quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Da Imagem No Espelho... (Parte 2)


Deitado no quarto, a olhar para o escuro à minha frente, eu tentava assimilar o que se passara, de modo a resolver, aceitar ou mesmo livrar-me daquela situação a que fora envolvido, mas não via como chegar a nenhuma saída. Eu estava aborrecido e intrigado com os estranhos incidentes da noite anterior. Meu peito ainda ardia bastante. Os músculos do pescoço estavam rijos e formigavam, numa sensação muitíssimo desconfortável, quase a queimar.

Passei a mão no rosto e senti, ainda a latejar, o calor da bofetada merecida que levei e aquilo me fez sentir vergonha, muita raiva e, por incrível que pudesse parecer, uma vontade de rir daquilo tudo, numa mistura de sentimentos que se contradiziam naquele momento.

Um pensamento bizarro passou-me pela mente e eu não cheguei a estranhar tê-lo deixado formar-se completamente. Estaria eu a gostar do inusitado encontro com aquela estranha mulher que, surgindo do nada, resolvera seduzir-me, saciar-me e, ao mesmo tempo, assustar-me com uma ameaça à minha liberdade de escolha?

‘Não. Não podia ser.’

Sacudi a cabeça, como se aquela atitude pudesse desfazer o pensamento amalucadamente conclusivo que acabara de ter.

‘Estava realmente esgotado. Devia ser isso’.

Ainda tentei organizar as ideias, procurar uma explicação, uma forma de enfrentar minha desvairada aparição, mas o cansaço venceu-me o propósito e acabei adormecendo em pouco tempo, sem que alguma resolução acendesse uma luz à qual pudesse me apegar.

Ao acordar, na manhã seguinte, se não fossem as marcas dos arranhões ainda a decorar a pele do meu peito e tórax, teria deixado o incidente passar em branco. Acreditava que os afazeres do dia ocupariam minha cabeça e em pouco tempo tudo seria esquecido. A realidade e a rotina quase me enganaram.

À noite, já recostado confortavelmente em grandes travesseiros, na cama king size, eu folheava uma revista, pois não tivera paciência para assistir TV e não conseguia concentrar-me suficientemente para ler algum livro. Estava praticamente preparado para dormir o sono dos justos. O ‘abat-jour’ sobre o criado mudo ainda estava aceso, mas as demais luzes do apartamento estavam apagadas e a música no computador devidamente desligada.

Por algum inexplicável motivo, meu olhar desviou-se para o espelho. A cena era, de uma maneira única, completamente fascinante. Como numa janela para outro mundo, eu via a mim próprio recostado na cama, mas não estava só. Uma mulher morena, bela como somente ela podia ser, entrava em cena e aproximava-se, aconchegando-se ao meu lado. Vi-a abrir um sorriso, naquela sua maneira encantadora e, achegando-se mais, beijar-me a face. Seu beijo era suave como um leve sopro sobre a minha pele. Não escondi o prazer que senti, com um baixo gemido e fechei os olhos, por um momento.

Ela, então, tomou as rédeas do meu controlo, meu desejo e minha vontade. Percebia que eu gostava do que me fazia, mesmo que eu o quisesse negar. O espelho dava-lhe vida e minha aceitação estimulava-lhe a ousadia. Ela foi paciente, atrevida e uma verdadeira mestra na arte da sedução... até além do que eu podia esperar.

Admiti secretamente que aquela novidade me atraía e ela aproveitou-se da nem-tão-pequena brecha que abria em minha sanidade. Parecia ler minha mente com precisão e sua arte garantia um crescendo de sensações no meu corpo.

Eu sabia, com certeza, que aquela aparição estranha, que me visitava e, sem pedir permissão, tomava posse do meu prazer e da minha vontade, desmantelando - entretanto -completamente a minha coerência, fazia-me um certo bem e trazia-me um invulgar conforto.

Não sabia, entretanto, se era a aventura, o gosto pelo desconhecido, o inusitado da situação ou a loucura que se apossava de mim, que a fazia sentir-se bem-vinda para invadir minha noite, uma vez mais e para bagunçar, completamente, minha parca, mas ainda resguardada, saúde mental.

Eu caía num abismo perigosamente sombrio, voluntariamente. Aquela demência parecia competir bravamente contra minha razão, levando já uma vantagem de mais de um corpo inteiro e tomava conta, a largos passos, da minha tão preservada sobriedade…

A partir dali, deixei-me levar pelas visitas nocturnas da mulher morena. Passei a ter duas vidas separadas. Uma no silêncio do apartamento, em que apreciava a dilecta companhia de minha linda, trigueira e sensual abantesma e outra, da porta para fora, quando enfrentava um mundo real, sem muita graça e sem coloração definida, além de uma tonalidade levemente desbotada e monocromática de luz e sombra sépia... e pelo meu entendimento, pouca luz e muita sombra…

Eu já havia vivido sozinho por demasiado tempo, com minhas – não poucas - manias e neuras, algumas vezes criando novas e outras aferrando-me às antigas, transformando minha tranquila vida de outrora num exercício de puro distúrbio obsessivo compulsivo. Havia experimentado, até então, uma vida comum e sem grandes emoções. Minha rotina era absolutamente previsível. Por trás daquela aparente insipidez, entretanto, tinha um extremo cuidado com meu corpo e havia assumido atitudes cada dia mais hedonistas, narcisistas e egocêntricas, que alguma vez havia tido. Do lado de fora, o que fazia era vestir uma couraça protectora, afastando influências não desejadas à minha existência, sabendo que era o único a prezar pelo meu próprio bem e pela minha privacidade.

Dei-me conta que não tinha com quem dividisse minhas preocupações, caso algo ruim me acontecesse, mas também não tinha com quem celebrar minhas vitórias e alegrias, se eu porventura as tivesse.

A concha onde me refugiava era bastante sólida e resistente e, embora não fosse desmedida, tinha um enorme espelho pendurado numa parede vazia, numa ampla sala de estar, onde me examinava com cuidado e com olhos excessivamente perfeccionistas.

O espelho, todavia, tinha seu próprio segredo… vivo e vívido demais para ser ignorado. Era como um universo separado, uma outra dimensão, um filme que desenrolava-se lá dentro, no qual eu era um dos dois - únicos - personagens. Da minha parte, eu, com certeza, não estava determinado a colocar rédeas naquele mundo secreto de prazeres.

Passadas algumas semanas daquela loucura, minha obsessão estava cada vez mais acentuada e eu deixava os dias passarem quase em branco, rotineira e desinteressadamente. Recebi uma reprimenda do chefe pela pouca consistência e capricho no trabalho que fazia e pela falta de comprometimento que eu passara a ter nos últimos tempos. Fingi ficar aborrecido com aquilo e prometi ser mais cuidadoso.

Mentia para ele e, para mim, fazia de conta que acreditava no que dizia, mas resolvi tomar mais cuidado, para não perder o emprego, que era o único que eu tinha e que ainda sustentava minha vidinha insossa.

Minhas noites, entretanto, passaram a ser cada vez mais quentes e já não havia mais censura para o meu desejo, que assumia proporções nunca dantes atingidas. Eu me deixava levar pela sensualidade impudente de uma personagem que tomava cada vez mais tempo e espaço dentro da minha vida. Algumas vezes, nem me preocupava em alimentar-me direito, pela urgência que sentia em buscar aquele prazer libertino. Estava, irremediável e decididamente, viciado….

Certo dia, como passara a ser rotina aos funcionários de mais de quarenta anos de idade, fui chamado ao consultório do médico que atendia a empresa. Eu sabia que aquele tipo de consultas não levava à muita coisa, pelo tipo de Plano de Saúde que tinha. Fui tranquilo ao apontamento marcado para o final do expediente. Ao chamar-me, o médico levantou uma sobrancelha, como quem desconfia de algo. Não me intimidei e entrei no consultório, respondi às perguntas regulares, sobrevivi bem aos exames habituais e saí com uma lista de outros a fazer, para apresentar os resultados uma semana depois.

Passado aquele tempo e já com os papéis em mãos, voltei a sentar-me em frente ao homem vestido de branco, que trazia um auscultador sempre pendurado no pescoço, como se fosse uma medalha de honra ao mérito. Ele examinou cuidadosamente os documentos mais que uma vez. Levantando o sobrolho - um tique que eu aprendera a perceber, como sinal de desaprovação - ele pigarreou e disse-me que, sinceramente, esperava um resultado diferente.

- Diferente em quê?

Minha pergunta fora ingénua. Ele deu um longo suspiro.

- Esse seu aspecto físico actual pareceu-me esconder um grave problema a nível glandular ou algo como diabetes, mas os resultados estão perfeitamente normais. Eu estou preocupado…

- Não percebi por que, doutor…

- O senhor está muito magro e pálido. Parece-me bastante adoentado. Vou solicitar uma bateria mais completa…

Eu não o deixei acabar a frase. As suspeitas eram absurdas e somente eu sabia a verdadeira razão. Até então eu não havia me dado conta do que o médico chamara-me à atenção. Muito pálido e magro… logo eu, que sempre fui tão saudável... Do que ele suspeitava, afinal?

- Eu nunca estive melhor! Sinto-me rejuvenescido e bastante activo fisicamente. Nem me questione como me sinto sexualmente, doutor… Nunca estive melhor!

Ele olhou-me meio incrédulo. Acomodando-se melhor na cadeira, colocou as mãos cruzadas sobre a mesa e falou baixo, mas firmemente.

- Não é o que me parece, nem o que seu chefe me disse. O seu trabalho está aquém do esperado e sua apatia cada vez maior. Foi o que me foi pedido que verificasse, pelo menos a nível físico. Se não há um problema físico, existe algo que o incomoda psicologicamente?

E agora? Digo algo... ou mantenho a farsa? Se disser a verdade, ele vai mandar-me ao manicómio, com toda a certeza…

- É somente uma fase, doutor. O stress do trabalho tem-me afectado… e o calor não ajuda, tampouco.

Menti descaradamente. Olhei-o sério e com firmeza, como um grande actor. Queria que ele desistisse, mas o sobrolho continuava levantado. Resolvi que precisava dar uma cartada decisiva.

- Vamos fazer um acordo. Eu prometo que vou alimentar-me melhor, tomar umas vitaminas, andar ao sol e caprichar no trabalho. Em um mês, volto aqui e conversamos sobre minha saúde. Que tal?

Ele desistiu. Colocando as duas mãos abertas sobre a mesa, disse-me, com um tom impaciente o suficiente para me deixar em alerta:

- Feito! Mas não pense que isso vai passar em branco. Vou receitar umas vitaminas e um fortificante…

- Remédio para crianças, doutor?

Ele não sorriu da minha ironia. Apenas rabiscou umas garatujas no bloco próprio, entregou-me a prescrição e levantou-se, adiantando a mão para despedir-se. O apontamento estava terminado, para meu alívio. Saí o mais rápido que pude, sem estender-me mais em qualquer tentativa de conversa.

O consultório ficava no décimo segundo andar. Ao entrar no elevador, olhei-me com atenção no espelho do mesmo. Incrível como a maioria dos elevadores modernos tem um espelho, pelo menos, como parede…

Pela primeira vez em algum tempo e por um momento consideravelmente longo, prestei atenção ao que via em mim. Perguntei-me, silenciosamente, há quanto tempo olhava sem realmente ver… O médico tinha razão. Eu estava pálido e muito emagrecido, parecendo adoentado. Não foi à toa que ele mandou-me fazer tantos exames. Aquele homem que eu via em mim, anteriormente, quando tinha uma preocupação extrema com o corpo, havia-se transformado em uma descorada imagem, com aparência nada saudável. Eu estava drenado de energia, sem o viço de outrora nos cabelos e na pele e apresentando profundas olheiras escuras, para meu próprio assombro…

Minha avaliação e surpresa foram interrompidas pela chegada ao andar térreo, quando a porta abriu-se e algumas pessoas me olharam, esperando que eu saísse, para que pudessem entrar. Ao caminhar para fora, pareceu-me haver ouvido uma risada feminina conhecida…

Não foi preciso uma análise crítica muito detalhada, para dar-me conta que minha vitalidade só podia ser drenada pelas tais visitas nocturnas. Enquanto eu parecia cada vez mais debilitado, ela parecia mais deslumbrante cada vez que a via. Alimentava-se do meu vigor, com certeza – uma energia que eu cedia-lhe gratuita e voluntariamente e, ainda, com o maior prazer.

Mas meu aspecto visual incomodara-me, não somente pelo acordo que fizera com o médico, mas pelo susto que levara ao enxergar-me, como deveria, depois de tanto tempo. Era como se uma venda houvesse sido retirada de meus olhos. Eu reconhecia, naquela hora, que precisava tomar uma atitude séria… e tinha que ser urgentemente.

Naquela mesma noite alguma coisa mudou. Não senti o prazer de sempre em nosso encontro. Pelo espelho pendurado na parede do quarto, vi que ela estava estonteante, linda, viçosa e ousada, mas eu apenas reagi fisicamente – preocupado que ainda estava pelo abrir de olhos que havia tido logo após a consulta médica.

Ela percebeu a diferença no meu comportamento e perguntou-me se havia algo errado. Disse-lhe apenas que estava muito cansado. Adormeci, pesadamente, sem dar-lhe muito mais conta do que se passava.

Sonhei que alimentava, com meu próprio sangue, uma fonte de energia ligada ao corpo de um monstro em forma de mulher. Parecia um filme de horror de terceira categoria, em preto e branco, numa abominável e estranha versão de um Frankenstein feminino. O sonho incomodou-me a noite inteira, especialmente, quando mostrou-me que a tal fonte de energia secava rapidamente, ao alimentar a pujança do monstro, que levantava-se da mesa de experiências e atacava seu criador enfraquecido…

Foi quando ouvi as gargalhadas histéricas dela ecoarem nas paredes da casa, que acordei em alvoroço, suando muito. Confesso, sem vergonha de admiti-lo, que senti medo.

Eu, particularmente, não acredito no poder destrutivo nem torturante dos pesadelos. Todavia, um homem tem que saber perceber seus próprios mecanismos mentais de comunicação subconsciente e os sonhos fazem parte destes. Se era um reflexo do meu desespero, desejo de atenção ou uma latente psicose, eu não tinha certeza, mas aquilo começava a afectar-me o equilíbrio e o controlo.

Tentei voltar a dormir, mas demorei a pegar no sono outra vez, numa madrugada que pareceu interminável e cheia de reflexões preocupantes sobre o meu futuro. Ao desvendar a mensagem, quase por acaso, percebi que aquela havia sido bastante clara…

Na manhã seguinte, ao ficar de frente ao espelho para barbear-me, avaliando meu aspecto cada vez mais decrépito, vi que ela aproximou-se e recostou a cabeça sobre meu ombro, olhando-me com seus olhos de triunfo e desejo. Franzi a testa, mostrando uma certa irritação, ainda pensando no sonho que tivera, mas ela disse, com voz baixa e melosa, muito próxima de meu ouvido:

- Vamos lá. Não fique assim. Nós nos damos tão bem… Tu sabes quem eu sou. Posso não ter um corpo fisicamente palpável e ser somente uma imagem no espelho, mas tu sabes que meu único prazer é te dar prazer… Tu me vês como tu queres. Sou o mais real reflexo de um desejo teu. Eu sou parte de ti…aquela mais obscura e secreta que há… Eu sou totalmente feita de ti… e para ti...

A sintaxe engraçada me fez rir e ela aproveitou-se da deixa.

Passou-me os lábios no pescoço, provocante. Fechei os olhos, sentindo um conhecido calafrio percorrer-me a pele. Ela me controlava e sabia perfeitamente como fazê-lo. Passou o braço pela minha cintura e puxou-me de encontro a ela. Beijou-me com volúpia. Meu corpo respondeu imediatamente ao contacto com o dela. Ela me conduziu ao chuveiro, onde usou todos os seus talentos de sedução, deixando-me quase sem fôlego e sem determinação para sair de onde estávamos. Exercia novamente uma cruel e lúbrica soberania sobre minha vontade e minhas reacções – todas elas, tanto as voluntárias quanto as involuntárias.

Fechei os olhos e passei apenas a usufruir das sensações que meu corpo enviava ao cérebro que, por sua vez, passava a um estranho estado de consciência, entre delírio e realidade e que culminava em um prazer espasmódico e fisicamente descontrolado.

Atrasei-me, obviamente, para o trabalho, o que colocou-me em situação bastante delicada novamente. Ao invés de uma de suas costumeiras broncas, o chefe perguntou-me o que estava acontecendo comigo, dizendo-se preocupado com a conversa que tivera com o médico a meu respeito.

‘Aquele dedo-duro’, pensei comigo mesmo. Aleguei-lhe, então, que precisava de descanso e que seria adequado tirar uns dias de folga. Sob o pretexto que precisava mesmo cuidar da saúde, pedi férias ao meu superior hierárquico. Ele concordou que era a melhor solução por ora.

Na visita daquela noite, eu disse-lhe que não a queria. Menti-lhe que não estava disposto. Estava cansado, preocupado e um tanto irritado. Lutei contra meus próprios desejos e minha total ausência de controlo. Senti que suas mãos estavam-se bastante frias, enquanto brincavam em meu corpo. Embora estivesse decidido a resistir… pelo menos o máximo que eu pudesse ou conseguisse, meu corpo traiu-me, com uma clara evidência a olhos... e todo o resto... nus.

Aquela mulher não era nada tola e sabia quando tinha uma disputa vencida. Com as pernas abertas e ajoelhando-se à minha volta, alojou-se sobre meu corpo, provocantemente. Pelo reflexo, vi sua belíssima face transmutar-se com uma expressão de puro deboche, que exibiu, por sentir-se senhora absoluta da ocasião. Então, deu uma gargalhada estranhamente insana.

Foi aquele toque de crueldade pouco subtil que me fez comportar contrariamente às reacções evidentes de meu corpo. A batalha não estava perdida… ainda…

Daquela vez, ao invés de sentir prazer, eu senti um misto de pânico e repulsa… e ela notou imediatamente, quando evitei sua tentativa de beijo.

Quando sentiu que eu manifestara uma pouco disfarçada ojeriza pela sua presença, seu toque frio e sua estranha performance, sua cólera aflorou e ela transformou-se num animal ferido e portanto, fustigado e perigoso. Ainda visualizei, pela imagem no espelho, a mulher levantar a mão direita, com suas unhas afiadas em riste…

Ao vê-la preparar-se para atacar-me, saltei da cama e, com um gesto rápido e ao mesmo tempo desesperado, passei a mão no ‘abat-jour’ ainda aceso e joguei-o contra o espelho. O candeeiro soltou-se da tomada,  atingiu e partiu o alvo em muitas dezenas de pedaços. O som do vidro a espatifar-se contra o piso do quarto não me deteve. Instintivamente, mesmo envolto em quase completa escuridão, corri para o único cómodo onde não havia espelhos na casa: a cozinha.

Ofegante e ainda sem acender a luz, fiquei a ouvir, atento e com os nervos à flor da pele, os estranhos sons na casa.

Outra gargalhada histérica ecoou em alto e bom som pelas paredes. Passos, sons de unhas a arranhar o vidro, respiração arquejante, risadinhas intimidadoras… a casa parecia ter ganho vida contra mim.

Empurrei a porta da cozinha e tranquei-me lá dentro. Ela deu um grito esquisito e então tudo ficou em silêncio… um silêncio torturante e ameaçador, ao mesmo tempo.

Acocorado a um canto, alojei-me no escuro aposento - atormentado e assustado demais que estava, para sair dali. Meu cansaço, entretanto, abria brechas em minha vigília, de vez em quando e eu cochilava, para em seguida acordar-me em sobressalto, com a impressão de estar sendo atacado. Esperava que o amanhecer trouxesse um pouco mais de segurança, de modo que pudesse sair da minha reclusa cela.

Eu estava sitiado em meu próprio território – minha valiosa zona de conforto – ou o que meu apartamento havia sido até então…

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Vida



Se for sol,
Que eu seja calor;
Se for chuva,
Que eu seja rio;
Se for vento,
Que eu seja uma pluma,
Que se deixe levar;
E se for terra,
Que eu seja, somente,
Uma pequena semente…

sábado, 29 de dezembro de 2012

Milagres...


…E ao ouvir tua voz,
Assim tão familiar e,
Ao mesmo tempo,
Tão além 
Do meu campo
De visão,
Do calor do meu corpo
E do meu abraço,
Minha própria voz me falta
E meu coração se alvoraça,
Como um bando de pardais
A levantar voo,
Numa morna tarde
De Verão.
Minha emoção assenhora-se
Da minha razão 
E flui,
Livre
E arrebatada,
Para além de meus olhos,
Como um rio
Que, serpenteando
Por verdes vales,
Vai desaguar
Nos braços
Do oceano…
E enquanto, assim,
Tão distante de ti,
E suspenso
Entre o delírio,
A saudade
E o desejo
De te rever,
Sinto,
Por vezes,
Que já nem pertenço
- Mais -
A mim somente…
Só então compreendo
Que, enquanto eu contemplava
Asas nascidas
Em costas alheias,
Não percebia
Que era o teu carinho
- E tão-somente ele -
Que permitia a mim
O milagre
- Único -
De tirar os pés do chão
E alçar meu próprio
Voo…

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Pride of Lions - An Adventure in the Bush


The Reserve open top truck stopped in the middle of the open savannah in the twilight of a mild November Tuesday. As the afternoon light turned slowly down to dusk the most daring wild animals started coming round for their daily hunting routine.

A little black-backed jackal was the first one coming closer to the truck and we just kept silent as the animal approached quietly, almost curiously. That was normal practice in the bush: to be as quiet as possible, so to allow the local fauna to live their own lives as near to normality as possible, without any human interference. To my surprise, the canid was smaller than I thought it would be, from my admitted poor knowledge taken from reading encyclopaedias or watching the Natural Science channel on TV. It was alone or so it seemed to us. I thought they hunted in packs, so I assumed that one was the leader and it was ahead of the group, so to signalize with a characteristic yelp when sighting signs of prey.

A sudden click followed by an indistinct sequence of short sentences in the ranger handheld transceiver scared the shy jackal away. A message was coming through. From our part, we had to make a good effort to try and apprehend the meaning of the radio communication exchanged. For a moment it seemed to me I was playing a role in one of those American films where the park rangers had a radio conversation between them and no one around would understand a word.


Not so many hours before, we parked the white Volkswagen Jetta by one of the rustic huts at the Nature Reserve situated almost at the borderline between South Africa and Botswana. It was a long drive from Johannesburg to the Reserve, but we were on holidays, anyway. Two couples travelling together and staying for a week in the bush, seeking a little rest and some contact with the nature. That was what we were. While we unpacked the trunk full of groceries and bags, we heard peculiar noises around the cabin where we were going to stay for about a week.

- Baboons, the host said. Careful with them, as they can easily attack you in search of food in the house. Lock the doors and windows, or else... well, you know...

We exchanged funny looks, trying to hide our concerns. The sentence did not really need to be completed. We certainly knew the consequences, from previous occasional advices.

It was early still, but we noticed the closer it got to the end of the day, the wilder and louder the noises became.

It was tradition to leave the lodge on a game drive by the end of the afternoon when the sun was sliding down the sky and the air was thus becoming fresher. When the daylight was waning, the wildlife would naturally be more effusive. The reason was that with lower temperatures and less light, the heat of the animals looking for food would go up. The preys would eventually go out of their hidings and so would the predators.

Large groups of springboks, gazelles, zebras and wildebeests, small families of giraffes and warthogs, heavy herds of buffalos and wild elephants had been spotted in some of our previous visits to the reserves.

In some instances we had experienced unusual encounters with wild animals in the country bush environment. South African wildlife is always very rich and vivid. Once in the wild, people are supposed to respect the animals, being in silence and staying away from their way, so they can live their lives in safety and as normal as possible. Most of them are used to the presence of cars and trucks stopped on specific sighting spots or the roads in the parks. People are advised and warned not to open their windows or doors or walk out in the bush, as wild animals are natural hunters and humans can be easy preys to lions, hyenas, baboons or any other hungry animal... Although most of the animals do not attack vehicles, baboons are always travelling in groups and use to jump onto or sit on top of them and try to find their way in. If they come inside, trouble is certainly one of the sad consequences, as they usually bite, scratch and might even kill, if opportunity allows it...

On one of the occasions, we had to drive away from an infuriated elephant which thought we were on the way threatening the safety of its family, mainly the very young ones. The larger member of the Big Five - a group of animals in danger of extinction - stopped in the middle of the road, turned to us and flapped its big ears, signalling that we should move away immediately. We were overwhelmed. As it did not see any reaction from us, it rushed against the car in order to eliminate the menace away from the group it was leading. It was then we learned elephants can be very dangerous if they feel their safety is being put in danger. They do not have natural enemies, as no other wild animal is strong enough to win a fight against them. Being big in the bush has its advantages. Men, however, are the only “animals” who would hunt them and could endanger the species.


Another click brought our attention back to the radio resting on top of the panel. The other rangers we had met some minutes before in the middle of the bush were asking assistance to follow a pride of lions they wanted to monitor the migration route in the park.

The truck made its way through the middle of the dry vegetation and we had to duck many times when it passed through the sharp thorns of the bushes. The driver, a ranger in his mid-thirties, with pale freckled skin and blond-ginger hair, seemed excited to help in spite of the bad mood his young wife at his side on the front seat expressed for the long time being waiting for him in the savannah late afternoon. Sitting on the back seats, two couples of young tourists, eager for a nice time in the South African bush and the taste for some mild adventure, become suddenly thrilled.

While we were on our way to the meeting spot, the radio kept on clicking and incomprehensible messages were exchanged between the group of rangers and our host. When we reached the clearing, there was an obvious excitement in the air. Although the tone of voice was very low, they were exhilarating.

A recently dead young ‘springbok‘ was bleeding in the fork of an almost dry tree. We could hear the sound of lions around us, attracted by the smell of fresh blood. The lights were out and dope loaded hunting rifles were directed to the tree bait.

There was a heavy silence in the air, but the atmosphere was a mix of expectancy and curiosity...

I was almost holding my breath, trying not to be the one who would give our position away to the beasts. We had to stand against the wind, so the pride could not detect our presence in the dark. The huge savage cats roared around. They were not surely only two or three.


We did not really feel in danger, as there were many weapons pointed around, but I kept myself very quiet sitting on the truck back seat. Two of the lions reached the dead gazelle but we waited for more to come. They were trying to drag the buck off of the tree fork.

A shot targeted to a large and strong female made her fall immediately, scaring the other animal away. The lioness still fought a bit, trying to move but the dope was strong and although a bit stubborn, the beast was rendered.

We immediately jumped out of the lorry and came around. The sound of the other lions roaring close to us made my spine chill. The vehicle lights were on now. One of the rangers told us not to touch the animal with bare hands, as they could carry too many unknown diseases. Rubber gloves were distributed so people could pat the sleeping animal.

I refrained from doing so, staying at the back of the group. I was definitely inappropriately dressed for a hunt. Besides the grey Bermuda shorts and a pale green t-shirt, I was wearing rubber soled flip-flops and, fortunately, a navy-blue nylon jacket.

The night was becoming colder and I longed for fire to heat me up a bit, but that would have to wait for long, I supposed. I did not pronounce my secret wish; just kept on looking at the people in silent curiosity and awe. There was a very sharp and long thorn coming up the rubber sole of my flip flops through the middle of my toes but I did not react, nor moved, nor talked. I slowly took it off and put the improper beach sandal back down underneath my right foot, without a word.

We heard the sound of the other savage creatures coming closer to where we were, roaring loudly, to announce their presence around us. Powerful flash lights were lit so we could stay safer for a moment and would have the lioness rolled over a large rectangular piece of canvas. Six men were needed to lift the enormous female up to the back of one of the trucks.

As soon as it was placed on, we heard a second shot. One of the guys put a young male down with a straight shot and we all held our breaths before we could run closer to the animal. The dart was still on its back leg when the strength left the huge feline and it slowly fell down on its side. It was approximately three years old and weighed more than two-hundred kilograms, said one of the men. That was indeed a nice strong male lion, an exceptionally beautiful specimen, although still smooth and without the sign of a mane around his head. That one male was more difficult to be placed on the truck where the other female was already.

Time passed by very quickly in the excitement of the night. Lights went out again as we heard the proximity of more members of the “panthera leo” family and they were not just but a few. We were back on the truck, a little safer and away from where the already torn bleeding gazelle was placed. When three more young lions were down, the others went away, not without protesting. The growls of the beasts were still too close to make us feel safe in the middle of the bush at that time of the evening.

The first two lions were carried out to another point in a smaller truck, where a group of rangers was already awaiting with their own paraphernalia, ready to take blood samples to be analyzed and categorized. We were left four of them to pack and take them later to the meeting point where they all were by then.

- Can you join in and help us with the other animals? We will need all the aid we can get, but you are free to say no if you do not feel comfortable in doing so. It is your call.

The ranger was serious. It was not a plea, but I knew he would not invite me if they did not have all that need of human force to assist them move the lions.

- Of course I help... I said, trying to be as casual as possible and hide my own excitement.

Greg, a friend of ours – who came with us from Johannesburg -was smaller and leaner than me and said yes. I would never say no. Besides that, I was thrilled enough to take my part in that play.

We were not in number enough to manage the situation without help anyway. The girls were sent back to the lodge. We did not want to put them in danger and we intended to be brief and go back as early as possible to have a well deserved supper with them.

Six men moving lions from the dusty ground to the trucks in a piece of canvas was not the only task we had to carry out. The more difficult part was to place them up into the dumping bed.

One by one, four young lions were placed on the open trunk, but our muscles started showing signs of stress as time went by. The last one was definitely harder to lift but we managed to put it lying perpendicular to the other three ones. There would be no place for us to be but in the back where the lions were already laying. When we climbed on the truck, the only places left for me and two of the guys were standing with our feet almost underneath the drowsy beasts. The last one had the mouth placed very close to by ankles and we could smell its bad breath from where we were standing.

The truck went ahead in the middle of the bush not respecting anything. Time definitely urged. The roads were practically inexistent and the lorry had to make its own to reach the path closer to the electric fence. We had to be as quick as we could and the driver was aware of the urgency of the situation. We did not know how much longer we could keep the animals put to sleep still cataleptic. When we reached the dusty road we felt a bump on the back.

One of the tires went flat. We jumped off as hastily as a flashing lightning. To my sense of time, it was the quickest change of tires I had ever experienced in my life. The guys did not have time to spend and we could be putting ourselves in danger. My ears were attentive to any movement or sound around us. We knew we might have been followed by wild angry lions in search of their feline buddies. We were no hunters, but they did not know that. We were humans and were keeping the members of their family as hostages, thus we were nothing more than natural enemies.

One of the guys pulled my arm when he saw me coming closer to the electric fence.

- Careful, he said. This can put a big man down.

I think he was trying to tell me I had no chance. I knew I was a small man compared to that huge South African man wearing the khaki ranger uniform and who was making me feel even smaller than I already was.

Back to the truck in about five minutes or so, we followed the sandy trail by the fence. The driver turned right again into the bush and drove hastily and carelessly to the middle of a clearing where he spotted some lights on. The night was fresh, moony and starred but those were undeniably artificial lights. I was afraid another tire would go flat, but that was not the overall fear in the group of men on board of that dark green lorry. I kind of felt a deep relief when I saw the lights ahead, where the other rangers were waiting for us. We were the last ones to arrive.

One lion was lying on the dry grass already. They were taking blood samples with what looked like a huge syringe and marking its back leg with hot iron, the way they use to do with cattle in a farm. The beast moved a bit and one of the guys ran to bring another injection of dope to keep the group at safe. How long it was there it was not really important, but we knew that we had to be quick. I was given a pair of rubber gloves by one of the veterinarian rangers.

Besides Greg, I was the other weakest ring of their chain. When we moved the first lion off the back of the truck I was told to hold its head firmly and aligned so not to let it break the neck if a sudden movement would make it fall to the side. I did not say no. Just took my position and embraced the huge heavy weighted head against my chest.

One by one the lions were carefully placed on the dry grass, one close to the other.

Next easy task for me was to rub a kind of ointment on the hot iron burned mark on the leg of the animals. The intention was to prevent infection and more unnecessary pain to the animals.

Greg had to be sitting on top of the “Daktari-like” van flashing the spotlight in all directions so to keep the wild animals off of the clearing where we were working at. We knew we could have been followed by the main pride.

Each lion was marked with a different symbol and two full syringes of blood were taken from their strong bodies. A nickname was given to each of them, noted in a pad, associated with the hot iron burned mark created by the rangers. I noticed two of them, a man and a girl, were veterinarians. After drenching the balm into the second back leg, my glove was torn, but I did no complain. Just knew I could not touch back any part of my body so to avoid any risk of infection. There was neither water nor food for us and I did not feel like peeing, so I was safe, for the moment.

One of the guys told Greg to keep the lights flashing around as he heard the sound of lions announcing they were coming closer. One of the animals growled and moved. My blood froze. We had to let it go. It was already marked and we had the blood samples stored. We’d better let it go.

I knew that time would come eventually but I expected we had it all set before the lions started waking up. That was not the case whatsoever. It started moving, trying to stand up in its still weak sluggish legs. But as I learned from cats, all felines are amazing animals; strong and persistent, they would never give up. The beast eventually got back on its four legs and looked at us.

The group was all alert, but the danger was imminent. I took a careful look around. There were no trees to climb up. All we had were the trucks and dry sharp thorn bushes. We had nowhere to run neither time enough to do so, if we were attacked.

A ranger climbed up on top of the van where Greg was holding the light with all his attention at the young male lion and quickly directed the strong beam to the animal eyes. The beast growled, stopped and then one of the guys shouted while another one shot the air to scare the lion, which protested, but did not move away. Maybe it was not strong enough and wanted to make us believe he was not as scared as we were. Maybe it was the real pride of the group – a leader of a sort.

The loud characteristic thud of the gunshot made the pride around the clearing react immediately. We heard the sound of roaring lions all around us and they did not seem to be pleased at all.

Our own beast was still staring at us, challenging the group of men to step ahead, as if we could or would dare. No one did. Neither did the big cat. Tension was heavy in the air when a second shot was heard and a third one soon after that. The beast objected with a snarl and turned around, running away from us to the opposite side into the dark night. It seemed the other members of the pride received the returning member with welcoming satisfaction as we heard the characteristic howls when it probably regrouped with the other ones.

By our feet we still had six lions almost waking up from an induced sleep. The burned marks on their members would not be welcome if they were sore by the time the wild animals woke up. We had to be quick.

Two more samples, hot iron cattle burning marks and some pad notes were taken on the last two young lions. The huge female which had taken the second shot of dope was still asleep in spite of the last dose being considerably smaller than the first one. Many attentive eyes were being kept around and I was quick to rub the ointment in the wounds. By that time the rubber glove was nothing but a faint version of the ones I got when we arrived at the clearing, but no one cared about it anyway.

One of the first lions which still drowsed on the dry vegetation was already moving its ear, breathing faster and slowly waking up. From our part, we started packing our things as quickly as possible. The flashlight was like police car lights flashing frantically all around the place. Greg was nervous... and so was everyone. Only the necessary instruments were still at hand when we finished the work on a most amazingly strong cat. Most of the guys were already ready to leave the spot when I put the protective balm onto the very last animal leg.

One by one the trucks left. We were last.

When I climbed the truck and took my seat on the back, it was long past midnight. I took a look around to where the lions were laying and saw the effect of the doping being over on most of them. The ranger said we should not wait any longer as the lights were not enough to keep the rest of pride away from the marked animals. That was evident when I looked ahead to the dark bush being illuminated by the truck lights and saw a pair of yellowish eyes flashing in our direction.

- Time to go, guys.

It was only then that I realized I was starving and feeling cold. The ranger came back to real life when I mentioned the simple facts of normal existence of mortals and said:

- We are going to be in big trouble for being so late and the girls are probably mad at us. They were supposed to have the supper prepared and be waiting for us a long time ago.

I have to confess that was not my first concern. I needed a bath, some clean clothes and a good hot meal. My stomach growled loudly. The truck was on the way to the lodge.


We were eager to tell the girls our adventures of the night and I imagined ourselves sitting around a campfire, eating a good coal roasted piece of meat and drinking some nice red and dry South African wine.

Little knew I that things were not as simple and straight forward as I wanted them to be. The girls had had their own adventure in the meantime.


When they arrived at the main house and dropped the hostess home, a wild elephant came too close to their truck and stopped at its back, impeding them to go backwards. For most of the people they are cute animals, but for those who had to run away from angry ones in the middle of the bush in another occasion, elephants were scary and violent contenders. Once they are angry, they would attack and step on anything they would find on their way. One would not want to stand on their path of destruction.

Afraid of the enormous danger standing behind the truck the girls had to wait in almost complete silence before they finally drove away to the hut. When the elephant was eventually gone, almost an hour had passed, but they were safe. With a sigh of relief, they headed to the bungalow where we were staying, some meters away from the main house. At that time of the night it would be dangerous to walk without someone to protect them, so they had to take the truck anyway.

Interesting fact was that no one in the house noticed the incident until they were told next morning.

A servant, who was designated to light the fire - so they could prepare the food on the ‘braai’ built on the outer area the hut, was patiently waiting for them to come. He lit the fire when they arrived and went away without saying many words. We learned some of them could not verbalize in English, so they would not try, particularly to strangers.

The meat was placed on the grill and not surprisingly the animals around immediately smelled the appealing scent of cooking meat. Monkeys started to get closer and making their presence be noticed by emitting loud scaring growls. Afraid of the attack of the wild monkeys, the girls ran inside the hut quarters. The meat was left unattended. The baboons made louder and wilder noises, as they came closer to the food. Feeling guilty for having lost a not started battle against the animals, in spite of their fear, the girls went out again, collected the still uncooked meat and locked themselves inside. Once in safety against the predators, they longed for us to be back in a little while, but that did not happen so soon.


By the time we arrived at the cottage, tired, worn out, starving and dirty, we were told there was no supper ready. They stated, with funny faces, the only thing we had to eat was bread and butter.

A bit disappointed, but not feeling strong or willing enough to complain, we decided to ask for details only after a good warm disinfecting shower and that was what we did. Showered and with clean clothes on I longed for a good hot meal but had to be satisfied with a roll of bread and butter, which was good enough for the time, but it was inadequate to the ones who expected at least some coal grilled meat.

It was the girls’ time to tell us what had happened that prevented them to wait for us with our evening meal ready. So, they told us all about their own incidental adventure.


We heard them with full attention, sometimes making comments, but feeling a bit guilty for not being there to support them. In the end and after some laughs, however, we realized that some bread rolls with simple butter spread on top was a very welcome meal at the end of the day anyway.

A proper “braai” would have to wait until the next day. At least the meat would have been marinated enough, thought I, on my way to bed, antecipating the taste of the meal and longing to tell them everything about our own adventure in the bush... 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Viagem...


Eu vou ali,

Já volto…

Vou buscar um pouco mais

De luz

Para iluminar nossos caminhos,

Mais sorrisos

Para alegrar nossos dias,

Um Verão morno

Para aquecer nossos corações,

Uma cura

Para todas as Saudades

E outras fortuitas angústias

Da alma…

Eu vou só ali,

Já volto…

Vou buscar meu conforto

Que ficou

Numa curva da estrada,

Numa cama desfeita,

Fria e sem cobertas,

Neste espaço enorme

Que ficou entre o vazio

E meu corpo,

Longe do teu peito,

Longe do teu calor

E do toque suave

Das tuas mãos.

Eu vou só ali,

Já volto…

Pois não posso dormir

Em braços que não os teus,

Em abraços

Que não me acalentam o espírito,

Em beijos

Que não me fazem sonhar,

Em carícias

Que não me arrepiam a pele,

Em sussurros

Que não são segredos teus,

- Desses que eu guardo,

Em silêncio,

Bem no fundo da memória -

Eu vou só ali,

Já volto…

Prometo que não demoro…

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Da Imagem No Espelho (Parte 1)


Parado no hall, em frente à porta dupla de metal cinzento, eu tinha os pensamentos tão longe quanto pudessem estar, enquanto acompanhava distraidamente, com os olhos, o display a mostrar a contagem regressiva dos andares por onde o elevador passava.

Em dias normais evitava usar aquela caixa, que eu considerava minúscula, fria e claustrofóbica, puxada apenas por alguns cabos de aço, num sombrio fosso rectangular, para subir até o escritório em que trabalhava. Costumava subir os quatro andares a pé, para garantir o mínimo de exercício diário, além de me sentir bem mais à vontade ao utilizar as escadas.

Os últimos dias vinham transcorrendo extremamente corridos no escritório e eu já demonstrava visíveis sinais de cansaço. Começara a reconhecer que estava à beira de um colapso físico e mental, quando os sinais de uma conhecida enxaqueca começaram a se manifestar. Não por preguiça, mas por conveniência, decidira, desta vez, usar o meio mais fácil, apesar de sentir-me bastante inseguro e desconfortável dentro dele.

Com um som característico, a porta abriu-se à minha frente. A parede do fundo, oposta à entrada do elevador era coberta por um espelho que ia do teto à meia parede, em oposição ao restante do compartimento, de aço inoxidável escovado - moderno, fácil de limpar, mas completamente impessoal.

Minha primeira reacção, antes de entrar, foi de olhar ao espelho, instintivamente, como se verificasse se estava apresentável. Mas, para minha surpresa, outra visão chamou-me a atenção, quando meus olhos fixaram-se na imagem reflectida.

Parada em pé, por trás de mim, havia uma mulher morena, trajando um vestido negro muito justo ao corpo bem formado. Os cabelos negros, presos em um coque ao alto da cabeça, por dois palitos laqueados em preto, decorados com pequenos detalhes coloridos, salpicados em branco, vermelho e dourado, em estilo japonês, fulgiam à luz que entrava pela janela acima da parede do hall de entrada.

Até aquele momento, talvez por estar absorvido demais em meu pequeno mundo e em meus próprios problemas, não havia sequer tomado consciência de que não estava só. Com um passar rápido de olhos avaliei a imagem reflectida ante meus olhos. A mulher era bela e extremamente sensual à primeira vista. Tentei não fixar o olhar, por tempo demasiado longo, para não parecer pouco polido, mas notei que ela me observava com atenção, como se eu fosse um produto exposto numa vitrina. O tecido do vestido acentuava suas curvas e um generoso decote atraía meu olhar, magneticamente e sem decoro nenhum. Apesar daquela análise preliminar acontecer em nada mais que umas poucas fracções de segundos, o tempo registado em minha mente pareceu-me longo suficiente para captar aquela série de pequenos detalhes. Senti-me como naquelas cenas em câmara lenta dos filmes românticos de décadas passadas. Adiantei-me e entrei, sem hesitar, como já era costume, esperando cumprimentá-la assim que estivéssemos a sós.

A porta, porém, logo fechou-se às minhas costas, deixando-me um pouco decepcionado por ter ficado sozinho, já que ela não fez menção de entrar. Talvez o tempo em que fiquei hesitante em entrar tenha sido longo demais, afinal. De uma coisa eu estava absolutamente certo: nunca antes a havia visto por ali, pois uma mulher daquelas não era de passar despercebida. Num gesto de gentileza estudada e com uma pontinha de esperança a cobrir minha decepção, apertei o botão para abrir a porta, pois achei que a mesma fechara rapidamente demais e a deixara sem tempo para entrar.

Ao abrir-se vi que já não havia mais ninguém no hall, onde antes ela estivera. Comecei a desconfiar que o tempo estava contra mim.

Um homem de meia-idade, trajando um distinto e impecável blazer em tweed cinza escuro sobre as calças em tecido liso, no mesmo tom formal, entrou às pressas, enquanto eu escondia meu desapontamento, como um adolescente contrariado, olhando para minhas próprias mãos.

Desci no quarto andar, onde fui logo engolido pelo stress do quotidiano, pois antes de chegar ao meu posto de trabalho, meu chefe já me aguardava com uma série de planilhas a revisar, com uma sequência adicional de colunas de cálculo estatístico. O dia correu normalmente e sem grandes surpresas, no escritório de Contabilidade, onde o trabalho era basicamente previsível e repetitivo, como os minutos que somam-se para completar as horas. Uma rotina bicromática e monótona, como se fosse uma frase sem graça, escrita a giz branco num quadro negro na parede de uma escola de subúrbio.

O incidente do elevador fora totalmente esquecido, em meio aos números e fórmulas das planilhas de cálculos, no decorrer das longas e extenuantes horas do expediente no escritório. O único acontecimento diferente naquele dia fora um breve telefonema de uma amiga, convidando-me a sair e tomar um café, logo depois de sair do trabalho.




A pequena mulher de cabelos loiros, em corte curto, cuidadosa e propositadamente desalinhado, sentada a fumar tranquila e confortavelmente à minha frente, na esplanada do Café, não muito longe de onde trabalhava, sorria naturalmente enquanto contava acontecimentos corriqueiros de seu dia. Seus inquisidores olhos, de um tom interessante de azul-cobalto, pousavam sobre mim de uma maneira divertida, com um interesse dissimulado, que eu fingia não perceber.

Éramos algo próximo a bons parceiros, que desfrutávamos de uma intimidade natural. Nos bons tempos, costumávamos ir ao cinema, teatro, jantar juntos. Nossos encontros eram mais ou menos frequentes, mas careciam do calor de um relacionamento feito para aprofundar-se em alguma raia de romance – mais por minha culpa que dela. Fazíamos boa companhia um ao outro - na pior das hipóteses – o que nos bastava naquele momento... ou, pelo menos, era o que eu considerava.

O agradável aroma do café espresso, denso e forte, preenchia o ar, enquanto discorríamos em um pouco de conversa fútil, comum e sem qualquer profundidade, contando nossos problemas do dia-a-dia, naquele nosso breve encontro de fim de tarde de Outono. Marcamos outro contacto, para uma próxima ocasião e nos despedimos, como de costume e sem demonstração de excessivo calor. Eu voltava à realidade. Preocupei-me com o pão e o café com leite “nosso de cada dia” e fui-me pela vida afora, de volta à casa e à proteção reclusa da minha pequena concha.



Sonhos sempre constituíram materiais de interesse para mim, pois os considerava, na melhor vertente Jungiana, que traziam importantes mensagens do meu subconsciente. Por um bom tempo estudei-os, lendo as teorias dos meus autores favoritos, em vários livros especializados.

Alguns dias haviam passado e, numa certa madrugada, tive a sensação que algo tocou-me, de leve, a pele do pescoço. Acordei meio em sobressalto, crendo ter sido tocado por algum insecto, já que não havia outra criatura viva no apartamento. Acendi as luzes e procurei, em vão, a fonte do incómodo. ‘Devo ter sonhado’, pensei, ao voltar para a cama, adormecendo logo em seguida. Se fora um sonho, não consegui lembrar-me de muitos detalhes do mesmo mais tarde.

Algumas semanas depois, sentindo já o frio de inverno e devidamente aconchegados do lado de dentro do Café onde costumávamos nos encontrar, decidimos ir à casa, preparar algo mais substancioso para comer. Uma garrafa de vinho tinto foi aberta, para bebericarmos enquanto eu preparava uma pizza, a solução mais rápida, aceite de comum acordo, naquele momento.

Por algum motivo inexplicável, deixei-me levar por uma demonstração de afecto que recebi, enquanto aguardávamos a refeição ficar devidamente assada. Talvez o álcool tenha contribuído para baixar minhas guardas e a ocasião fora devidamente aproveitada pela mulher de olhos azuis e face francamente harmoniosa, parada de pé ao meu lado. Um olhar lânguido dirigido a mim, seguido por um sorriso meio matreiro em resposta, de minha parte, foram suficientes...

Ela aproximou-se com cautela estudada, cheirou-me a região do pescoço e enlaçou-me o corpo com delicadeza. Movi a cabeça para trás, tocando a dela, de leve, quase de brincadeira e virei-me de frente, devagar. Um segundo depois estávamos a nos olhar no fundo dos olhos, sem dizer nada, mas sentindo que era inevitável o que iria se seguir. O beijo foi morno, suave e sem pressa. Senti meu corpo reagir ao leve toque dos meus lábios nos dela, aumentando a pulsação e a temperatura da pele.

O apito intermitente e quase desesperado do forno, bem na hora em que minhas mãos puxavam o corpo miúdo, quase frágil, de encontro ao meu, interrompeu o curso dos acontecimentos e quebrou um pouco do encanto do ensejo. O jantar estava pronto. Nossos apetites confundiam-se com nossos desejos de outros sentidos, mas o aroma do queijo derretido, gratinado, venceu a batalha, que mal começara.

Mais tarde, sob o efeito desinibidor de mais de uma garrafa inteira de vinho tinto, ficamos abraçados a ouvir música, enrolados num cobertor sobre o sofá da sala. Não foi preciso muito para nos deixarmos levar, como em um barco à deriva, no balanço das ondas da sedução. A face delicada, os lábios rosados, os profundos e grandes olhos azuis, fixos nos meus e o corpo bem proporcionado, iniciaram um processo que não pode ser interrompido, antes de devidamente concluído.

Depois que a nau já estava ancorada em porto seguro, fechei os olhos e respirei fundo, sentindo-me satisfeito com o que tinha naquele momento. Com a cabeça recostada no meu peito e envolta pelos meus braços, a pequena mulher aconchegou-se, passou seu delicado braço pelo meu corpo e adormeceu em seguida. Eu deixara-me levar pela ocasião, impulsionado pelo néctar de Baco e pelo calor sensual do momento. Agora a leve embriaguez e a música suave a tocar, ainda, embalavam-me ao sono, num relaxamento confortavelmente profundo… afundando no sofá, como um corpo que cai no vazio.

Pouquíssimo tempo depois senti que minha face fora tocada por alguma coisa muito suave. Ao passar a mão sobre a pele, não distingui nada que me pudesse dar aquela sensação. Pensando haver adormecido e sonhado, fechei os olhos novamente, confortado e relaxado. Naquele momento eu quase acreditava que podia deixar a relação evoluir a um passo adiante. A mesma estranha e suave sensação a me roçar a face me perturbou, desta vez. Instintivamente passei a mão sobre o rosto, sem tocar em nada, além de minha própria pele.

Intrigado, abri os olhos e, quase por acaso, olhei para o espelho na parede. Sentada acima de nós, sobre o encosto do sofá, sorrindo provocadoramente para mim, havia uma mulher morena. Ela aproximou-se e beijou-me a face ligeiramente. Sua cabeça estava encoberta por um véu negro, muito fino e leve, quase transparente, deixando suficientemente à mostra todos os atributos de sua atraente beleza. Examinei o espaço à minha volta, para certificar-me do que vira, mas não havia nada. Pensei haver delirado. Ao olhar de volta para o espelho, entretanto, percebi que o enredo parecia ser outro, completamente diferente, onde eu a via novamente achegar-se e beijar-me a face, docemente, como se quisesse certificar-se que eu compreendia o que acontecia. A sensação era incrivelmente confortante, delicada, morna e, por incrível que pareça, muito bem-vinda.

A face semi-escondida pelo finíssimo véu negro pareceu-me encantadora, apesar de ter-me sido revelada apenas no reflexo do espelho na parede da sala. Ela então levantou a cobertura da cabeça, com um gesto sensualmente provocante, sem tirar os olhos de mim, revelando de maneira segura, sua face perfeita.

Era uma jovem mulher de lábios sensualmente carnudos e pele morena impecavelmente livre de quaisquer defeitos, com luzentes cabelos negros, lisos e presos em um coque à japonesa, no alto da cabeça, por duas hastes em forma de ‘chopsticks’ negros, decorados com uma delicada sequência abstracta de cores contrastantes, sobre os delgados palitos pintados de um cintilante esmalte escuro.

Desvencilhei-me, com cuidado, da mulher que ainda dormia. Levantei-me, ainda meio incrédulo, ante o surrealismo daquela situação e fui até o espelho, quase que numa espécie de transe, sem tirar os olhos do filme que via passar-se lá dentro.

A mulher morena levantou-se de onde estava e, sorrindo, veio em minha direcção. Ao se aproximar, encostou o corpo morno por trás de mim e passou os braços em volta do meu corpo, enquanto beijava-me o rosto novamente.

Ao meu ouvido, sussurrou:

- Gostas?

Eu suspirei, quase num esforço a resistir e gemi baixinho. Ela passou as delicadas mãos na região do meu peito, acarinhando-me sensualmente. Meu corpo reagiu momentaneamente… Um arrepio me desceu pela espinha. Ela deu uma risadinha e afastou-se um pouco.

Com os olhos ainda fixos no seu rosto perfeito, reflectido à minha frente, foi somente então que reconheci a mulher que havia visto de relance no espelho do elevador semanas atrás. Ela leu o reconhecimento em meus olhos e abriu um largo sorriso, com dentes perfeitos e brancos.

Vi que ela voltou ao sofá, calma e provocantemente. Pousou os olhos em mim, passou os braços em volta do pescoço da mulher que estava ainda deitada a dormitar, sufocando-a devagar e firmemente, fazendo-a engasgar, sentindo falta de ar e arregalando os olhos, sem compreender exactamente o que se passava.

Aflito com o que vi acontecendo, corri para tentar impedir que ela sucedesse em seu plano estranhamente mal-intencionado, mas não consegui tocar o corpo etéreo e invisível da mulher morena, agarrando o ar ao invés de qualquer presença física. Ela riu… uma gargalhada que começara quase normal, mas que inesperadamente tornou-se insana e quase histérica… e, então, falou pausadamente, para ser bem ouvida e deixar claro que tipo de intenções tinha.

- Tu és meu… só meu!!!

Uma sombra de apreensão estampou-se em meu rosto e eu gritei-lhe que parasse.

- Antes, prometa que vais ser só meu… Prometa!

Ela expunha um desequilíbrio que me preocupava, alternado com seu toque provocante de sedução. No tom estranho de sua voz, ela mostrava, além de uma certa demência, também o que era capaz de fazer. Eu via a vida de minha amiga por um fio ante meus olhos, agredida por uma algoz invisível e intocável, à qual eu tinha  que impedir,de alguma forma, que fosse além das medidas, antes que fosse tarde demais.

Olhando de volta ao espelho para tentar perceber a situação por completo, mesmo com muito pouco controlo sobre ela, cedi. 

- Ok. Eu prometo! Eu prometo, mas deixe-a em paz... pelo amor de Deus!

Ela percebeu uma certa impaciência, misturada com alguma preocupação, na minha forma de falar. Então, apertou um pouco mais, até que sentiu a mulher desfalecer e meu desespero manifestar-se em lágrimas de impotência ante aquela situação bizarra. Libertou, então, sua vítima e com seu corpo delgado e sua face extremamente bela, mas com uma expressão de puro e assumido deboche, aproximou-se de minha face e disse, baixinho, com a voz arrastada, mas suficientemente nítida:

- Tens que te convencer que tu és meu… de mais ninguém. Nunca te esqueças disso.

A mensagem havia sido absoluta e perigosamente directa e clara.

Chamei a emergência imediatamente. Quando os paramédicos chegaram, a pobre mulher já estava voltando a si, sem compreender o que havia acontecido. Não havia marcas em seu pescoço ou no corpo, para meu alívio. Aquilo parecia uma perigosa brincadeira em que eu me metera, às cegas.

Os exames preliminares não detectaram nada que pudesse ter ocasionado o desmaio. Diagnosticaram uma provável queda brusca de pressão e solicitaram observação, uma consulta ao especialista e uma bateria de exames. Ela me olhava incrédula, sem saber o que fazer e sem saber o que dizer.

Eu estava lívido, triste e quase desesperado, temendo que ela me fizesse alguma pergunta que eu não queria nem poderia responder. No reflexo do vidro da porta eu via a face morena, cujos olhos me vigiavam atentamente, fiscalizando meus movimentos e tudo que eu pudesse dizer ou fazer. Eu estava encurralado. Desviei o olhar, envergonhado.

- É melhor descansar. Eu te levo para casa. 



À noite, sozinho no quarto, senti algo tocar-me a pele. Acendi as luzes, mas não via nada. Meio desnorteado pelo cansaço e sono, eu me perguntei: sonhei ou estarei enlouquecendo?

Pelo espelho na parede via que minha opressora se sentava sobre meu corpo, tomando posse do que não era seu por direito e contorcendo-se de prazer, provocadora, ante meus olhos quase cépticos. Ela estava mais ousada, agindo como se tivesse obtido uma vitória. Eu tinha que reconhecer que seu corpo, coberto apenas pelo véu negro e transparente que agora trazia, era belíssimo e sensual – desejavelmente perfeito para os meus padrões. A voz era firme e atraentemente sensual, apresentando um matiz quase rouco e grave, sem ser, de forma alguma, masculinizada. Quase num sussurro, ela disse-me:

- Tu me tens. Não sou suficiente boa para ti? Por que necessitarias de outra? Eu posso te dar tudo o que quiseres… e até mais que isso.

Joguei a cabeça para trás e semi-cerrei os olhos, sentindo o movimento de seus quadris sobre os meus, devagar, ritmado, lascivo… Não resisti. Deixei-me levar lentamente, sem pressa, na volúpia do momento e no prazer que ela me proporcionava. Ela conhecia meus desejos e minhas necessidades físicas. Eu não podia negar que ela havia-me envolvido completamente.

Quando vi um flash de luz violeta iluminar o quarto, como por mágica, explodi em mim mesmo… com um brado abafado pela boca de minha amante. Se aquilo era um delírio, eu estava completamente envolvido na loucura.

O quarto pareceu escurecer repentinamente. Olhei à volta. Devo ter mesmo delirado ou sonhado. Não havia ninguém por perto. Meu corpo, todavia, ainda mostrava as evidências do que havia-me acontecido segundos atrás.

Olhei para o espelho. Sobre meu corpo havia outro, feminino, pálido, coberto com um véu negro. Ela levantou a cabeça, jogou os cabelos negros para trás com um movimento provocante, exibiu um sorriso zombeteiro e esquisito, quase num esgar, passou as unhas vagarosamente sobre o meu peito, levantou-se e deixou-me. Uma estranha sensação de ardência ficou latejando em minha pele. Exausto, cedi ao sono.


Ao acordar-me, já em hora adiantada na manhã, senti que precisava urgentemente de um banho. Ao entrar no banheiro, meu olhar foi atraído pela minha própria imagem reflectida no espelho e pude perceber claramente as profundas marcas vermelhas dos arranhões que ela deixara sobre meu corpo. Lavei-me e enxuguei-me com cautela, evitando piorar o estado dos ferimentos. Vesti a camisa com cuidado, depois de passar uma fina camada de pomada com anti-inflamatório sobre os arranhões. Ao sair, penso ter ouvido o que parecia ser uma risada, mas resolvi não dar atenção. Tinha certeza que havia imaginado aquilo.

- Acho que estou enlouquecendo mesmo, pensei.

Durante o dia não conseguia me concentrar no trabalho, especialmente quando involuntariamente o tecido da camisa roçava a pele tão recentemente ferida.

À noite, fui visitado por minha amiga, que veio ver-me em casa. Eu não me senti confortável, mas não quis levantar suspeita. Ela se aproximou e encostou-se no meu peito, na sua maneira carinhosa de saudar-me. Uma espécie de arrepio e uma retracção natural me percorreram a pele. Ela percebeu que minha respiração entrecortou por um breve momento e me perguntou o que havia de errado. Minha resposta não a convenceu, especialmente quando me tocou novamente e sentiu que eu fiquei tenso. Desconfiada, abriu-me rapidamente a camisa e olhou-me com um misto de surpresa e repulsa.

- Mas o quê…

Sem esperar mais resposta, esbofeteou-me com força e saiu porta afora, indignada. Eu não reagi. Não havia o que eu pudesse dizer que a convencesse a me olhar novamente, diante da evidência ostentada em meu corpo.

Fechei a porta, com um empurrão enfurecido. Por trás de mim ouvi o som de uma risada conhecida a fazer pouco caso de mim. Ela vencia a batalha, mas ainda não vencia a guerra.

Atravessei o corredor, sem tirar os olhos do chão. Evitei todos os possíveis reflexos em uma casa cheia de superfícies de vidro e espelhos distribuídos em vários aposentos. Não acendi nenhuma luz, enquanto me dirigia ao quarto.

Eu via somente duas alternativas: ceder ou enfrentá-la.

Era teimoso demais para ceder. Estava cansado demais para lutar.

Atirei-me na cama, profundamente irritado. Meu corpo todo doía, de tensão muscular.