quinta-feira, 19 de maio de 2011

Killing Joe - Parte 1

O vento do sul sopra pelo beco, agitando as folhas secas e revelando um corpo tombado de frente, contra o chão frio e encardido. Um fio do viscoso líquido vermelho escorre pelos espaços entre as pedras gastas. 

No bolso do homem caído, um papel com uma mensagem escrita em rubro: “I killed Joe Hardy”, aparentemente recém colocado, mal é percebido. A letra era quase uma garatuja rebuscada, porém bem desenhada e um pouco antiquada, aparentemente pertencendo à uma mão firme e masculina, acostumada com a escrita. 

A figura vestida em um casaco cinza escuro olha o corpo caído e recoloca a tampa prateada na caneta, com a ponta manchada de vermelho, sem limpá-la. Com um sorriso de soslaio, coloca a arma cuidadosa, mas ostensivamente, no bolso superior do casaco. As inicias JH, gravadas em relevo no corpo da caneta, desapareciam para dentro do tecido grosso do agasalho. Era provocação, sabia, mas aquilo parecia acender uma veia perversamente sádica em sua mente. 

Quem diria que aquele objecto, com uma aparência tão inocente, seria uma arma assim perigosa? 

Morto com seu próprio instrumento de trabalho, um pequeno souvenir que o acompanhara por grande parte da sua vida, o pobre homem jazia com o rosto colado à pedra fria e suja do calçamento na viela do beco. 

Vendo que sua missão estava terminada, o espectador, então, levanta a gola e sai. 

*** 

Quando viu o corpo caído, uma angústia profunda assolou-lhe o espírito. Correu, já com o telefone em punho, discando o número da emergência, mesmo sabendo que poderia ser tarde demais para socorrer o pobre corpo inerte jogado no paralelepípedo. Virou-o com cuidado e acolheu-o em seus braços, sentindo-se impotente diante da grandiosidade de uma decorrência tão natural e ao mesmo tempo tão incontrolável e inaceitável da vida. Com a mão, tentou limpar, desajeitadamente, um pouco do sangue que manchava o rosto do homem. Abraçou-o, segurando o corpo dele contra o seu, enterrando o rosto em seu ombro e chorou. Chorou como nunca havia chorado antes, diante da morte de alguém. Chorou como se parte dela estivesse morrendo naquele momento, com aquele, cuja vida esvaía-se como o sangue que já começava a secar por entre as pedras do calçamento. 

A uma certa distância, dois olhos observavam a figura sentada a chorar, abraçada ao homem estendido no chão gelado … 

*** 

Joe é um escritor. Apesar de uma vida cheia de percalços e pouca sorte em termos sentimentais, seu coração se entrega facilmente. Ele não tem medo de se expor, pois acha que as oportunidades não batem duas vezes na mesma porta. Mas ele nem sempre foi assim. A maturidade ensinou-o a despojar-se de prosaísmos. Como as coisas vieram tardiamente…quase tudo… ao atingir a meia-idade, começou a arriscar mais, com receio que o tempo que lhe restava não fosse suficiente para viver com a intensidade que sempre almejara. Riscos calculados e cuidadosamente planeados começaram a fazer parte de sua vida. 

Joe não acredita em Amor - com letra maiúscula -, ou é isso que sempre diz…o que não o impede de estar apaixonado constantemente, como todo escritor e poeta que alguma vez conheceu. Apaixonar-se inspira-lhe e aguça-lhe a imaginação, fazendo-o escrever sem parar, como se fosse acometido de uma febre. Platão morreria de inveja daquele homem, que precisava sentir calor no espírito ou não conseguiria produzir sua literatura. Um solitário, por assim dizer, com uma vida praticamente desconhecida pelas pessoas com as quais convivia. 

Ela o viu pela primeira vez num dia em que nada parecia lhe dar satisfação. Tentou parecer indiferente, apesar de não se sentir à vontade naquele ambiente pouco familiar. Era uma desconhecida, trazida por um amigo comum. 

Enquanto se entretinha com uma taça da única bebida alcoólica naquele evento, estudava os movimentos do homem de meia-idade - seu sorriso aberto, sua forma ligeira de caminhar, a maneira como tocava de leve nas pessoas, quando passava. 

Joe acabara de lançar o seu segundo livro - desta vez eram poemas -, um projecto acarinhado pelo ego e pela paixão, três anos depois do primeiro - um romance policial. Trazia uma taça de vinho branco na mão esquerda e tentava dar atenção a todos que lhe cumprimentavam. 

Quando os olhos cruzaram, o poeta sorriu. Uma sensação insólita mexeu-lhe com as entranhas. O homem trouxe-lhe um livro e comentou, enquanto lhe entregava o mesmo: “vejo que és a única pessoa aqui dentro que não carregas nas mãos a obra recém lançada”. Ela ficou meio sem graça, mas entrou na brincadeira, dando um sorriso timidamente encantador. Joe autografou-lhe o livro, com uma frase que a deixou ligeiramente perturbada. “Aos mistérios de estranhos e à emoção da descoberta. Cheers”. 

Nas horas seguintes, embora procurasse contacto visual, não foi correspondida pelo dono da noite. Ao sair, ainda deixou-se levar pela tentativa frustrada de um olhar, mas não topou com nenhum. Teve vontade de jogar o livro na primeira lixeira que encontrasse, mas acabou por resolver levar o exemplar e deixá-lo na estante. Não era aficionada por poesia, nem gostava muito de ler. Era uma mulher prática, não uma sonhadora. 

Alguns dias depois o telefone tocou. “Olá, estranha”. Ela reconheceu a voz. Teve vontade de desligar imediatamente, mas havia algo naquela saudação que a intrigava. “Olá”, disse, seca. “Não foi muito fácil encontrar o número, mas finalmente meus meios deram resultado. Espero que compreendas que não pude dar atenção durante o lançamento do livro. Não vou pedir desculpas, mas espero que não tenhas ficado chateada comigo”. O que aquele homem queria dela? “Não se preocupe. Eu compreendo. Não fiquei chateada, mesmo porque não podia achar que mereci mais atenção do que tive”… Deixou a frase assim reticente, para ver o efeito que causaria. ‘Eu também sei jogar, Joe’… pensou com um sorrisinho, que jamais seria visto pelo seu interlocutor. “Podemos nos encontrar e tomar um café?” Será que ele quer discutir o livro? Eu nem sei direito onde joguei aquela “coisa”, pensou, enquanto corria os olhos pela estante de livros, não muito recheada com uns exemplares tradicionais e alguns velhos CD’s de rock clássico. Avistou o pequeno livro no canto, provavelmente guardado pela mulher que fazia a limpeza. “OK. Escolha o lugar”. 

A figura sentada à mesa saboreava um café de aroma forte quando ele entrou. Tinha os olhos ocupados sobre as páginas de um livro, que folheava displicentemente. Parecia avaliar o conteúdo daquelas passagens, que talvez nem fizessem verdadeiro efeito em sua vida. Ele observou-a por um curto espaço de tempo e aproximou-se com um sorriso. “Este lugar está ocupado?” A leitora levantou os olhos do livro e sorriu em resposta. Joe sentou-se à frente dela e fixou-lhe o olhar. Sentiu-se enrubescer, mas aceitou o desafio, encarando-o com naturalidade estudada. Gostava daquela jogada… 

*** 

O homem de olhos esverdeados abriu a porta do pequeno aposento, parcamente mobilado com uma escrivaninha com gaveta e espelho, mais uma cadeira giratória de escritório. Não havia janelas, apenas uma espécie de veneziana sobre a porta, por onde o ar circulava. 

Ele costumava abrir a gaveta e apreciar seus troféus, cuidadosamente alinhados em um suporte de madeira, feito à mão. O artesão era cuidadoso. Mantinha assim guardados, os últimos vestígios de suas conquistas. Um souvenir de cada uma, ainda tingidos com o sangue das vítimas. Ele passa os dedos por sobre os objectos, quase acarinhando cada um deles, enquanto fechava os olhos sentindo um prazer incompreensível a quem visse de fora. A mente dele funcionava diferente, sabia muito bem… 

Virou-se, tomou o casaco, que se encontrava pendurado num cabide instalado na parede atrás da porta e saiu, fechando o aposento com uma pequena chave que trazia pendurada, num cordão pardo, ao pescoço. Já à porta do prédio, levanta a gola e sai pela rua fria, encarando o vento de Outono que lhe fustigava o rosto bem barbeado. Tinha um encontro marcado e não queria se atrasar… 

*** 

Joe estava sentado à mesma mesa, no mesmo café onde se encontraram pela primeira vez. Parecia tranquilo e feliz. O poeta deixava-se levar pelo coração. Ela, por sua vez, tecia uma teia intrincada, cautelosamente, em torno do homem mais velho. Portavam-se como amigos de longa data. Joe envolvia-se sem medo. Precisava daquela ilusão. 

Ela tinha olhos de um azul quase transparente de água marinha, um tanto puxados e cabelos castanhos, cortados curtos e cuidadosamente arrumados em um penteado para o lado direito, por sobre a pele perfeita da larga e pálida testa. Tinha um sorriso encantador, que nem sempre se abria, nos lábios bem desenhados. Era esbelta e longilínea. Tinha mãos brancas, com dedos finos e compridos. Seu aperto de mão era forte e firme, entretanto. O nariz era recto e delicado, condizendo com a face ovalada, tão agradável de se olhar. Movia-se com harmonia e andar suave e erecto. Parecia ter gostos extravagantes, pela forma como se vestia e pelo carro que conduzia. Joe não pode deixar de notar o relógio caro e ostensivo que carregava ao pulso esquerdo, embora não se impressionasse com aquele tipo de coisas. 

Aquela jovem sabia seduzir como profissional. Observava os movimentos do homem mais velho, quase a não querer ser percebida, mas Joe já sabia como fazer para espreitá-la, sem ter que cruzar os olhares, pois sentia-se constrangido de fazê-lo, com medo de afugentá-la. 

Ao passar por trás da cadeira, roçou de leve o ombro do homem, com os dedos. Aquele toque causava um efeito estranho no corpo do homem sentado. Ele sentia-se arrepiar, como se um frio estivesse preparando para congelar-lhe a alma. Ao se virar, borboletas voaram-lhe das entranhas. Sabia que era um sinal conhecido, mas decidira ignorar. Estava envolvendo-se demais pela mulher que acabara de chegar e gostava de sentir aquele desconforto estranhamente bem-vindo. Jogava alto, sabendo que as perdas poderiam não compensar, no final, mas já não se importava com aquilo. Ele sabia que o tempo não era um amigo fiável, por isso tinha pressa em aproveitar a oportunidade. 

Joe tinha medo de envelhecer, mas não desesperava com a vida e com a velocidade com que as coisas aconteciam à sua volta. 

Aquela canção começou a tocar ao mesmo tempo em que ela sentou-se à frente do homem. Ambos sorriram, ao reconhecer a melodia e as palavras cantadas pela voz aveludada da vocalista. Daquele momento em diante, tornou-se como se fosse o tema deles. Quando tinha oportunidade, murmurava os acordes, cantarolava ou colocava a tocar para os dois.

"Yes, Boss, I'm on the mike... I'll try to give you what you like... I can be soft, I can be hot"... * (Hess is More - Yes, Boss)

Embora parecesse casual, Joe tinha esperança que ela o estivesse provocando, de uma maneira que achava estimulante e até se divertia com aquilo. Os olhos o seguiam, mesmo quando fingia não o fazer. Mas o homem mais experiente já conhecia aquele comportamento. Ele sabia jogar e, jogar com uma pessoa tão bonita, como aquela sentada à sua frente, causava-lhe uma satisfação enorme… 

Mais tarde, na mesma noite, sentiu-se bem diferente de como vinha se sentindo ultimamente: desejado, atraente, sedutor… Pensou na frase que havia usado, não muito antes e que cabia, como uma luva, naquela ocasião: o homem que tem um passado como o dele, não tem porque temer o futuro… e sorriu secretamente, virado para o lado oposto, fechando os olhos e adormecendo em seguida. 

*** 

O homem observava, de longe, a pequena e quase íntima reunião. Parecia que os dois se davam bastante bem, pela forma como se olhavam, os sorrisos que trocavam e as risadas tão soltas. Vez ou outra tocavam um no braço do outro, furtivamente – numa forma quase desintencional. Percebia uma evolução no comportamento dos dois, desde que começara a observá-los juntos. Agora encontravam-se com frequência, passando vários momentos juntos, contando histórias, rindo de quase tudo. Logo chegaria a hora certa, ele sabia. Já sentia uma certa excitação crescer dentro de si, enquanto pensava no que fazer. Ele tinha certeza que teria de usar o “elemento surpresa”, se quisesse ser bem sucedido em seu intento…… Era imprescindível que agisse no momento certo, ou perderia aquela oportunidade, que poderia nunca se repetir outra vez.

Não podia, nem queria, perder aquela chance - única - ou esta iria-lhe sair muito cara... muito cara mesmo.

sábado, 9 de abril de 2011

Revelations


Soft and cool
Like gentle breeze
Blowing through
The floating curtains
Of memories,
This melody
Makes my body move,
Slowly
And tenderly,
In a magic sway,
With the sweet rhythm
Of the piano
And the guitar.
A sudden glimpse
Of a smile
-So lovely
Ando so openly candid-
Attracts my attention,
My interest
And my desire,
Warming my soul up,
Making me enjoy
The beat,
The vibration
And the pleasure
That grow inside me,
As if a volcano
Could pump affection
Through my veins
And make me dance
Like an innocent child
Who has no worries,
No fear
And no secrets to hide.
I close my eyes,
And that image remains
-Unaffected and unique-
Like the scent
Of a lover’s body
And the sound of whispers
Behind the ears,
The touch of fingertips
-Playing along the skin-
And the sweet-salty
Taste of lust
And morning dew,
Piling up sensations
And arousing my senses
In a frantic state
Of heart and mind.
My emotions
Run wild
With the music
That grow in tempo
Revealing – eventually-
That although we have
No memories to share
-No past,
No history-
We still have
Our lives ahead...
-Intensely vivid
And vividly intense-...

terça-feira, 8 de março de 2011

Asas

…E se fosses um anjo
E caísses dos céus,
Eu deixaria de ser
Quem hoje sou,
Para ser as asas
Que te ergueriam
No ar,
Permitindo que voltasses
A alçar
O teu excelso
- E fascinante -
Voo…
Pelo menos
Uma vez mais…

sábado, 5 de março de 2011

Flor Selvagem

E vens 
como um vento morno 
de verão, 
acaricias minha pele, 
quando danças 
à minha volta 
e emaranhas meus pensamentos, 
causando uma desordem 
de sentimentos, 
provocando sensações, 
que despertam pequenos diabretes 
que se soltam 
livres de minha alma. 
Flor rara e selvagem, 
de doce aroma, 
bela 
e cheia de perigos, 
provoca-me emoções 
nunca experimentadas, 
me conduz por caminhos 
nunca trilhados, 
à terra de doces prazeres 
nunca dantes provados. 
Estranha sensação 
de consciência indomada, 
corre pelas minhas veias 
como um veneno bem-vindo, 
pronto a me provocar
loucas aventuras, 
como se minha alma deslizasse 
pelas ondas lascivas 
de um profundo oceano azul. 
Tua pele quase virgem, 
com a textura de uma pétala 
de seda, 
é tal qual página branca 
onde me atrevo a escrever 
poemas de paixão e desejo, 
com as pontas suaves, 
mas firmes, 
de meus dedos, 
arrancando vibrações 
descontroladas, 
quando te sussurro, 
ao ouvido, 
os anseios de meu coração, 
fazendo-te corar, 
como um anjo juvenil 
e me sentindo especial 
por ser aquele 
que te faz sentir 
extraordinariamente singular. 

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Wild Flower

You came
Like a warm summer wind,
Swirling around my body,
Touching gently
The surface of my skin,
Playing along with
All my senses
And arousing desires,
Like a naughty fiend,
Emerging free
From inside my soul.
Sweet scented
-Rare-
And wild Flower,
Full of beauty and
Filled with tricky dangers,
Bring me emotions
Never experienced,
Carry me through
Unknown pathways,
To the land
Of the “never tasted”
Sweet delights.
Daze sensation
Of untamed consciousness,
Run through my veins,
Like a welcome poison,
Ready to take me
To frenzied adventures,
Surfing my way
Down the luscious waves
Of the deep and blue ocean.
Your nearly virgin pale skin,
Resembles a smooth petal
-A blank page-,
Where I dare to write
Passionate verses
Of infatuation,
With the tender -but firm-
Touch of my fingertips,
Plucking out
Amusing -and uncontrolled -
Vibrations,
When I whisper
Lovely and true wishes,
-Making you blush,
Like a pubescent angel-
And feeling special
For being the one
Who makes you feel
Extraordinarily unique.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Thin Ice

…And then,

Suddenly,

A crevice

In the thin ice

Of deceit

Comes into sight,

From under

My bare feet

And I find myself

Surrounded

By the cold waters

Of truth,

Struggling to breathe,

So I can survive

Reality,

Trying to find out

Whose truth

Lies underneath

The surface

Of the real one…

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Ride

I ride fierce winds

And thunder bolts,

Fighting wild beasts

And startling thoughts,

While I face ghosts

I am not scared of

Anymore.

I bring anguish

And I bring solace,

The aching pressure

And warm touch

Of fingertips

On bare skin,

Rising chills

Up the spine,

While I slowly

Knead the pain away.

I ride horses

That cannot be tamed

And passions

That should not be controlled,

Making sweet attempts

To bring stillness,

Where there once

Were blowing storms.

I (just like you) had

My heart broken

Uncountable times,

Before the pieces

Were mended

In a puzzle of pain,

To allow them

Finally ascend

-Alive and anew-

From flames

That burned inside

My soul,

Like the Phoenix

Born and risen

From its own ashes,

To a fresh

And praiseworthy life.

I have touched

Strings of hatred

And distrust

To produce sounds

Of sweet harmony

And pleasure

From the cold

And tensioned steel,

Bringing a silent torrent

Of screams

That flooded

The mind and the eyes

Of my sweet

Candied loving one.

I ride the fears

Of your untouched spirit

And find myself

Missing emotions

I have never had,

While a question

Comes straight

From the reason

Of my mind

To the essence

Of your feelings:

‘What is it,

After all,

That are you so afraid of?’