terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A História


- Conta a história outra vez. Por favooooor.

Olhei-a com autêntico carinho, mais uma, entre tantas milhares de vezes, desde que a conheci, recém-nascida. Parecia tão frágil e, no entanto, provou-se tão forte. Quando queria algo, ela pedia ‘por favor’, esticando a vogal da última sílaba, sabendo que ia ter um efeito irresistível sobre mim, que nunca recusava-lhe nada. Aqueles olhos grandes e curiosos brilhavam de excitação, na antecipação da história que ia ouvir, mais uma vez. A boca sempre rosada e sorridente, os cabelos claros e caindo em cachos pela cabeça tão bem desenhada, davam-lhe um ar angelical e absolutamente adorável. No dia em que foi-me dito que eu seria pai, senti-me o homem mais feliz do mundo, numa emoção espontânea, como nunca havia sentido antes. Ela era a minha primeira e única filha. Era, definitivamente, a dona do meu coração. Ponto final. 

Nos últimos tempos eu havia mudado bastante. Ela continuava a ser aquela criança adorável e ia, sempre, a meu ver, sê-lo. Eu, porém, tornara-me um homem amargo e descrente de tudo que não pudesse ser comprovado por factos. Era um cientista quase niilista, muito longe do crente que eu, alguma vez, fora, na minha pré-adolescência. Eu aprendera a acreditar somente em evidências e em provas cientificamente atestadas. 

Para ela, entretanto, eu contava histórias… Contos e alegorias. Coisas que faziam sua imaginação viajar para além dos horizontes conhecidos e acreditar em sonhos e fantasias, com o coração de criança que ela sempre teria. 

Daquela vez, porém, eu decidira contar a mesma história, de uma maneira diferente, mais próxima da realidade, preparando-a para ter uma mente mais crítica, quando o tempo de ser científica chegasse, afinal. 

- Vem até a varanda comigo. Vou mostrar-te uma coisa.

Ela saltou da poltrona, onde estava sentada e veio até a varanda comigo. A noite estava clara e o céu estrelado. Perfeito para o que eu queria mostrar-lhe.

- Eu gosto das estrelas. Onde estão as Três-Marias? 

Eu apontei para as estrelinhas alinhadas acima de nossas cabeças. 

- Estão lá. Vês aquela estrela grande, bem à frente delas? Aquela é Sirius, a estrela que mais brilha nesta época e que inspirou a história. As Três-Marias, no outro lado do mundo, são chamadas de Três-Reis. Sabes porquê?

- Não. Por quê? 

- Porque os antigos precisavam de uma grande história, para explicar as coisas que não conseguiam compreender e, assim, faziam associações com o que viam, inventavam uma narrativa convincente, que contavam uns para os outros, passando de uma geração à outra. Depois de uns tempos, já ninguém questionava. Criava-se um mito que passava a ser parte da vida e que todos aceitavam, sem questionar as origens… 

- Hummm… Acho que entendi… 

Ela fez carinha de quem percebia, mas não sei quanto daquilo era verdade. Talvez, em sua cabeça, aquilo fosse a explicação que ela quisesse, mas que não compreendia ao todo. Ela queria ouvir a história, fosse de que jeito fosse, por isso deixava-me viajar nas palavras…

- Pois bem, no dia 22 de Dezembro o sol está no seu ponto mais baixo no horizonte e, por isso, o Inverno começa neste dia, que é chamado de Solstício de Inverno. É a noite mais longa do ano e, portanto, o dia mais curto. Os antigos tinham medo que aquela noite durasse para sempre e que ela vencesse o dia, por isso faziam rituais, onde acendiam velas, faziam fogueiras, enchiam as casas e as ruas de luz, para lutar contra a escuridão. Quando o dia nasce, eles descansam, pois o sol é o salvador, a fonte de vida e de luz.

- Hummmm… 

Eu queria manter o interesse dela na história, por isso continuei.

- Naquela noite, as três estrelinhas alinham-se com Sirius, como se estivessem seguindo aquela estrela mais brilhante e o conjunto aponta na direção onde o sol estará. Entendeste o significado?

Ela olhou-me, meio incerta.

- Pensa no sentido das palavras: os três Reis seguem a estrela mais brilhante, para chegar até onde o Salvador nasce. Na verdade, o sol permanece naquela posição por três dias e, no dia 25 de Dezembro, move-se um grau para cima, recomeçando a trajectória de volta, como se renascesse. Por isso o dia do nascimento é celebrado naquele terceiro dia do Solstício. 

Ela olhou-me, fascinada. Os olhos grandes brilhavam, sinalizando o interesse a crescer dentro dela. 

- Então está certo. O dia 25 de Dezembro é o dia do nascimento do menino…

- Está. Era o dia perfeito para celebrar o nascimento do Salvador. Mas já era festejado por cerca de mil e duzentos anos, antes de Cristo! 

Ela arregalou os olhos e pôs a mãozinha na boca. 

- Oh! Como podia?

- O ritual é bem mais antigo que o que conhecemos. Naquele mesmo dia era comemorado o nascimento de um menino-deus chamado Mitra. Haviam outros, que eram festejados da mesma maneira, mas o culto a Mitra foi o que mais se aproximava daqueles que foram adotados pela igreja romana, que copiou e acolheu os mesmos. O objetivo era não criar conflitos com os pagãos persas e romanos e seus rituais e também para unificar as religiões do império, sem chocar ninguém, mantendo a tradição do nascimento do “Sol Invicto”, que foi como o dia ficou conhecido, quando o decreto que instituía a criação da igreja católica foi oficializado. 

- E o Papai Noel? 

Eu ri. Ela sabia conduzir a conversa. 

- Existem várias versões, envolvendo São Nicolau, por ser um homem caridoso, que cuidava dos pobres e das crianças necessitadas, distribuindo pão e oferendas. É a mais tradicional e também a mais reconhecida, mas a que eu mais gosto é a outra versão, bem mais antiga.

- Eu sei. É a que eu mais gosto também. 

- Menina esperta. Percebes como é interessante saber sobre os ritos de passagem dos rapazes nórdicos… 

Ela deu uma risada e apertou as mãozinhas. Eu sempre a via como um anjo a proteger-me e fazer-me sentir melhor. Eu continuei a contar a história, porque sabia que era onde ela queira que eu chegasse, com a conversa. Todos os anos nós fazíamos a mesma coisa, como se fosse um ritual só nosso.

- O pinheiro era a única árvore que permanecia verde durante todo o inverno. Era comum, nos três dias do solstício, que os xamãs, homens sábios e especialistas em alquimia, rituais mágicos e de cura das aldeias vikings se reunissem sob o pinheiro. Eles acendiam velas nos ramos das árvores, faziam pedidos e desejavam que luz vencesse a escuridão. Percebes a ligação?

Ela apressou-se a fazer que sim, com a cabeça. Os olhos pareciam estrelas, de tão fulgurantes.

- Eles então escolhiam um rapaz com idade de passagem da adolescência para a idade adulta. Ele tinha que ser forte e destemido, para ir à caça de um urso branco, que representava a força viking. A intenção era caçar o animal e voltar, usando a sua pele vestida sobre o corpo. Às vezes ficava muitos dias e a barba crescia e ficava coberta de neve. Como o inverno era muito rigoroso, ele usava a parte da pele branca virada para dentro, de modo a manter-se aquecido. O lado de fora da vestimenta, nada mais era que a parte de dentro do urso, ainda vermelha de sangue, que avistava-se de longe, quando o jovem homem retornava, vitorioso, cumprindo o ritual de passagem. 

- Ugh! 

Ela fez uma carinha estranha e olhou-me. Eu ri e abracei-a. A história estava contada, mais uma vez, entre tantas outras, nos últimos anos, para sua satisfação e fascínio.

A noite estava calma e fresca. Nós dois ficamos, sentados na varanda a olhar o céu, acima de nós, quietos, por um longo tempo. Ela deitou-se no banco de madeira, protegido por umas fofas almofadas e aninhou a cabeça no meu colo.

- Pai?

- Uhn?

- Eu sei que tu não gostas muito desta época, porque traz lembranças tristes, mas eu adoro o Natal. 

- Eu sei, meu amor. Eu sei. O Natal e todos os outros dias do ano só são lindos porque tu existes, minha vida! 

Ela sorriu e ficou a olhar as estrelas, em silêncio, até adormecer, ali mesmo, deitada no meu colo. Eu olhei para ela e duas lágrimas quentes, rolaram pelas minhas faces. Eu questionei-me, em silêncio.

- (Como uma criatura tão pequena e tão frágil pode, ao mesmo tempo, ser tão forte e tão adorável?)

Ela era minha referência e a razão de eu querer ser forte, sempre. 

No fundo, eu sabia que ela era jovem demais para lembrar daqueles detalhes todos das histórias que eu contava e ia sempre pedir para contá-las muitas vezes, nos anos seguintes. 

Eu, porém, estava muito enganado. Ela nunca esqueceu daquela noite, nem das histórias que eu contei…

sábado, 19 de dezembro de 2015

A Mensagem...


É Natal. É época de renascimento… É tempo de repensar... De refazer. O Natal é a ocasião certa para fazer diferente e diferença. Não é difícil. São pequenos gestos que podem significar grandes feitos e gerar grandes resultados. Senão, vejamos:

Ouça mais música. Dance muito. Cante mais. Assobie, se não conseguir cantar. Aja como adulto, mas mantenha o coração de criança. Passe mais tempo com sua família. Telefone, se não puder estar perto, mas mostre que se importa com eles. Faça planos e sonhe, mas tenha, pelo menos, um dos pés firmes no chão. Organize-se. Dê atenção a aqueles que têm menos. Faça um gesto de caridade. Faça uma limpeza no seu armário e na sua casa. Livre-se de tudo o que não lhe servir mais e dê para quem precisa. Faça uma limpeza na sua vida. Fique mais leve. Viva mais leve. Livre-se de conceitos antigos e, também, dos pré-conceitos ou conceitos pré-concebidos. Preocupe-se mais com sua vida. Preocupe-se menos com as vidas dos outros. Cuide mais de si. Exercite-se. Alimente-se bem. Faça uma dieta mais saudável. Ouça mais. Fale menos. Pense antes de falar. Critique menos. Siga sua intuição. Converse mais e mande menos mensagens de texto. Leia mais livros e menos as páginas policiais dos jornais. Assista menos televisão.

Acredite mais nas pessoas. Dê-lhes mais hipóteses. Medite. Reze. Agradeça mais. Peça menos. Conheça-se melhor. Faça algo diferente. Estude. Aceite-se. Cuide-se bem. Conheça suas emoções. Emocione-se, sem medo do que os outros vão pensar de si. Chore mais de alegria e de saudades e menos de frustração, tristeza ou de raiva. Passeie mais. Viaje mais. Caminhe descalço. Molhe os pés nas águas do mar e do rio. Ria. Sorria. Não magoe as pessoas. Não destrua a natureza. Não deprede o que não construiu. Não seja cruel nem injusto com os outros, nem com os animais. Não aceite que sejam cruéis ou injustos consigo. Não inveje o que os outros têm. Não sinta ciúmes. Mire-se no exemplo dos melhores. Siga os passos de quem admira. Não idolatre ninguém, nem nada. O que importa é a sua espiritualidade, consciência e integridade, não a religião que você segue. Ame, incondicionalmente. Abrace mais, beije mais. Namore mais. Caminhe de mãos dadas. Mostre que isso é importante para si. Diga mais vezes: eu gosto de ti ou amo-te. Mas diga, somente, se for de verdade. Seja autêntico e transparente. Não tenha medo de dizer a verdade. Seja bom, mas não deixe que tirem vantagem de sua bondade. Seja puro, mas não seja ingénuo.

Preocupe-se com o que faz. Assuma suas responsabilidades. Faça sempre o seu melhor. Dê o melhor de si… em tudo o que puder. Não aceite menos do que merece. Não passe por cima de ninguém. Não use o fracasso dos outros para sua promoção. Aceite suas derrotas como lições de vida. Amanhã é outro dia. Aprenda com o passado, faça planos para o futuro, mas viva o presente. Não faça promessas que sabe que não vai cumprir. Elogie o bom trabalho. Seja paciente com os erros dos outros. Se não tiver nada de bom para dizer, pense bem antes de emitir um comentário. Coloque-se no lugar de quem vai ouvi-lo. Se sentir que não irá gostar do que vai ouvir, não fale. Viva cada dia como se fosse o único: com intensidade e alegria. Pinte a sua vida com as cores que mais gosta. Seja luz na escuridão. Aprenda a voar. Plante uma semente.

Aprenda a fazer silêncio. Escute sua voz interior. Seja paciente e tolerante consigo mesmo. Perdoe-se e aos outros. Aceite que ninguém é igual à ninguém. Ame-se e às suas qualidades. Aceite seus defeitos ou faça algo para mudá-los em seu benefício. Não viva para as expectativas dos outros. Não viva à sombra de ninguém. Não espere demais das pessoas. Não espere pelos outros, nem dependa de ninguém para ser feliz. Todos nós somos especiais e únicos. Somos os verdadeiros milagres da vida.

O verdadeiro Espírito de Natal é caridoso e paciente. Que ele nunca deixe de existir em nossos corações.