Pela janela, eu olhava a faixa escura, além das luzes da cidade. Um desconfortável e negro vazio esmagava-me a alma, sem piedade alguma, pintando minhas recordações com tons sombrios. O som da campainha a tocar trouxe-me, subitamente, de volta à realidade.
Abri porta e convidei-o entrar. Com um sorriso maroto e atraente, puxou-me para si. “Abraçou-me, como se abraça o tempo, a vida num momento, em gestos nunca iguais”*...
Depois disse-me ao pé do ouvido, que sentia saudades minhas e fez-me navegar naquela onda de carinho. Suas mãos tornaram-se suaves instrumentos de deleite, ao tocar minha pele, meus cabelos, minha boca… Ele experimentou o sabor do meu corpo, minha saliva, meu suor… fazendo-me gemer, como se sentisse alguma dor… tão próxima do prazer, que confundia-me os sentidos.
E olhou-me como se visse através de mim… e consumiu-me, como se faminto estivesse… e bebeu-me, com a sede de um andarilho no meio do deserto… e sufocou-me, com seu beijo voraz, um grito incontrolado, como se quisesse alimentar-se do meu gozo…
Se pudesse ler-me os pensamentos, perceberia que nos carinhos dele eu ganho asas… poderosas e imensas. E sinto que “uma asa voa a cada beijo”* seu e que ele dá-me aquilo que eu nunca pensei ansiar: a loucura de voar e ganhar outros céus…
E quando, depois de nos rendermos ao desvario da entrega, o calor de nossos corpos arrefece e ficamos abraçados, quietinhos, a aproveitar o doce remanso da paixão, ele fala de suas incertezas e inseguranças. E diz-me que tem receio de pensar que nossa relação não seja o que eu espero, nem o que ele pode oferecer-me. E, às vezes, até chora… um choro angustiado e quase silencioso…
Eu, porém, sinto-me em segurança, num conforto preenchido por uma paz, que bem pode ser falsa, mas que não importa, realmente, contanto que esteja ali, com ele, pelo menos naqueles intensos momentos em que o sinto só meu.
Às vezes apetece-me também chorar, no abrigo de seus fortes braços, sentindo o calor de seus lábios a roçar-me o pescoço e arrepiar-me a pele, numa impressão controversa de frio e quente, que o diverte e o faz rir-se de mim, fazendo-me enrubescer com falso pudor… mas, sentindo-me, ao mesmo tempo, mais que especial.
Ele, então, recomeça a brincadeira de tocar-me o corpo, com a delicadeza de suas mãos grandes e mornas, fazendo-me desabrochar com seu contacto, como se das cinzas revivesse e a descobrir-me sensual, como nunca dantes pensara ser...
Uma explosão vermelha faz-me imaginar que o mundo lá fora parou de girar… distante de nós, numa outra galáxia, talvez… até que o despertador do telemóvel, insensível e cruel, toca outra vez e ele levanta-se da cama quente - em um silêncio, que não sei, ao certo, compreender – veste-se e sai, por fim, (...),”levando-me o perfume de tantas noites mais”.*
Eu, então, encolho-me com as cobertas entre as pernas, como se fosse uma flor a murchar ao frio e ao vento e volto a sentir aquele imenso vazio negro a dilacerar-me por dentro, com seu frio e afiado punhal, que vai cortando, lentamente, todas as minhas alegrias e esperanças.
Vejo-o a partir novamente, após a breve despedida… e penso nele a chegar a casa e abraçar a fiel esposa…
(* Extraído de Pedro Abrunhosa: Eu não sei quem te perdeu)