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quinta-feira, 8 de maio de 2014

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Olhar para a frente sem considerar o que ficou atrás é um equívoco que eu não quero cometer. Eu não posso, jamais, deixar de ponderar tudo o que já passei, nem as lições que aprendi com a vida, que foram únicas. E, como diz a canção, "Je ne regrette rien"... Não me arrependo de nada...

Entretanto, eu não sou nostálgico, nem sinto saudades do meu passado, tampouco. Nunca senti, na verdade. Ele pertence a um tempo pretérito, mas que fez do meu presente o que ele é. Fez, também, de mim o homem que eu sou hoje. Eu sei que o melhor ainda está por vir, por isso acredito que não tenha que reviver as experiências já vividas em outros tempos. Que venham as novas! Como eu mesmo disse certa vez: 'um homem que passou pelo que passei não pode temer o futuro'...

Estes últimos oito anos da minha vida, em que reaprendi a viver sozinho, estando longe do meu país, da minha família e dos meus amigos, ensinaram-me também a ver as circunstâncias da vida com outros olhos. A distância faz as relações desvanecerem, aos poucos, mas constante e inegavelmente.  Minha mãe estava certa: "quem não aparece, não é lembrado". Isto se aplica a tudo na vida, tanto pessoal quanto profissional, pelo que pude perceber. Não considero isto uma coisa ruim; muito pelo contrário, mas é uma verdade incontestável.

O novo sempre toma o lugar do antigo e refresca a existência, fazendo com que nos tornemos reciclados e rejuvenescidos. O novo é bom. O velho, se for forte o suficiente, também o é.

A concepção de vida que eu tinha até um tempo atrás mudou completamente. O conceito de aceitação de algumas coisas que são inevitáveis nela, como a própria morte, por exemplo, também mudou. No verão do ano passado perdi meu Tiger, inesperada e inconsolavelmente. A idade do bichano, que havia sido meu companheiro por tantos anos, não o permitiu resistir ao calor sufocante da estação. A dor daquela perda ainda incomoda-me, mas o tempo transformou-a numa linda lembrança, guardada com muito carinho na minha memória. Eu acreditava que ia demorar a recompor-me, antes de poder adoptar outro gatinho. Para minha surpresa, entretanto, muito pouco tempo depois, Thomas entrava pela porta da frente e invadia minha casa e minha vida. Foi muito antes que eu pretendi ou previ, mas foi a melhor decisão que eu tomei, para nós dois. Ele é único e especial, sem sombra de dúvida e sem necessidade alguma de comparações.

A vida tem-me ensinado a ser forte. Hoje, quando completo 55 anos, olho-me no espelho e vejo que aquele menino franzino, de olhar distante e tristonho, já não existe mais. Em seu lugar há, agora, um homem maduro que aprendeu, em cerca de meia década, muito mais que nas cinco anteriores.

Eu mudei, naturalmente. Livrei-me da casca pesada do passado, que usava à minha volta. Tornei-me mais leve, por opção. Despojei-me não somente de um peso de roupas e de bagagem, mas de pré-conceitos e comportamentos que já não me servem. Já não acumulo desnecessidades, nem colecciono objectos, apenas experiências. Hoje viajo sem muita bagagem, a não ser a que necessito sumariamente, para sobreviver. Agradeço imensamente a aquele que me fez ver uma realidade mais crua e mais simples que a minha alguma vez havia sido.

Deixei de sentir-me velho quando alguém me chama de 'senhor'. Os cabelos e as rugas na face já não mentem e eu não faço questão de esconder nenhuma das minhas cicatrizes, que não são poucas. Meu corpo começa a acumular peso e a cabeça está numa velocidade mais rápida que meu físico. Não tenho paciência para discutir assuntos que não me interessam, nem de fazer-me rodeado de coisas ou pessoas que não me acrescentam nada. Prefiro mil horas em casa, sozinho com o gato, do que meia hora com socialidades vazias.

Sair de casa somente por sair? Nem pensar. Já tenho idade suficiente para decidir não fazer aquilo que não gosto. No trabalho, tenho que seguir normas e procedimentos. Alguns deles que não aprovo, nem concordo, mas regras são regras.

Na minha vida, de forma alguma, posso deixar-me levar por situações que não me dêem, pelo menos, alguma satisfação e posso optar por não fazer isto ou aquilo, se não quiser.

Se eu tiver que abraçar minhas preferências e minhas resoluções com coragem e seriedade (ou, às vezes, nem tanto), assim o farei. Se tiver que pisar na areia solta e fofa, de pés descalços ou, ainda, no afiado e desconfortável vidro quebrado, também o farei. Entre a maciez morna da areia e as arestas cortantes do vidro, experimentarei ambas as sensações, se for por opção puramente pessoal.

Eu preciso de bastante tempo comigo mesmo, para pensar, fazer minhas coisas e produzir minha arte amadora. Tenho recebido, com alegria e humildade, alguns elogios - em relação ao que escrevo ou desenho - mas com a consciência que ainda tenho muito caminho pela frente, para chegar aonde quero, na minha busca de aprimoramento... ou melhor, na busca por ser cada vez melhor.  Tenho sentido que estou cada vez mais perfeccionista.

Não tenho medo de ficar sozinho, nem da solidão, que considero serem duas coisas muito diferentes. Tanto tempo a viver com um gato - e outro - ensinaram-me a silenciar e a não ter medo de sossego, nem daquilo que eu gosto.

Tenho prazeres simples e deles tiro proveito. Escrever, ler, desenhar, pintar e cozinhar são alguns deles. Não dispenso um bom copo de vinho, ao jantar, nem a satisfação de comer muitas frutas frescas ou secas e algum chocolate negro, frequentemente. Perdi a tolerância ao açúcar e já não sinto falta do mesmo. Reaprendi a apreciar o pão e o café. Como muito pouca carne, mas não dispenso o pescado, os frutos do mar ou os cogumelos.

Ultimamente tenho ouvido muita música de outras culturas. Grega, russa, alemã... abro meus horizontes para outros tipos de cadências e, mesmo que eu não entenda as palavras, deixo-me levar pelos sons. Abro o espírito para deixar-me envolver pela harmonia.

Não tenho vergonha nem receio de apreciar a beleza, esteja ela na forma que estiver. Até mesmo o conceito de beleza tem evoluído constantemente na minha percepção.

Fico cada vez menos ao sol. Acho que não preciso fazer fotossíntese, afinal.

Por incrível que pareça, ainda não sei controlar o efeito do stress na minha saúde, apesar de já haver melhorado muito.

Gosto cada vez menos de dirigir/conduzir o carro. Gosto cada vez mais de caminhar, todavia.

Aos 55, depois de tanto tempo de vivência, descubro que tornei-me muito emotivo e emocional:  eu choro à toa; eu rio à toa; eu beijo à toa; eu me apaixono à toa; eu gosto e odeio à toa. Chego à conclusão que eu sou, mesmo, um homem à toa…

Hoje foi um dia em que, assim que acordei, os versos de uma canção forte e de palavras muito verdadeiras, que imortalizou Edith Piaf, bateram e rebateram na minha memória, sem parar: "Non, rien de rien... non, je ne regrette rien"...

É tempo de olhar para trás, sorrir e voltar a olhar, definitivamente, para a frente. A vida tem-me ensinado a abraçar minhas opções com responsabilidade, mas também com muita alegria: não, eu não tenho razões para me arrepender de nada!