vital, pelo menos aparentemente. Ainda assim era um ferimento de bala e podia infecionar. Foi o que eles ganharam por enfrentar homens armados, tendo como defesa apensa as roupas e pedaços de metal dentro delas.

Eles tinham que passar despercebidos, por isso o ferimento tinha que estar contido, ou, então... 

E eles já não tinham certeza de nada… 

*** 

- Incompetentes. Estou rodeado por incompetentes! Como é que três dos meus seguranças, escolhidos a dedo, por serem os mais habilitados, deixam escapar dois rapazes daqueles. 

O chefe da Segurança não respondeu. Sabia que o homem não ouvia ninguém quando estava enfurecido. Era uma questão de tempo e de paciência até a razão voltar e ele, mais calmo, dar novas ordens ou arquitetar um plano, para sair de alguma situação. Aquela era grave. Era um furo no procedimento e um risco muito grande. Se os rapazes descobrissem o que havia por trás da operação, da qual ele sabia pouco, mas tinha certeza que era muito importante, eles estavam em grande perigo de exposição. 

- Vocês tem até o fim do dia para acabarem com isso. Resolvam isso já! 

O chefe da Segurança virou-se e saiu. Não tinha a mínima ideia de como resolver, mas sabia que se não fizesse nada, tinha a cabeça a prêmio. 

*** 

No dia seguinte ao incidente, os dois desceram para a cidade, foram ao banco, resolveram a questão com os cartões e com o dinheiro e arranjaram um Airbnb mais decente para ficarem, porém sem muita exposição, de modo a poderem planear o que fariam em seguida. A escolha era baseada no facto de serem mais dificilmente identificados, do que se ficassem em um hotel. A quinta era suficientemente discreta e bem arranjada, além de muito bem localizada, numa das ruas secundárias, pouco distante do centro da cidade. Era uma escolha muito conveniente. 

Ainda pela manhã, foram até a Biblioteca Pública fazer uma pesquisa sobre os negócios da N.M.E. e descobriram que a mesma estava para fechar um contrato para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. A princípio aquilo pareceria normal, se não fosse um pequeno detalhe escrito no final do artigo. O rapaz de óculos estranhou o facto e comentou com o amigo. Valia uma investigação mais profunda. 

- Vamos ter que ir mais a fundo nisso. Melhor ir até lá! 

- Estás louco? Ir direto à boca do lobo? Isso é suicídio. Eles já estão à nossa procura. Não nos vão deixar sair de lá, vivos! 

- Tem que haver um jeito. 

Airbnb não ficava longe da Biblioteca. Quando estavam chegando à esquina, viram que havia um carro preto parado, perto da quinta, onde estavam hospedados. Os dois perderam, completamente, a naturalidade, sentindo seus músculos a enrijecer. Eles voltaram uns passos e enveredaram pelo portão atrás da pequena igreja, no alto do morro e ficaram a observar, escondidos. 

Dois outros rapazes, mais ou menos da mesma idade que eles vinham descendo a rua, conversando displicentemente, naquele exato momento. O carro arrancou e avançou contra os dois, que pegos de surpresa, não escaparam do atropelamento fatal. O motorista acelerou e enveredou pela rua, deixando as duas vítimas a sangrar no local do crime. 

- Estamos ferrados! Acho que eles pensavam que éramos nós! Não pode ser uma coincidência. 

- Isso está cada vez mais estranho e perigoso. Temos que sumir daqui. Nem podemos pensar em chegar perto da sede deles… Vamos ser mortos! 

- É verdade. Aquilo não foi apenas um incidente. Agora trata-se de um crime. 

*** 

O homenzinho sentou-se. O outro parecia pouco à vontade, mas abriu a pasta de documentos e folheou o dossier, com olhos bem alertas. 

- É essa a documentação que necessitamos para iniciar o processo? 

- Sim. Está tudo aí… para a primeira fase e para estudar a primeira amostra… 

- Primeira fase? Que brincadeira é essa? 

- Não é brincadeira. É a garantia de que vou sair daqui vivo e ileso. A segunda parte será enviada quando eu estiver seguro. 

- Isso não fazia parte do contrato. É uma fraude. 

- Não é. Eu tinha que tomar minhas precauções. Eu soube o que foi feito aos dois rapazes… 

- Efeito colateral. Nada mais que isso. 

- Não gosto dos vossos métodos, mas não tenho nada com isso e nem quero ter. Só me interessa terminar essa transação e retirar-me daqui. Tenho mais o que fazer e me preocupar… E para mostrar que eu falo sério, vou deixar uma segunda amostra. 

- Quem me garante que isso é suficiente, para iniciarmos a produção dos medicamentos? 

O homenzinho ignorou o comentário em forma de pergunta e continuou. 

- Há uma clara diferença no comportamento das duas amostras, embora tenham vindo da mesma origem. Esta segunda está recuperada, mas tem o ciclo de vida mais curto. Para transformar a primeira numa outra, em perfeito estado, com o ciclo de vida muito mais longo, é fácil, com os dados certos. Vocês têm a resposta numa matéria-prima em abundância, aqui mesmo. Foi um erro que cometemos, quando não aproveitamos o tempo que ainda tínhamos. Quando chegamos à resposta, já era tarde. Felizmente, eu tive tempo de recuperar a pesquisa, antes… 

- Recuperou? Mesmo? 

- Passe a informação e a amostra para o laboratório e mande-os comparar as duas. Eu mando o resto da informação, assim que estiver longe daqui. 

- É o que farei. 

O homenzinho esboçou um riso esquisito, como de alguém que não era acostumado a sorrir ou demonstrar simpatia. Sua face era quase impassível e desprovida de marcas de expressão, com exceção da região entre os olhos, onde apareciam profundas rugas de preocupação. Seu riso era, apenas, um pequeno movimento de lábios, sem muita expressividade. Ele parecia um fantasma… ou… 

- Muito bem. Aguardem meu contacto. 

*** 

- Isso não pode estar certo. 

- E não está. 

- Deve ser por isso que eles tem coisas a esconder e acham que nós sabemos mais do que realmente sabemos. 

- Mas a ponto de nos matar? 

- Isso é mais grave que uma infeliz coincidência. Como vamos descobrir mais sobre as falcatruas deles? 

- Não sei e nem quero saber. O melhor que nós fazemos é voltar para casa. Chega desta história. 

- Deixa-me pensar. Tem que haver um jeito… 

- Oh, não. Eu sei onde isso vai acabar. 

- Pelo menos agora temos uma hipótese. Eles pensam que estamos mortos! E eu acabo de ter uma ideia. 

- Oh, meu Deus! Estou ferrado! 

- Vem! 


***

sábado, 10 de fevereiro de 2018

All Along the Coastline (Part 3)



Determined to comply strictly with the order not to leave traces behind, the security guards dragged the two prisoners out of the building and into the white van. At gunpoint, the two soldiers had no way of trying to escape on that occasion.

***

The strange little man sat facing the other, not so dissimilar from him, in the large room on the second floor of the modern building, whose façade differed greatly from the well-arranged garden, built at the back of the estate. His expressionless eyes and extremely pale skin, denounced the visitor's origins, who, in spite of everything else, did not seem to be uncomfortable in that place. The other man, a little more agitated and with a frown visibly wrinkled, showed how suspicious he was, of the offer that had just been placed on the table. He could not see the reasons behind the reasons that brought that strange man to that place. The visitor then took the lead.

- You got the sample yet?

- Yeah. We have it. We have already started analysing...

- The sample without the dossier is worth nothing... or better... very little. It will be a waste of time to analyse it without due care and without the necessary information on what to do and how... It is a unique sample and should be processed with extreme caution. The codes are pretty complex and advanced... for obvious reasons.

- Of course. It was not going to be so easy, otherwise it would not stop here like this. But it's a strange business... and expensive... in my view...

- Yes. It's a very peculiar offer, but it's virtually beyond question. The risks are minimal, and the return of capital fully assured, in a very short time. But we must keep our society as a very well-kept secret and follow the plan in its due time. We cannot speed things up too much and raise unnecessary suspicions.

- It sounds too good to be true.

- I do not believe that you still have doubts about the authenticity of the origin...

- Of course I have not, but leave me with doubts about the true intention...

- The intention is to guarantee a future for this civilization... and...

- Who cares about the future of this decaying generation, which thinks only of owning more and more useless things, of making intrigues and carelessly destroying the planet?

The little man laughed.

- That's the intention. One can still hope for the future. Only those who have information like this, can appreciate the results... the earnings and the profits... Do we have a business or not?

- We do. N.M.E. will expand its area of ​​operation and include the production of medical drugs and chemicals, in this way, with a very specific purpose. No one will suspect anything.

- As long as this business stays between us, only. My contribution cannot be brought to light of this...

- Time... is money... We have so much to do, yet. I will transfer the money to the designated account. Please confirm the receipt as soon as you have it and have someone bring the sample and the data to start the process as soon as possible.

- I cannot send anyone else to bring information of this importance along here. I work alone. I'll come myself...

- You need to trust humanity more... especially...

The irony was not welcomed by the little man, who replied,

- I have many reasons not to trust anyone... more specifically from here.

- Very well. It's fair... for now. After all, business is business.

***

The rented car was parked at the edge of the ravine. A man in a black suit was leaning against the vehicle, staring out at the sea and smoking an unfiltered cigarette. He glanced at his watch and looked out at the road. The white van was coming up the highway.

- It's about time!

The man threw away what was left of the still lit cigarette and waited. The car pulled up close to him. The driver, also dressed in a dark suit and wearing sunglasses, got out of the vehicle and came toward the man waiting for him. The passenger, sitting in the front seat, also got out of the van and joined the others.

- Let's get this over with.

A crash in the back of the vehicle caught the three of them by surprise. Two young men came out, one from each side, running at full speed, dressed only in their underwear, and each one turning their pants in their right hands and coming straight to the attack on the three other men, who were not expecting such kind of attack. Two men were hit in their heads by something solid and they fell to the ground. The third man pulled a pistol off his jacket and fired, just as he felt something very hard hitting his hand as fell down to the ground too, his senses failed. He had been hit in the head by the other man.

- Fast. Let's tie these three up, before they react again.

The two of them hastened to tie up the three security guards after stripping them of their dark suits, leaving them only with their underclothes on the edge of the cliff, but not in view of the passers-by. To make it difficult, they threw the van down the cliff, before they got into the rented car and left. They would have to get rid of their car on the first occasion, so they went down the coast to the big industrial city, still up north. There it would be easier to change cars and go unnoticed. The intention was to disappear for a while.

***

- It's going to take a few days, until we sort all this out and we can finally get out of here.

- It’s not that bad. They’ll give us provisional cards. We must avoid being seen around however.

- We must report these people! They will continue to chase us and do...

- We do not even know what they're up to. What we know is very little. What would we say and to whom? And who would believe us, anyway?

- Damn it!

- We have to know more about this company and the shenanigans they are involved in before doing anything.

- Are you crazy?!? No way. Let's go back to our lives, before anyone finds out we're in such a mess.

- We cannot leave things like this. It is not right. There is something big going on here and we have to find out what it is, otherwise we cannot do anything to change this situation.

- But we do not have to change anything. It's none of our business.

- Yes, we do. It's up to us now. Or do you think being beaten and treated like animals is part of a normal life? Our holidays are spoilt anyway. We're hiding here, and we still need to have our documents reissued before we get back to our lives and to our holidays. That's not fair. Besides, we still have more than a whole week to go...

- Let's get out of here as soon as possible.

The young man wearing glasses looked at his friend but knew that his battle was over. The other man was not going to rest until he'd settled the case or put an end to his anguish.

- Well, I'm hungry.

-Let's go out, then. We have little money left from the amount we took out of the security guards. We must be reasonable until we can settle the case with the bank.

The two men left the rented room in the small B & B on the outskirts of the city, where they could go unnoticed and have just a few expenses, with the little money they had left. The car was tucked away in one of the nearby streets, but not the same as the B&B, so they would not be discovered if someone came looking for them. Nobody knew them, and they did not ask for anything, either. They were strangers living incognito... for a while...

***

The Cafe was practically empty when they left, after a quick meal. The night was cool, even for the hot day it had been. They walked side by side, not talking much. Each one was very busy with his own thoughts. The street, where their accommodation was located, was almost deserted. The two of them walked lightly while a few cars passed by them, and when they did, they avoided being exposed to the headlights, lowering their heads, so as not to be recognized. 

The man wearing glasses stopped, mute, looking ahead and very seriously. His partner looked at him and followed the direction of his gaze. Coming out of the street where their car was parked, they saw the white van. The big red letters painted on the side of it did not hide the origin of the vehicle, nor the purpose of being there. The two of them jumped over a wall and crossed a vacant property to the other street and hurried up the steps to the room where they were staying.

- We got to get out of here. How did they find this place?

- I do not know, but now it's too dangerous to stay here now. They must have contacts everywhere...

A noise downstairs, followed by muffled voices and doors slamming, left them on alert. A woman shouted out loud. The last thing they heard, before jumping down from the balcony into the dark street, was the sound of a man's voice calling out,

- Where are they?

The young man wearing glasses only had time to hear his friend whisper and pull him by the arm, though an opening on the broken wall:

- Quick! This way! 

***




domingo, 28 de janeiro de 2018

Pelo Litoral (Parte 3)


Decididos a cumprir rigorosamente a ordem de não deixar vestígios, os seguranças arrastaram os dois prisioneiros para fora do edifício e os fizeram entrar na carrinha branca. Sob a mira das armas, os dois rapazes não tiveram como tentar escapar naquela ocasião.
***
O homenzinho estranho sentou-se de frente para o outro, não tão dissemelhante dele, na grande sala instalada no segundo andar do moderno prédio, cuja fachada diferia muito do bem-arranjado jardim, construído nos fundos da propriedade.
Os olhos inexpressivos e a pele pálida demais, denunciavam as origens do visitante, que, apesar de tudo, não mostrava estar desconfortável naquele lugar. O outro, um pouco mais agitado e com o cenho visivelmente franzido, mostrava o quão desconfiado estava, da oferta que acabara de ser colocada na mesa. Não percebia as razões por trás das razões que traziam aquele homem estranho a aquele lugar.
O visitante, então, tomou a dianteira.
- Já tens a amostra?
- Sim. Está connosco. Já mandamos analisar…
- A amostra sem o dossier não vale nada… ou vale… mas muito pouco. Será uma perda de tempo analisá-la, sem o devido cuidado e sem as informações necessárias sobre o que fazer e como… É uma amostra única e deve ser processada com extrema cautela. Os códigos são bastante complexos e avançados… por razões óbvias.
- Claro. Não ia ser tão fácil, senão não viria parar cá, desta forma. Mas é um negócio estranho… e caro… a meu ver…
- Sim. É uma oferta bastante peculiar, mas é praticamente irrecusável. Os riscos são mínimos e o retorno do capital totalmente assegurado, em muito pouco tempo. Só temos que manter nossa sociedade em segredo e seguir o plano, dentro do prazo. Não podemos acelerar muito as coisas e levantar suspeitas desnecessárias.
- Parece muito bom para ser verdade.
- Não acredito que ainda tenhas dúvidas sobre a veracidade da origem…
- Claro que não tenho, mas deixa-me com dúvidas sobre a verdadeira intenção….
- A intenção é garantir um futuro para esta civilização...e…
- Quem se importa com o futuro desta geração decadente, que só pensa em possuir, cada vez mais, coisas absolutamente inúteis, fazer intrigas e destruir o planeta?
O homenzinho riu.
- A intenção é essa. Ainda pode-se ter esperança no futuro. Somente quem possuir uma informação como esta, pode usufruir dos resultados… e dos ganhos… Temos um negócio ou não?
- Temos. A N.M.E. vai ampliar sua área de atuação e incluir a produção de medicamentos, desta forma, com um fim muito específico. Ninguém vai suspeitar de nada.
- Desde que esse negócio fique entre nós, somente. Minha contribuição não pode ser trazida à luz deste…
- Tempo… é dinheiro… Temos muito que fazer, ainda. Vou tratar de fazer o depósito na conta indicada. Confirme a transferência e mande trazer a amostra e os dados, para iniciarmos o processo o quanto antes.
- Não posso mandar outra pessoa trazer uma informação desta importância para cá. Eu trabalho sozinho. Eu mesmo venho…
- Precisa confiar mais na humanidade… especialmente…
A ironia não foi bem recebida pelo homenzinho, que retrucou:
- Tenho muitas razões para não confiar em ninguém… mais especificamente daqui.
- Muito bem. É justo… por enquanto. Afinal, negócios são negócios.
***  
O carro alugado estava parado à beira da ravina. Um homem vestido com um fato social preto estava encostado ao veículo, a olhar o mar e fumar um cigarro sem filtro. Ele consultou o relógio e olhou para a estrada.
A carrinha branca vinha subindo a estrada.
- Já era hora!
O homem jogou fora o que restava do cigarro, ainda aceso e esperou. O carro aproximou-se e parou. O motorista, também vestido com roupa social escura e usando óculos de sol, saiu do veículo e veio na direção do homem que o aguardava. O passageiro, sentado no banco da frente, também saiu da carrinha e juntou-se aos outros.
- Vamos acabar logo com isso.
Um estrondo na parte traseira do veículo pegou os três de surpresa. Dois jovens, saíram, um de cada lado e vieram correndo a toda a velocidade, vestidos somente com as cuecas e, cada qual, girando as calças na mão direita e vindo direto ao ataque contra os três, que não contavam com aquela atitude. Dois homens foram atingidos, logo, nas cabeças por algo sólido e caíram ao chão. O terceiro homem puxou uma pistola de dentro do paletó e atirou, bem na hora que sentiu algo muito duro bater-lhe na mão, enquanto sentia também, os sentidos falharem. Havia sido atingido, na cabeça, pelo outro rapaz.
- Rápido. Vamos amarrar os três, antes que eles reajam novamente.
Os dois apressaram-se a amarrar os três seguranças, depois de os despirem de seus fatos escuros, deixando-os somente com as roupas de baixo, à beira do penhasco, mas não à vista de quem passava na estrada. Para dificultar, jogaram a carrinha pelo penhasco e partiram no carro alugado.
Teriam que livrar-se daquele carro na primeira ocasião, por isso desceram pelo litoral até a grande cidade industrial, ainda no norte. Ali seria mais fácil trocar de carro e passar despercebidos. A intenção era desaparecer da vista, por uns tempos.
***
- Nossas férias estão estragadas. Estamos condenados…
- Não exagera. Só temos que passar numa agência do banco e pedir cartões novos. Os nossos foram roubados, para todos os efeitos. Depois decidimos o que fazer.
- Isso vai levar uns dias, até resolvermos e podermos sair daqui.
- Que nada. Eles nos dão cartões provisórios. Temos é que evitar sermos vistos.
- Temos que denunciar essa gente! Eles vão continuar a nos perseguir e fazer…
- Nós nem sabemos direito no que eles estão envolvidos. O que sabemos é muito pouco. O que nós diríamos e a quem? E quem iria acreditar em nós, afinal?
- Que droga!
- Temos que saber mais a respeito desta empresa e das falcatruas nas quais estão envolvidos, antes de fazer qualquer coisa.
- Estás maluco?!? Nem pensar. Vamos é voltar para as nossas vidas, antes que alguém descubra que estamos metidos numa alhada destas.
- Não podemos deixar as coisas assim. Não é certo. Aqui há coisa grande e temos que descobrir o que é, senão não podemos fazer nada para mudar esta situação.
- Mas nós não temos que mudar nada. Não é da nossa conta.
- Temos, sim. É da nossa conta, agora. Ou achas que sermos espancados e tratados como animais faz parte de uma vida normal? Estragaram nossas férias. Estamos aqui escondidos e ainda temos que refazer nossos documentos, antes de voltarmos à nossa vida e de volta das nossas férias. Isso não é justo. Além do mais ainda temos mais de uma semana inteira…
- Vamos embora daqui o quanto antes.
O rapaz de óculos olhou para o amigo, mas sabia que sua batalha estava vencida. O outro não ia descansar enquanto não resolvesse o caso, ou pusesse um fim à sua angústia.
- Estou com fome.
- Vamos sair, então. Resta-nos pouco dinheiro, daquele que tiramos dos seguranças. Temos que ser econômicos, até conseguirmos resolver o caso com o banco.
Os dois saíram do quarto alugado na pequena pensão na periferia da cidade, onde poderiam passar mais despercebidos e ter o mínimo de despesas, com o pouco dinheiro que tinham. O carro estava escondido numa das ruas próximas, mas não na mesma da pensão, de modo a não serem descobertos, se acaso aparecesse alguém a procurar por eles. Ali ninguém os conhecia e não perguntavam nada, também. Eram estranhos e passavam incógnitos…por enquanto…
***
O Café estava praticamente vazio quando eles saíram, depois de uma rápida refeição. A noite estava fresca, para o dia quente que havia sido. Os dois caminhavam lado a lado, sem falar muito. Cada qual estava muito ocupado com seus próprios pensamentos.
A rua, onde a pensão ficava, estava deserta. Os dois caminhavam a passos ligeiros, mas não necessariamente tensos. Poucos carros passavam por eles e, quando acontecia, eles evitavam ficar expostos aos faróis, baixando as cabeças, para não serem reconhecidos.
O rapaz de óculos parou, mudo, a olhar seriamente para frente. O outro olhou para ele e seguiu a direção do olhar do mesmo.
Saindo da rua onde o carro estava estacionado, eles viram a carrinha branca. As letras vermelhas na lateral da mesma não escondiam a origem do veículo, nem o propósito de estar por ali. Os dois entraram no terreno baldio e cruzaram para o outro lado, por trás da pensão e subiram apressados os degraus que davam para o quarto onde estavam hospedados.
- Temos que sair daqui. Como é que eles nos chegaram até este lugar?
- Não sei, mas agora é perigoso demais ficar aqui. Eles devem ter contactos em todos os lugares…
Um barulho no andar de baixo, vozes alteradas e portas a baterem, deixaram-nos em estado de alerta. Uma mulher gritou. A última coisa que eles ouviram, antes de saltarem pela sacada, para a rua escura, foi o som da voz conhecida de um homem a gritar:
- Onde eles estão?
O rapaz de óculos só teve tempo de ouvir o amigo a sussurrar e puxá-lo pelo braço, para trás do muro:
- Depressa! Por aqui!
***

domingo, 14 de janeiro de 2018

All Along the Coastline (Part 2)


The sunlight, being filtered through the leaves of the large tree, seemed to flicker onto the face of the young man wearing glasses. He slowly opened his eyes, still half dizzy and with a terrible headache, as if he were hungover. The images were slowly coming into focus, like in a contemporary art film.
Lying uncomfortably on a dark green wooden bench in an unknown city square, all dirty and dishevelled, he could be taken by a beggar or a junkie, who had fallen asleep in the open, for lack of a better place. The few passers-by dodged as if he were dangerous or inconvenient to their decent beings. He sat up and looked around. He did not know where he was. From the position of the sun in the sky, it seemed it was already mid-day, but he had no idea how he ended up in a place like that. He could smell fresh and spicy food in the air and he felt hungry. He tried to reach his wallet, but without much hope of finding it. He felt stolen and it made him angry and nervous. He did not know where he was and did not know how to get help. He looked around again. He needed to wash, change clothes, and eat something.

- These are really the greatest holidays of all!
The irony came into the mind of the young man who made an effort to get up and start walking. His head was spinning. He halted and waited a little, trying to regain his strength. He took a deep breath and walked, determined not to let himself fall, nor lose his balance, at any cost.

- What the hell! I'm a trained soldier. I will not fall here, now. I must reach the sea, or the river, at least.
He looked up to try and follow the course of the sun in the sky. He heard the toll of a church bell. He looked around, trying to find out where the sound came from. If there was a bell, there was a church and probably a clock. He crossed the square and saw that he was well ahead of a small chapel. Its facade was all decorated with painted tiles. The clock marked 1:15.

He walked toward the chapel, which was in the highest part of the place. Behind it, he saw the river flowing to his left. That was certainly the direction of the sea. He ran his hand through his rumpled clothes and strode down the narrow street.


***
The strange-looking man, dressed in a tailored, dark suit, made to order, walked slowly to the window. His brows were furrowed and his face was heavy. He seemed to be very worried.
The sun was shining outside on a typical summer day. The air-conditioned room set for the constant temperature of eighteen degrees Celsius, was furnished with but a few practical pieces. Besides a large table with a dozen chairs, there was only a small counter, discreetly installed in a niche at the corner of the room, with a modern coffee machine. It was on the second floor of the building, in the farthest room from the entrance, where important decisions were made, and often these had quite significant consequences in the food industry. N. & M. Enterprises also had an influence on businesses not as innocent as food production, but few people knew for sure what type of businesses they were.

The man watched the movement that was happening at that moment, at the ground floor, without moving any muscle of his inexpressive face. He looked up and concentrated on a spot beyond the well-designed garden, next to a small grove beyond, practically hidden from anyone who’d come from the front of the building.

Carefully chosen, the quieter and more discreet office was in the back of the building. A white van with large red letters painted on both sides was parked outside, close to the street. He ran a very pale hand over the top of his bald head and down to his face with no trace of beard.

The door opened behind him and he heard the secretary's voice, low, but very firm:

- They are here.

The man took a deep breath and turned slowly.

- It's about time. Bring them in.


The secretary left and returned shortly thereafter with two men dressed in black and another man, younger than both of them. A little farther back, another security guard was dragging one other young man, who wore tortoise shell frame glasses and had his clothes very dirty and wrinkled. This latter one was still looking unconscious.
***
- No. They know nothing. That must have been an unfortunate accident. A coincidence...
- But they will now suspect that there is something big behind this whole story. In fact, they are not fools. They must have suspected by now...

- We have to get rid of them. We cannot leave loose ends.

- We have already left. Now we have to fix all this mess.

- With care and a good plan, and to leave no shadow of doubt about our integrity...

- Certainly. N.M.E. must not be associated with any type of scam. We have to remain unsuspected. The success of this company depends on our discretion and certain secrets.

- We will be very careful. I’ll take care of it. Leave it to me.


The man looked serious at the Chief of Security and did not seem very convinced, but nodded slightly, so that the man would leave immediately and he could be alone in the room. He needed time on his own to think.
***
The river seemed calm, quietly running toward the sea. The young man approached the shoreline and stepped into the cool water. The feeling was good. He washed his face and head with that water. He felt like swimming a little. For a moment he forgot that he did not know exactly where he was and that he had no idea how he had ended up there.
He continued his trip toward the sea. Minutes later, when he was already at the beach, he saw the old windmills. He did not recognize the place, but moved on. He needed to find some answers. Afraid he could be misunderstood, with his clothes in that state, he decided to avoid direct contact with the people who passed by him as he walked along the waterfront.

Further on, he spotted a service station, walked to there, and got in. He took a look around and saw that besides a young attendant behind the counter, there was only another man, dressed in a dark suit, sitting with his back to the door and drinking coffee. With that heat, it did not seem like the best outfit to wear, but who was him to find anything strange, after all. Before he spoke to the attendant, the door behind him opened and he saw a bigger man, also dressed in a dark suit, coming in. He did not notice that a white van was parked outside. He just felt a blow and began to fall into a dark pit.


***
- Are you fine?
- Look at me. Do I look good? I'm all dirty, I've been beaten, drugged, dragged and I do not know what's going on. How can I be fine?

- You’re right. It was a stupid question...

- Where have you been? Who are these people?

- I can only say what I know and it’s not that much.

- You were with them at the boarding house. The lady at the front desk told me.


- Yes. I was under a gun. I tried to look natural, not to raise any more confusion, or to be killed right there. These men are dangerous.
- Who are they?

- They work for N.M.E., a company linked to the food industry, but this is just a facade. There's more behind it all.


- And how do you know all these things?
- I pretended I was unconscious and heard their conversation. There is much more that appearances want to show in here.

- And why are we involved in it?

- We were in the wrong place at the wrong time... and we still are...


- Are we?
- They do not know who we are, but they want to get rid of us. We have to find a way out of here.

- How? If they're going to kill us... What's the way out?

- They want it to look like an accident. I heard them talking to their boss. We may have a chance, but it will depend on how many of those gorillas we have to deal with.

- Face armed men, that size? Bad idea. Bad idea!

- Have you got a better one?

***

"Everything was so well planned, so carefully planned before..."
The man tried to find a flaw in the procedure, but he could not.

"Why did these meddlers have to appear at that time? How could it not be foreseen? What detail has passed, so unnoticed? "
He had no doubt that he was going to make a lot of money and change the course of humanity when that little detail was sorted out. He was going to be a very rich and powerful man. His ambition was limitless and overriding many principles, including those related to scruples.

But that interference, at that moment, was not welcome and had to be resolved, effectively and efficiently... And very soon!
- What the hell!

He picked up the phone and dialled a known number. In less than two minutes the Chief of Security rushed into the large room. The man had his back to the door. Without turning to greet the newcomer, he spoke, low, steady and trying to control his emotions to the extreme.


- Take care of those two. And try not to leave any hint of flaws. Now leave!
- Yes sir.

The Chief of Security left, carefully closing the door behind him. He knew his boss very well. That whole control was just a protective cover. He must have been on the verge of exploding.
The man turned his attention back to a place beyond the large, well-designed and neat garden. He could see the pine forest right at the end. The flower bed around the garden was covered by blackwood and other types of asclepius, planted both to provide a fine effect to the eyes and also with a very specific purpose. The man saw the butterflies flying around the colourful little flowers and smiled.
While he was absently observing that beautiful creation, a door opened on the left side of the garden and a group of men crossed the courtyard. Two of them, dressed in dark suits, carried visibly and ostensibly powerful automatic weapons.