Olhou para o céu, à noite, mas não viu
estrelas. Tudo o que via era uma imensa cobertura uniforme, tingida de um índigo,
quase negro. Tudo pareceu-lhe tão seco, tão obtuso, tão trivial. Até mesmo a
noite havia-se tornado inteiramente desprovida de qualquer interesse. Suspirou.
Talvez quem estivesse seco fosse ele… mais por dentro que por fora…
***
A chuva caía lá fora. Torrencialmente. Ele
gostava de chuva. Dizia que era bom para as plantas e para a alma. Resolveu
sair, mesmo assim. Pensou em como uma decisão daquelas poderia mudar tudo. Em
outras ocasiões, no passado, jamais sairia na chuva, se pudesse evitar. Agora,
era questão de querer, não de poder. E ele queria.
Vestiu o casaco impermeável. Puxou o
capuz por cima da cabeça e saiu. O ar frio de outono bateu-lhe de frente.
Baixou a cabeça e ganhou a rua, a passos ligeiros. Sabia onde ir e tinha
pressa.
***
Tacteou a mão dentro do bolso. Entre um
tubo de protetor labial, um lenço de papel e as chaves do apartamento, estava o
que procurava. Acariciou, com as pontas dos dedos, a superfície fria do metal.
Quase sorriu.
À porta, depois das três batidas
usuais, esperou. O som da chave, a girar na fechadura, encheu-o de uma excitação
conhecida, numa antecipação maior que em outras vezes. Entrou em silêncio, até
ouvir a porta fechar-se às suas costas.
O coração disparou.
***