domingo, 25 de fevereiro de 2018

Pelo Litoral (Parte 4)


- Voltou a sangrar? 

- Sim. Eu devia ter apertado a bandagem mais forte. 

- Temos que dar um jeito nisso, mas sem levantar suspeitas. Se formos a um pronto-socorro, eles vão chamar a polícia. 

- Não há necessidade. É uma questão de tempo. Foi só um raspão. 

- Por sorte. Mas se infecionar, não teremos alternativa. 

- Não nos preocupemos com isso, agora. Vai ficar tudo bem. 

O rapaz de óculos assentiu, preocupado. Não era apenas um raspão. A bala havia entrado e saído, felizmente, sem atingir nenhum órgão vital, pelo menos aparentemente. Ainda assim era um ferimento de bala e podia infecionar. Foi o que eles ganharam por enfrentar homens armados, tendo como defesa apensa as roupas e pedaços de metal dentro delas.

Eles tinham que passar despercebidos, por isso o ferimento tinha que estar contido, ou, então... 

E eles já não tinham certeza de nada… 

*** 

- Incompetentes. Estou rodeado por incompetentes! Como é que três dos meus seguranças, escolhidos a dedo, por serem os mais habilitados, deixam escapar dois rapazes daqueles. 

O chefe da Segurança não respondeu. Sabia que o homem não ouvia ninguém quando estava enfurecido. Era uma questão de tempo e de paciência até a razão voltar e ele, mais calmo, dar novas ordens ou arquitetar um plano, para sair de alguma situação. Aquela era grave. Era um furo no procedimento e um risco muito grande. Se os rapazes descobrissem o que havia por trás da operação, da qual ele sabia pouco, mas tinha certeza que era muito importante, eles estavam em grande perigo de exposição. 

- Vocês tem até o fim do dia para acabarem com isso. Resolvam isso já! 

O chefe da Segurança virou-se e saiu. Não tinha a mínima ideia de como resolver, mas sabia que se não fizesse nada, tinha a cabeça a prêmio. 

*** 

No dia seguinte ao incidente, os dois desceram para a cidade, foram ao banco, resolveram a questão com os cartões e com o dinheiro e arranjaram um Airbnb mais decente para ficarem, porém sem muita exposição, de modo a poderem planear o que fariam em seguida. A escolha era baseada no facto de serem mais dificilmente identificados, do que se ficassem em um hotel. A quinta era suficientemente discreta e bem arranjada, além de muito bem localizada, numa das ruas secundárias, pouco distante do centro da cidade. Era uma escolha muito conveniente. 

Ainda pela manhã, foram até a Biblioteca Pública fazer uma pesquisa sobre os negócios da N.M.E. e descobriram que a mesma estava para fechar um contrato para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. A princípio aquilo pareceria normal, se não fosse um pequeno detalhe escrito no final do artigo. O rapaz de óculos estranhou o facto e comentou com o amigo. Valia uma investigação mais profunda. 

- Vamos ter que ir mais a fundo nisso. Melhor ir até lá! 

- Estás louco? Ir direto à boca do lobo? Isso é suicídio. Eles já estão à nossa procura. Não nos vão deixar sair de lá, vivos! 

- Tem que haver um jeito. 

Airbnb não ficava longe da Biblioteca. Quando estavam chegando à esquina, viram que havia um carro preto parado, perto da quinta, onde estavam hospedados. Os dois perderam, completamente, a naturalidade, sentindo seus músculos a enrijecer. Eles voltaram uns passos e enveredaram pelo portão atrás da pequena igreja, no alto do morro e ficaram a observar, escondidos. 

Dois outros rapazes, mais ou menos da mesma idade que eles vinham descendo a rua, conversando displicentemente, naquele exato momento. O carro arrancou e avançou contra os dois, que pegos de surpresa, não escaparam do atropelamento fatal. O motorista acelerou e enveredou pela rua, deixando as duas vítimas a sangrar no local do crime. 

- Estamos ferrados! Acho que eles pensavam que éramos nós! Não pode ser uma coincidência. 

- Isso está cada vez mais estranho e perigoso. Temos que sumir daqui. Nem podemos pensar em chegar perto da sede deles… Vamos ser mortos! 

- É verdade. Aquilo não foi apenas um incidente. Agora trata-se de um crime. 

*** 

O homenzinho sentou-se. O outro parecia pouco à vontade, mas abriu a pasta de documentos e folheou o dossier, com olhos bem alertas. 

- É essa a documentação que necessitamos para iniciar o processo? 

- Sim. Está tudo aí… para a primeira fase e para estudar a primeira amostra… 

- Primeira fase? Que brincadeira é essa? 

- Não é brincadeira. É a garantia de que vou sair daqui vivo e ileso. A segunda parte será enviada quando eu estiver seguro. 

- Isso não fazia parte do contrato. É uma fraude. 

- Não é. Eu tinha que tomar minhas precauções. Eu soube o que foi feito aos dois rapazes… 

- Efeito colateral. Nada mais que isso. 

- Não gosto dos vossos métodos, mas não tenho nada com isso e nem quero ter. Só me interessa terminar essa transação e retirar-me daqui. Tenho mais o que fazer e me preocupar… E para mostrar que eu falo sério, vou deixar uma segunda amostra. 

- Quem me garante que isso é suficiente, para iniciarmos a produção dos medicamentos? 

O homenzinho ignorou o comentário em forma de pergunta e continuou. 

- Há uma clara diferença no comportamento das duas amostras, embora tenham vindo da mesma origem. Esta segunda está recuperada, mas tem o ciclo de vida mais curto. Para transformar a primeira numa outra, em perfeito estado, com o ciclo de vida muito mais longo, é fácil, com os dados certos. Vocês têm a resposta numa matéria-prima em abundância, aqui mesmo. Foi um erro que cometemos, quando não aproveitamos o tempo que ainda tínhamos. Quando chegamos à resposta, já era tarde. Felizmente, eu tive tempo de recuperar a pesquisa, antes… 

- Recuperou? Mesmo? 

- Passe a informação e a amostra para o laboratório e mande-os comparar as duas. Eu mando o resto da informação, assim que estiver longe daqui. 

- É o que farei. 

O homenzinho esboçou um riso esquisito, como de alguém que não era acostumado a sorrir ou demonstrar simpatia. Sua face era quase impassível e desprovida de marcas de expressão, com exceção da região entre os olhos, onde apareciam profundas rugas de preocupação. Seu riso era, apenas, um pequeno movimento de lábios, sem muita expressividade. Ele parecia um fantasma… ou… 

- Muito bem. Aguardem meu contacto. 

*** 

- Isso não pode estar certo. 

- E não está. 

- Deve ser por isso que eles tem coisas a esconder e acham que nós sabemos mais do que realmente sabemos. 

- Mas a ponto de nos matar? 

- Isso é mais grave que uma infeliz coincidência. Como vamos descobrir mais sobre as falcatruas deles? 

- Não sei e nem quero saber. O melhor que nós fazemos é voltar para casa. Chega desta história. 

- Deixa-me pensar. Tem que haver um jeito… 

- Oh, não. Eu sei onde isso vai acabar. 

- Pelo menos agora temos uma hipótese. Eles pensam que estamos mortos! E eu acabo de ter uma ideia. 

- Oh, meu Deus! Estou ferrado! 

- Vem! 


***

sábado, 10 de fevereiro de 2018

All Along the Coastline (Part 3)



Determined to comply strictly with the order not to leave traces behind, the security guards dragged the two prisoners out of the building and into the white van. At gunpoint, the two soldiers had no way of trying to escape on that occasion.

***

The strange little man sat facing the other, not so dissimilar from him, in the large room on the second floor of the modern building, whose façade differed greatly from the well-arranged garden, built at the back of the estate. His expressionless eyes and extremely pale skin, denounced the visitor's origins, who, in spite of everything else, did not seem to be uncomfortable in that place. The other man, a little more agitated and with a frown visibly wrinkled, showed how suspicious he was, of the offer that had just been placed on the table. He could not see the reasons behind the reasons that brought that strange man to that place. The visitor then took the lead.

- You got the sample yet?

- Yeah. We have it. We have already started analysing...

- The sample without the dossier is worth nothing... or better... very little. It will be a waste of time to analyse it without due care and without the necessary information on what to do and how... It is a unique sample and should be processed with extreme caution. The codes are pretty complex and advanced... for obvious reasons.

- Of course. It was not going to be so easy, otherwise it would not stop here like this. But it's a strange business... and expensive... in my view...

- Yes. It's a very peculiar offer, but it's virtually beyond question. The risks are minimal, and the return of capital fully assured, in a very short time. But we must keep our society as a very well-kept secret and follow the plan in its due time. We cannot speed things up too much and raise unnecessary suspicions.

- It sounds too good to be true.

- I do not believe that you still have doubts about the authenticity of the origin...

- Of course I have not, but leave me with doubts about the true intention...

- The intention is to guarantee a future for this civilization... and...

- Who cares about the future of this decaying generation, which thinks only of owning more and more useless things, of making intrigues and carelessly destroying the planet?

The little man laughed.

- That's the intention. One can still hope for the future. Only those who have information like this, can appreciate the results... the earnings and the profits... Do we have a business or not?

- We do. N.M.E. will expand its area of ​​operation and include the production of medical drugs and chemicals, in this way, with a very specific purpose. No one will suspect anything.

- As long as this business stays between us, only. My contribution cannot be brought to light of this...

- Time... is money... We have so much to do, yet. I will transfer the money to the designated account. Please confirm the receipt as soon as you have it and have someone bring the sample and the data to start the process as soon as possible.

- I cannot send anyone else to bring information of this importance along here. I work alone. I'll come myself...

- You need to trust humanity more... especially...

The irony was not welcomed by the little man, who replied,

- I have many reasons not to trust anyone... more specifically from here.

- Very well. It's fair... for now. After all, business is business.

***

The rented car was parked at the edge of the ravine. A man in a black suit was leaning against the vehicle, staring out at the sea and smoking an unfiltered cigarette. He glanced at his watch and looked out at the road. The white van was coming up the highway.

- It's about time!

The man threw away what was left of the still lit cigarette and waited. The car pulled up close to him. The driver, also dressed in a dark suit and wearing sunglasses, got out of the vehicle and came toward the man waiting for him. The passenger, sitting in the front seat, also got out of the van and joined the others.

- Let's get this over with.

A crash in the back of the vehicle caught the three of them by surprise. Two young men came out, one from each side, running at full speed, dressed only in their underwear, and each one turning their pants in their right hands and coming straight to the attack on the three other men, who were not expecting such kind of attack. Two men were hit in their heads by something solid and they fell to the ground. The third man pulled a pistol off his jacket and fired, just as he felt something very hard hitting his hand as fell down to the ground too, his senses failed. He had been hit in the head by the other man.

- Fast. Let's tie these three up, before they react again.

The two of them hastened to tie up the three security guards after stripping them of their dark suits, leaving them only with their underclothes on the edge of the cliff, but not in view of the passers-by. To make it difficult, they threw the van down the cliff, before they got into the rented car and left. They would have to get rid of their car on the first occasion, so they went down the coast to the big industrial city, still up north. There it would be easier to change cars and go unnoticed. The intention was to disappear for a while.

***

- It's going to take a few days, until we sort all this out and we can finally get out of here.

- It’s not that bad. They’ll give us provisional cards. We must avoid being seen around however.

- We must report these people! They will continue to chase us and do...

- We do not even know what they're up to. What we know is very little. What would we say and to whom? And who would believe us, anyway?

- Damn it!

- We have to know more about this company and the shenanigans they are involved in before doing anything.

- Are you crazy?!? No way. Let's go back to our lives, before anyone finds out we're in such a mess.

- We cannot leave things like this. It is not right. There is something big going on here and we have to find out what it is, otherwise we cannot do anything to change this situation.

- But we do not have to change anything. It's none of our business.

- Yes, we do. It's up to us now. Or do you think being beaten and treated like animals is part of a normal life? Our holidays are spoilt anyway. We're hiding here, and we still need to have our documents reissued before we get back to our lives and to our holidays. That's not fair. Besides, we still have more than a whole week to go...

- Let's get out of here as soon as possible.

The young man wearing glasses looked at his friend but knew that his battle was over. The other man was not going to rest until he'd settled the case or put an end to his anguish.

- Well, I'm hungry.

-Let's go out, then. We have little money left from the amount we took out of the security guards. We must be reasonable until we can settle the case with the bank.

The two men left the rented room in the small B & B on the outskirts of the city, where they could go unnoticed and have just a few expenses, with the little money they had left. The car was tucked away in one of the nearby streets, but not the same as the B&B, so they would not be discovered if someone came looking for them. Nobody knew them, and they did not ask for anything, either. They were strangers living incognito... for a while...

***

The Cafe was practically empty when they left, after a quick meal. The night was cool, even for the hot day it had been. They walked side by side, not talking much. Each one was very busy with his own thoughts. The street, where their accommodation was located, was almost deserted. The two of them walked lightly while a few cars passed by them, and when they did, they avoided being exposed to the headlights, lowering their heads, so as not to be recognized. 

The man wearing glasses stopped, mute, looking ahead and very seriously. His partner looked at him and followed the direction of his gaze. Coming out of the street where their car was parked, they saw the white van. The big red letters painted on the side of it did not hide the origin of the vehicle, nor the purpose of being there. The two of them jumped over a wall and crossed a vacant property to the other street and hurried up the steps to the room where they were staying.

- We got to get out of here. How did they find this place?

- I do not know, but now it's too dangerous to stay here now. They must have contacts everywhere...

A noise downstairs, followed by muffled voices and doors slamming, left them on alert. A woman shouted out loud. The last thing they heard, before jumping down from the balcony into the dark street, was the sound of a man's voice calling out,

- Where are they?

The young man wearing glasses only had time to hear his friend whisper and pull him by the arm, though an opening on the broken wall:

- Quick! This way! 

***