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domingo, 28 de janeiro de 2018

Pelo Litoral (Parte 3)


Decididos a cumprir rigorosamente a ordem de não deixar vestígios, os seguranças arrastaram os dois prisioneiros para fora do edifício e os fizeram entrar na carrinha branca. Sob a mira das armas, os dois rapazes não tiveram como tentar escapar naquela ocasião.
***
O homenzinho estranho sentou-se de frente para o outro, não tão dissemelhante dele, na grande sala instalada no segundo andar do moderno prédio, cuja fachada diferia muito do bem-arranjado jardim, construído nos fundos da propriedade.
Os olhos inexpressivos e a pele pálida demais, denunciavam as origens do visitante, que, apesar de tudo, não mostrava estar desconfortável naquele lugar. O outro, um pouco mais agitado e com o cenho visivelmente franzido, mostrava o quão desconfiado estava, da oferta que acabara de ser colocada na mesa. Não percebia as razões por trás das razões que traziam aquele homem estranho a aquele lugar.
O visitante, então, tomou a dianteira.
- Já tens a amostra?
- Sim. Está connosco. Já mandamos analisar…
- A amostra sem o dossier não vale nada… ou vale… mas muito pouco. Será uma perda de tempo analisá-la, sem o devido cuidado e sem as informações necessárias sobre o que fazer e como… É uma amostra única e deve ser processada com extrema cautela. Os códigos são bastante complexos e avançados… por razões óbvias.
- Claro. Não ia ser tão fácil, senão não viria parar cá, desta forma. Mas é um negócio estranho… e caro… a meu ver…
- Sim. É uma oferta bastante peculiar, mas é praticamente irrecusável. Os riscos são mínimos e o retorno do capital totalmente assegurado, em muito pouco tempo. Só temos que manter nossa sociedade em segredo e seguir o plano, dentro do prazo. Não podemos acelerar muito as coisas e levantar suspeitas desnecessárias.
- Parece muito bom para ser verdade.
- Não acredito que ainda tenhas dúvidas sobre a veracidade da origem…
- Claro que não tenho, mas deixa-me com dúvidas sobre a verdadeira intenção….
- A intenção é garantir um futuro para esta civilização...e…
- Quem se importa com o futuro desta geração decadente, que só pensa em possuir, cada vez mais, coisas absolutamente inúteis, fazer intrigas e destruir o planeta?
O homenzinho riu.
- A intenção é essa. Ainda pode-se ter esperança no futuro. Somente quem possuir uma informação como esta, pode usufruir dos resultados… e dos ganhos… Temos um negócio ou não?
- Temos. A N.M.E. vai ampliar sua área de atuação e incluir a produção de medicamentos, desta forma, com um fim muito específico. Ninguém vai suspeitar de nada.
- Desde que esse negócio fique entre nós, somente. Minha contribuição não pode ser trazida à luz deste…
- Tempo… é dinheiro… Temos muito que fazer, ainda. Vou tratar de fazer o depósito na conta indicada. Confirme a transferência e mande trazer a amostra e os dados, para iniciarmos o processo o quanto antes.
- Não posso mandar outra pessoa trazer uma informação desta importância para cá. Eu trabalho sozinho. Eu mesmo venho…
- Precisa confiar mais na humanidade… especialmente…
A ironia não foi bem recebida pelo homenzinho, que retrucou:
- Tenho muitas razões para não confiar em ninguém… mais especificamente daqui.
- Muito bem. É justo… por enquanto. Afinal, negócios são negócios.
***  
O carro alugado estava parado à beira da ravina. Um homem vestido com um fato social preto estava encostado ao veículo, a olhar o mar e fumar um cigarro sem filtro. Ele consultou o relógio e olhou para a estrada.
A carrinha branca vinha subindo a estrada.
- Já era hora!
O homem jogou fora o que restava do cigarro, ainda aceso e esperou. O carro aproximou-se e parou. O motorista, também vestido com roupa social escura e usando óculos de sol, saiu do veículo e veio na direção do homem que o aguardava. O passageiro, sentado no banco da frente, também saiu da carrinha e juntou-se aos outros.
- Vamos acabar logo com isso.
Um estrondo na parte traseira do veículo pegou os três de surpresa. Dois jovens, saíram, um de cada lado e vieram correndo a toda a velocidade, vestidos somente com as cuecas e, cada qual, girando as calças na mão direita e vindo direto ao ataque contra os três, que não contavam com aquela atitude. Dois homens foram atingidos, logo, nas cabeças por algo sólido e caíram ao chão. O terceiro homem puxou uma pistola de dentro do paletó e atirou, bem na hora que sentiu algo muito duro bater-lhe na mão, enquanto sentia também, os sentidos falharem. Havia sido atingido, na cabeça, pelo outro rapaz.
- Rápido. Vamos amarrar os três, antes que eles reajam novamente.
Os dois apressaram-se a amarrar os três seguranças, depois de os despirem de seus fatos escuros, deixando-os somente com as roupas de baixo, à beira do penhasco, mas não à vista de quem passava na estrada. Para dificultar, jogaram a carrinha pelo penhasco e partiram no carro alugado.
Teriam que livrar-se daquele carro na primeira ocasião, por isso desceram pelo litoral até a grande cidade industrial, ainda no norte. Ali seria mais fácil trocar de carro e passar despercebidos. A intenção era desaparecer da vista, por uns tempos.
***
- Nossas férias estão estragadas. Estamos condenados…
- Não exagera. Só temos que passar numa agência do banco e pedir cartões novos. Os nossos foram roubados, para todos os efeitos. Depois decidimos o que fazer.
- Isso vai levar uns dias, até resolvermos e podermos sair daqui.
- Que nada. Eles nos dão cartões provisórios. Temos é que evitar sermos vistos.
- Temos que denunciar essa gente! Eles vão continuar a nos perseguir e fazer…
- Nós nem sabemos direito no que eles estão envolvidos. O que sabemos é muito pouco. O que nós diríamos e a quem? E quem iria acreditar em nós, afinal?
- Que droga!
- Temos que saber mais a respeito desta empresa e das falcatruas nas quais estão envolvidos, antes de fazer qualquer coisa.
- Estás maluco?!? Nem pensar. Vamos é voltar para as nossas vidas, antes que alguém descubra que estamos metidos numa alhada destas.
- Não podemos deixar as coisas assim. Não é certo. Aqui há coisa grande e temos que descobrir o que é, senão não podemos fazer nada para mudar esta situação.
- Mas nós não temos que mudar nada. Não é da nossa conta.
- Temos, sim. É da nossa conta, agora. Ou achas que sermos espancados e tratados como animais faz parte de uma vida normal? Estragaram nossas férias. Estamos aqui escondidos e ainda temos que refazer nossos documentos, antes de voltarmos à nossa vida e de volta das nossas férias. Isso não é justo. Além do mais ainda temos mais de uma semana inteira…
- Vamos embora daqui o quanto antes.
O rapaz de óculos olhou para o amigo, mas sabia que sua batalha estava vencida. O outro não ia descansar enquanto não resolvesse o caso, ou pusesse um fim à sua angústia.
- Estou com fome.
- Vamos sair, então. Resta-nos pouco dinheiro, daquele que tiramos dos seguranças. Temos que ser econômicos, até conseguirmos resolver o caso com o banco.
Os dois saíram do quarto alugado na pequena pensão na periferia da cidade, onde poderiam passar mais despercebidos e ter o mínimo de despesas, com o pouco dinheiro que tinham. O carro estava escondido numa das ruas próximas, mas não na mesma da pensão, de modo a não serem descobertos, se acaso aparecesse alguém a procurar por eles. Ali ninguém os conhecia e não perguntavam nada, também. Eram estranhos e passavam incógnitos…por enquanto…
***
O Café estava praticamente vazio quando eles saíram, depois de uma rápida refeição. A noite estava fresca, para o dia quente que havia sido. Os dois caminhavam lado a lado, sem falar muito. Cada qual estava muito ocupado com seus próprios pensamentos.
A rua, onde a pensão ficava, estava deserta. Os dois caminhavam a passos ligeiros, mas não necessariamente tensos. Poucos carros passavam por eles e, quando acontecia, eles evitavam ficar expostos aos faróis, baixando as cabeças, para não serem reconhecidos.
O rapaz de óculos parou, mudo, a olhar seriamente para frente. O outro olhou para ele e seguiu a direção do olhar do mesmo.
Saindo da rua onde o carro estava estacionado, eles viram a carrinha branca. As letras vermelhas na lateral da mesma não escondiam a origem do veículo, nem o propósito de estar por ali. Os dois entraram no terreno baldio e cruzaram para o outro lado, por trás da pensão e subiram apressados os degraus que davam para o quarto onde estavam hospedados.
- Temos que sair daqui. Como é que eles nos chegaram até este lugar?
- Não sei, mas agora é perigoso demais ficar aqui. Eles devem ter contactos em todos os lugares…
Um barulho no andar de baixo, vozes alteradas e portas a baterem, deixaram-nos em estado de alerta. Uma mulher gritou. A última coisa que eles ouviram, antes de saltarem pela sacada, para a rua escura, foi o som da voz conhecida de um homem a gritar:
- Onde eles estão?
O rapaz de óculos só teve tempo de ouvir o amigo a sussurrar e puxá-lo pelo braço, para trás do muro:
- Depressa! Por aqui!
***