- Sabe que vai falar com ele, procurar por ele, chamar o nome, manter as
mesmas rotinas, até se acostumar?
- Imagino que sim. Mas não vou ter como evitar… ou vou?
Minha resposta não havia sido nem
muito consciente nem tampouco convincente… pelo menos para mim. Eu julgava que
saberia gerir bem minhas alternativas e a nova condição que começava naquela nova
fase.
As palavras da médica, cheias de
experiência e ditas de maneira sábia, numa das mais difíceis ocasiões, não
fizeram tanto efeito naquela hora em que minha cabeça estava às voltas, numa
confusão de sentimentos, sensações, obrigações… mas fizeram mais tarde...
Era a primeira vez que eu lidava
com a morte daquele jeito… Mais de treze anos juntos, vivendo numa quase
simbiose e total dependência física e emocional, não me deram bases suficientes
para enfrentar uma fortuita fatalidade, como aquela…
Eu não sabia quão despreparado
estava para viver sozinho, sem meu bichano – que havia sido meu grande e sempre presente
amigo por tanto tempo.
Mas o Universo é sábio e tem seus
próprios tempos e seus modos de garantir que sobrevivamos às mais estranhas
situações e, ainda, saiamos delas com o espírito um pouco mais fortalecido. A
carga deixada em nossos ombros tem sempre os pesos que podemos suportar, mesmo
que, às vezes, pensemos que sejam excessivos.
Grandes perdas trazem grandes
vazios e deixam, com certeza, grandes cicatrizes. Eu tinha a alma totalmente
esfacelada. Minha vida perdia um firme suporte. Eu meio que flutuava entre as
horas, sem saber ao certo o que fazer, ou o que sentir…
Mergulhei no trabalho, em
silêncio amargo, tentando esconder as lágrimas e evitando os olhares de pena,
que as pessoas me dirigiam, sabendo que eu sofria. Não pensei que fosse
encontrar tanta consideração das pessoas que viviam à minha volta, de uma maneira
ou de outra.
Um feliz incidente trouxe-me um
outro personagem, que invadiu minha vida, menos de um mês depois da grande
perda. O incidente ganhou um nome: Thomas… e uma vida nova.
Ele entrou na minha vida,
lambeu-me, sem cerimónia, as feridas e permitiu-me dar-lhe aquilo que nunca havia
tido: um amor incondicional e sem partículas de culpa, miséria ou
arrependimento.
O mais puro e irrestrito amor,
que dei gratuita e abundantemente, brotou espontaneamente de um coração
entristecido e saudoso, mas que ainda estava fértil em generosidade. Ele, em
troca, deu-me companhia, segurou-me em silêncio, os dias em que chegava à casa mesmo
mal, preencheu-me os espaços vazios, com suas brincadeiras, suas chamadas para
ter atenção e sua maneira especial de me olhar, com aqueles olhos grandes e
verdes – antes tão perdidos, numa desafeição incompreensível, que terminou –definitivamente
- quando nos conhecemos…
Eu passei a repetir rotinas,
quase sem pensar… Muitas vezes errava-lhe o nome e imediatamente pedia-lhe
perdão. Ele tinha seu próprio nome, sua própria personalidade e uma maneira
toda sua de cativar-me. Eu tentava – às vezes sem muito sucesso – ambientar-me
a ele, suas brincadeiras e seus hábitos.
Coisas como esperar à porta,
passar um tempinho a fazer gracinhas, enquanto aguarda que eu troque de roupa, para
fazer-lhe carinho, em cima da cama, por uns poucos e importantes minutos, mexer
na areia, para ter a porta aberta, largar-se sobre o meu braço, para ser
carregado pela sala… são os vários expedientes que ele usa, para ter minha
atenção.
E tem.
Três meses depois de sua chegada,
reconheço que estou totalmente tomado pela presença dele na minha vida e nos
meus dias. Ele já é parte do que eu passei a ser.
Com Thomas, eu compreendi, então,
que existem muitas formas diferentes de amar. E eu fui surpreendido, mais cedo
que consegui alguma vez avaliar.
O facto de passar a amá-lo assim
não traz desrespeito nenhum com o amor que eu senti por Tiger...
Tiger foi, sem sombra de dúvida e
por mais de treze anos, meu grande amor. Thomas é, hoje, meu outro grande amor…
São duas formas diferentes de
amar. São incomparáveis. São imensas, totalmente incondicionais e absolutamente sem fronteiras.
É AMOR do mais mais
simples e mais puro… e basta!