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domingo, 1 de abril de 2018

Pelo Litoral (Epílogo)


- Monarca? 

- Mas isso não é um tipo de borboleta? 

- Todo este investimento gasto em uma pesquisa baseada em estudos sobre uma borboleta? 

- Não se enganem. A pesquisa é muito séria e os resultados são garantidos… 

- Quem disse? Ainda não começamos a produção e não sabemos se os resultados são garantidos. Quem pode confiar nisso? 

- Eu posso! 

O Conselho estava dividido. De um lado, os investidores e os membros da direcção estavam confusos e achavam que apostaram no cavalo errado. Cada vez mais, sentiam que haviam sido enganados… e em grande! 

Do outro lado, o Director Geral estava certo das origens e do resultado da pesquisa e tinha certeza que ia ficar muito rico. Ele sabia mais que os outros, mas não podia realmente revelar de onde vinha uma certeza tão grande. 

Ele lembrou do dia em que encontrou o homenzinho estranho, pela primeira vez. 

*** 

A figura era muito pouco comum. Praticamente um albino, o homenzinho parecia uma estranha mistura de um alienígena com um hominídeo qualquer, para não dizer outra coisa. Parecia saído de um filme de ficção científica, com sua pele pálida e sua cabeça grande, desproporcional ao corpo mirrado. 

- Vou enviar a cápsula através de uma fenda no tempo, no que será percebido como daqui a uma semana. Até lá, não voltaremos a conversar. Aquele será o sinal, para iniciarmos as negociações. Esta operação deverá manter-se em sigilo, até que tenhamos segurança suficiente para não levantar suspeitas indesejadas. 

- É justo. Se a cápsula não for entregue, não temos negócio e a vida vai continuar normalmente e sem mais problemas que já temos. 

- Não lhe peço para acreditar em nada, sem as devidas provas. Aqui está a chave para abrir a cápsula. Sem ela, é apenas uma esfera metálica, encontrada no oceano. Não há outra forma de abri-la… 

- Por que vai ser jogada no oceano? Podia ser entregue em outro lugar… de outra forma… 

- Por causa da dimensão que tem. Além do mais, o oceano servirá como um bom amortecedor da queda. Em terra firme, iria chamar muita atenção e poderia sofrer danos ao cair. A amostra estará dentro de um pequeno recipiente, devidamente protegido. 

- Se a amostra vem em um recipiente pequeno, para que precisa de uma cápsula de grande dimensão? 

O homenzinho sorriu. Sua face parecia pouco acostumada com demonstrações de simpatia. Seu semblante ficou sério novamente, quase que de imediato. 

- Porque a amostra não será a única coisa que será enviada dentro da cápsula. 

*** 

Os dois rapazes seguiram na direcção da entrada, sem olhar para trás. Do lado de fora do Campus, começava uma grande confusão de sons de sirenes a berrar pelas ruas e vindo na direcção deles. Dentro do Campus, o incêndio aumentava as proporções, destruindo tudo o que havia sido o então laboratório de pesquisas. Os dois seguiram pelo caminho contrário e entraram na primeira estação do metro, sem conversar e sem olhar para trás. 

Ao passarem para a plataforma, viram que uma carruagem acabava de aportar e entraram nela, sem titubear. Tinham pressa de sair dali o quanto antes. 

Na superfície, o caos estava armado, apesar daquela hora da noite. Além dos bombeiros, policiais e equipas de segurança do Campus, um afluxo de curiosos também lotava o local. 

No subterrâneo, os vagões do metro avançavam em velocidade controlada, afastando-se cada vez mais da região onde estava instalada a Universidade. 

O rapaz de óculos quebrou o silêncio, depois de um tempo. Ainda estava pálido e nervoso. 

- O que foi aquilo? 

- Ainda não sei direito. Mas foi assustador. 

- Se foi. Ainda sinto aquela mão fria no meu ombro. Tenho receio do que vi. De onde será que ele veio? Parecia saído de um filme de ficção científica! 

O outro tentou esboçar um sorriso, mas estava muito preocupado, para brincar com o que acabara de acontecer. 

- Ele deve, provavelmente, ter saído de lá, antes que os bombeiros e a polícia chegassem. Não deve ter esperado por ninguém, para sumir dali, ou teria que dar muitas explicações. Não acredito que alguma explicação possa ser fácil de ser dada, de todo jeito. 

- E o que nós faremos agora? Nunca encontraremos respostas para nossas dúvidas e não poderemos confirmar nossas teorias. Perdemos a viagem… 

- Talvez não… acho que, de alguma forma, vamos ter que voltar a ver o nosso homem misterioso… Ainda não sei como, mas acho que ele pode ter respostas. 

- Oh, não! Lá vamos nós, outra vez! 

*** 

A notícia vinha em letras grandes, na primeira página do jornal mais vendido no país: N.M.E. sendo investigada, por alterações na genética dos alimentos. 

O artigo trazia detalhes de alterações genéticas, que conduziam à uma dependência química, como nas drogas ditas ilegais. O mesmo acontecia com a industrialização de medicamentos, numa fase mais avançada dos negócios da empresa, que também se suspeitava que viciavam os usuários. O consumo de ambos havia aumentado vertiginosamente, o que levou às suspeitas de que havia algo acontecendo na empresa, para ter os resultados aumentados exponencialmente, em tão pouco tempo e sem grandes estratégias evidentes de marketing. 

O rapaz de óculos estendeu o jornal ao amigo, depois de ler atentamente toda a matéria publicada. 

- Eu sabia que havia alguma coisa muito errada. 

- Só que não conseguimos provar nada, nem ao menos encontrar evidências, depois do incidente com o laboratório da Universidade. 

- Depois de passado este tempo todo, a única coisa que eu lembro de bom, foi que aquelas férias terminaram logo. De resto, só perdemos nosso tempo e dinheiro, além das confusões em que estivemos envolvidos. 

- Pois… E nem ao menos encontramos aquele homenzinho estranho outra vez… Será que…? 

O rapaz olhou o amigo, depois daquela pergunta malfeita, sabendo que, aparentemente, sua cabeça estava a trabalhar em alta velocidade, como sempre acontecia, quando estava a planear alguma coisa. Mais de um ano havia-se passado, desde que os dois voltaram daquelas férias, que foram totalmente estragadas pelas circunstâncias. 

A vida no quartel voltava ao normal, mas a aventura ficava com um gosto de situação não resolvida. Com o tempo foi mais fácil deixar aquela sensação de lado, mas, agora, aquela notícia trazia tudo de volta. 

- O que tu achas de voltarmos lá? 

- Estás louco? Aquilo já não é para nós. Deixa a polícia encarregar-se deles. Não há nada que possamos fazer. 

- Não sei, não… Eles são criminosos e na matéria do jornal só há menção às falcatruas relativas aos alimentos e medicamentos, o que nós chegamos a suspeitar também. Nunca associaram a empresa ao crime contra os dois rapazes, mortos, inocentemente, em nosso lugar… nem à explosão do laboratório. Por que será? 

- Ai, meu Deus! 

*** 

- Eu não quero estar envolvido num escândalo destas proporções. Não foi para isso que eu lhes vendi a fórmula. Eles vão acabar vasculhando muita coisa e chegar até mim. Isso não vai acabar bem. 

- Por que isso o incomoda? O que eu faço com o resultado da pesquisa e das modificações, que nós trabalhamos tanto para implementar, é somente da minha conta e, claro, da companhia. 

- Eu saí do meu exílio porque não estou de acordo com o rumo que as coisas tomaram. A intenção era outra, desde o começo…e eu lhe disse isso… 

- Não devias ter voltado para cá. Nosso contrato foi fechado há muito tempo. Eu paguei bastante caro por tudo isso. E estou somente colhendo os dividendos… 

- Dividendos? Aprimorar a fórmula dos medicamentos para retardar o envelhecimento e vender o produto por milhões de Euros, apenas para uns poucos magnatas, que têm medo de morrer, não é somente colher dividendos, na minha opinião. A humanidade… 

- Quem se importa com a humanidade? Estes pobres seres nem sabem por qual motivo ainda caminham neste planeta… Não merecem o chão que pisam! Eu não vou alterar um milímetro do que eu consegui até agora, por causa dos teus escrúpulos. Eles não existiam quando fizemos o acordo e fechamos o contrato. Por que esta recaída, agora? Que eu saiba, tu destruíste um planeta inteiro, com todos os habitantes ainda vivendo lá… 

- Todos menos um… dois… para falar a verdade. Mas isso foi uma medida desesperada. Não havia salvação para aquele planeta… 

- Nem tampouco para este! O que está feito, está feito. É minha decisão. E não te preocupes. Nunca chegarão a ti. Não para onde vais… 

- Como assim? Eu não vou dizer-te para onde vou… 

- Digo-te eu! E não vais para longe da minha vista… 

O homem abriu uma gaveta e tirou uma arma automática de dentro dela, apontou para o homenzinho estranho e atirou. O único projéctil lançado pelo silenciador instalado no cano da arma, atingiu o outro bem no meio da testa. Um tiro fatal, com pouco sangue derramado. 

O director ligou para a segurança e esperou. 

- Façam o que já lhes disse para fazer. E mandem limpar esta sujeira, antes que alguém faça perguntas. Eu quero o corpo deste humanóide embalsamado e depositado dentro daquela cápsula, de modo que nunca ninguém encontre vestígios do que aconteceu aqui. E mandem instalar a maldita cápsula no meio daquele jardim, para onde eu possa olhar todos os dias… 

O chefe da segurança assentiu, chamou os homens e tratou de fazer o que lhe fora mandado, sem perguntas e sem hesitar. 

Àquela hora da noite não havia quase ninguém na empresa. Eles tinham toda a liberdade para fazer o que era necessário, sem levantar suspeitas. 

*** 

- Liga a TV. Estão mostrando uma coisa que vais querer ver. 

- O que foi? 

O rapaz ligou a TV. O noticiário mostrava uma matéria sobre uma certa grande produtora de medicamentos, que anteriormente produzia somente alimentos. Uma investigação levou à descoberta de uma série de incidentes, todos associados ao director da N.M.E., incluindo a um crime contra dois rapazes, no norte do país. 

A investigação apontou para o chefe da segurança da empresa, que depois de muitas contradições nos depoimentos que prestou, acabou por ceder e confessar o tal crime. O diretor ainda estava sob investigação e a polícia acabava de chegar ao escritório com um mandato de prisão contra ele. 

Advogados muito bem pagos trabalhavam para conseguir um habeas corpus, mas não tiveram tempo de impedir que o homem fosse levado para a delegacia. 

A câmera da TV mostrava o homem sendo abordado pela polícia, quando estava ainda no parque interno da empresa. Era visível que ele mantinha os olhos num estranho objecto plantado no meio do jardim bem cuidado. Uma grande esfera de metal, toda lacrada, jazia, como um monumento ou um troféu, no centro daquele jardim, ladeada por fileiras concêntricas de serralhas e outros tipos de asclépias, muito bem plantadas, num desenho geométrico harmonioso. 

Os dois rapazes estavam estáticos. Conheciam muito bem aquela esfera. 

- Que diabos! 

A reportagem continuava. 

Quando o carro da polícia chegava à delegacia, com as câmeras todas atentas, à volta, a registar o acontecimento, a TV mostrava o homem sendo arrastado, aparentemente inconsciente, na direcção do prédio. Uma ambulância já estava à espera, com os paramédicos prontos a prestar atendimento imediato. 

Um repórter anunciou que o homem chegara morto ao local. Outro ventilou que ele se envenenou, a caminho, para evitar as consequências da prisão, confirmando as suspeitas do primeiro. 

A imagem estava fixa na carrinha branca da ambulância. No volante, para choque dos dois rapazes que assistiam, atentos, um homem muito pálido e de aparência estranha, levava o carro para longe da delegacia e da confusão a que os repórteres e curiosos acabavam de presenciar…

***