- Olha
para mim. Olha para mim. Só um bocadinho. Um segundo que seja...
Isso... Tu não tens ideia do que se passa, não é?
Eu
venho cá todos os dias, à mesma hora, sento-me à mesma mesa e espero
ansiosamente pela tua chegada. Tu me olhas, mas não me vês, como se eu
fosse transparente… e eu
sou… completamente transparente. Basta veres como os talheres
escapam-me das mãos, cada vez que teus olhos cruzam os meus.
Às vezes tu
sorris, quando me olhas e pensas que eu não noto, mas basta eu te olhar e tu desvias e
disfarças, como se a minha invasão te ferisse.
Tenho medo de ferir-te.
Tenho medo de ferir-me, na tentativa de não ferir-te.
Receio que teu
riso seja de troça e que o desvio de teu olhar seja por impaciência.
Receio dirigir-te a palavra. Tenho medo da rejeição. Prefiro que troces
de mim e rias do meu mau-jeito do que nunca mais
me olhes ou evites minha presença desajeitada.
Só queria ter mais
coragem e cumprimentar-te, mas este pensamento
assusta-me.
Já não consigo engolir a comida. Já não consigo organizar
meus pensamentos. Já nem consigo tirar os olhos
de ti.
Droga! Corei.
E se fugires, ao perceberes, impaciente, que eu
passei do limite, corando deste jeito?
Devo ir, antes que faça uma
vergonheira. Meu coração está destroçado, mas meu orgulho está intacto.
Mas nem ficaria triste se meu orgulho deixasse minha
coragem entrar em cena… em grande!
Não me olhes agora. Tenho as faces
afogueadas. Meu corpo inteiro arde. Apesar do frio, sinto um calor
infernal.
É verão dentro de mim… Mas teus olhos não perceberão. Tuas mãos não
sentirão. Teus lábios não tocarão.
Tenho que ir,
antes que caia à tua frente e peça-te para falares comigo. Antes que eu
perca o controlo e te diga como me sinto.
Tenho medo de mim. Melhor
sair correndo, já que, se ficar, dói-me o peito. Adeus. Amanhã volto cá e
faço este filme todo outra vez. Quem sabe o destino
aja a meu favor e faça-te sentar perto de mim… Se isso acontecer, não
serei capaz de almoçar.
Melhor que fiques longe de mim... Assim, numa
distância segura, onde nossos olhos possam olhar e cruzar, sem que
nossos outros sentidos sejam afetados, assim, no meio
da multidão.
Vou-me, que meu peito dói muito. Minha cabeça dói. Minha
garganta está seca. Melhor eu ir… já… antes que seja tarde demais...
***
- Oh! Foi-se... Como todos os dias...
Daria tudo para ter certeza que aquele olhar tão tímido volte
amanhã. Passo os dias a pensar naquele olhar e tentar perceber porque
deixa cair os talheres cada vez que eu olho naquela direção.
Às vezes
sorrio, desajeitadamente, só
para ver se recebo, pelo menos, um traço de resposta, mas qual nada! Só
desvias o olhar. E quando isso acontece, meu peito dói e minha cabeça
diz-me para esquecer, de vez, que aquele olhar, tão magnético, poderia,
um dia, olhar-me para sempre, admirar-me, desejar-me,
como eu desejo.
Tenho medo. De machucar-me. De magoar-te.
Não consigo
tirar meus olhos de ti, por mais que tente, mas não consigo sustentar
tua timidez com a minha. Vejo-te enrubescer e sinto que invadi tua tão
salvaguardada privacidade. Mas ficas tão bem, assim, com esse rubor a decorar-te as faces pálidas.
Quem me dera ter coragem
para dizer-te olá. Queria tanto sentir teu cheiro, o calor da tua pele,
o toque de tua boca. Queria sentir a força das tuas mãos a apertar as
minhas e fazer-te as promessas que tenho medo de ouvir.
Por que a coragem
falta-me justamente quando mais devia dar-me incentivo?
Tenho que seguir-te.
Tenho que chegar perto de ti, mas tenho medo que
rias de mim. Tenho receio que ao ver-me, assim tão perto, chames a
segurança e levem-me para longe de ti.
Tenho medo de mim. Tenho medo de
não conseguir controlar-me amanhã, quando sentar
à mesa à tua frente, tão cuidadosamente escolhida por mim, para não
perder-te de vista... naqueles poucos minutos em que estamos frente a frente... tão perto e tão distantes...
Sinto um calor quando levantas e sais. Depois, minha
alma congela, por sentir tanto tua falta perto de mim.
Passas, sem olhar-me. Meus
olhos, desejosos de ti, não te perdem, jamais, de vista.
Amanhã tenho
que tomar coragem. Não consigo mais viver assim, sem poder chegar mais
perto de ti. Quem sabe, amanhã, eu consiga dizer-te algo estúpido, só para ter tua atenção e para ouvir tua voz...
Quem sabe até sorrias para mim e respondas com algo mais estúpido ainda... e aquilo nos faça rir do ridículo da situação... e nos aproximemos... e...
Amanhã... Quem sabe, amanhã não fujas de mim, como foges todos os dias...
Amanhã...
Hoje... infelizmente... já perdi-te... mais uma vez!
Hoje... infelizmente... já perdi-te... mais uma vez!
***